“Mais do que dinheiro”, carácter imaterial, “total rewards”, capitalismo de impacto, entre outras formas inovadoras de olhar para as dimensões do lucro, estiveram em debate no painel que fechou o Congresso Nacional da ACEGE. E se existiu concordância face ao seu propósito de base – sem lucro não há empresas – a forma como o mesmo é entendido na gestão do século XXI abriu caminho a novas e enriquecedoras perspectivas
POR VER

Tendo como tema “As novas dimensões do lucro e da remuneração”, o 4º e último painel do 6º Congresso da ACEGE reuniu um conjunto de oradores bem diversificado, tanto na forma como no conteúdo. Com Diogo Alarcão, partner na consultora Mercer, a confessar os seus desassossegos face ao papel do gestor e empresário cristão no que respeita à justiça das políticas retributivas e equitativas; com Filipe Santos, o líder escolhido para a estrutura de missão Portugal Inovação Social, empreendedor social mais do que convicto a inflamar a audiência como alguém que, de forma apaixonada, acredita no que faz e no que diz; com Sofia Salgado da Universidade Católica do Porto a questionar se é com vista ao lucro que todos devemos ser competitivos e, por último, com Fernando Ulrich a admitir, com a frontalidade que o caracteriza, que o seu objectivo, enquanto presidente executivo de um grande banco é, em primeiro lugar, maximizar o lucro para os accionistas. Partilhamos, de seguida, as principais ideias defendidas pelos quatro oradores.

Desassossegos e olhar para o que somos

© Arlindo Homem - Diogo Alarcão
© Arlindo Homem – Diogo Alarcão

Recordando que os conceitos de remuneração e lucro têm vindo a sofrer mutações nos últimos tempos – mutações essas que, até agora, sempre tiveram como denominador comum o “dinheiro” -, Diogo Alarcão fala das novas “total rewards” – as quais privilegiam uma abordagem holística de ambos os conceitos: “muito mais do que o dinheiro”, há que ter em conta outros atributos como o desenvolvimento pessoal, a carreira, a conciliação entre as esferas pessoal e profissional, a promoção do bem-estar dos colaboradores e da sua família, a assistência na velhice, entre outros. Já especificamente sobre o lucro, o partner da consultora Mercer refere que, na actualidade, estamos a assistir – ou “pretende-se” que tal aconteça – a uma nova dimensão “não material” do lucro, o que, aliás, deu o mote a este painel em particular.

No que respeita à sua procura de princípios orientadores, Diogo Alarcão elege “a Justiça” na remuneração – temática abordada na encíclica “Caritas in Veritate” de Bento XVI – e realça que ainda estamos longe de a garantir, em particular no que respeita à equação “trabalho igual, salário igual”, onde continuam a subsistir discriminações profundas, o mesmo acontecendo com a equidade interna e com a competitividade externa: “espera-se de todos os gestores cristãos que vão um pouco além da máxima ‘pagar o mesmo que a concorrência externa e/ou um bocadinho mais’”, ou seja, que “não se limitem a bater a concorrência”.

O mesmo acontece com o “bem comum, enquanto fim último do lucro” e o princípio do destino universal dos bens e propriedade privada, expressos na Doutrina Social da Igreja. A este propósito, Diogo Alarcão relembra e sublinha os princípios orientadores que devem ser “procurados” pelos gestores cristãos e, obviamente, por eles colocados em prática.

Como primeiro princípio, Diogo Alarcão destaca a distribuição equitativa do rendimento assente em critérios não só de justiça comutativa, mas também de justiça social. Ou seja, “ a remuneração deve considerar não só o valor objectivo do trabalho em causa, mas também a dignidade humana dos sujeitos que o realizam”. Como segundo princípio, e no que ao bem-estar económico “autêntico” diz respeito, este deverá ser perseguido “através de adequação das políticas sociais de redistribuição do rendimento que considerem os méritos e as necessidades de cada cidadão”. Por último, o consultor chama a si, e aos demais que possuem segurança económica e acesso facilitado aos centros de poder, o dever de “serem a voz dos mais vulneráveis”.

Mas é nos “desassossegos” que sente que Diogo Alarcão convida a “olhar para o que somos”. Estarão os gestores e líderes cristãos a remunerar “condignamente” os seus colaboradores? Serão as suas políticas retributivas justas, bem como os processos de avaliação de desempenho e de gestão de carreira? Estarão os mesmos a colocar os seus dons como gestores ao serviço de empregados e accionistas, ou apenas a uma das partes? Estarão eles suficientemente próximos dos que deles precisam? A obsessão com as metas e objectivos não será responsável pelo afastar do caminho proposto por Deus? A resposta a estas questões não é, aos olhos do consultor, afirmativa para todos os casos, sublinhando ainda que continuam a prevalecer visões “muito de acordo com os resultados” e o esquecimento dos “níveis de esforço e de empenho” de muitos colaboradores.

Identificando os caminhos a trilhar pelos líderes cristãos – assentes em darem o verdadeiro exemplo de que querem e colocarão o amor ao próximo como critério de gestão no centro na vida profissional e na renovação do olhar sobre a remuneração ao lucro -, Diogo Alarcão terminou o seu testemunho manifestando dúvidas sobre “se o estamos a fazer”.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de Diogo Alarcão, clique aqui.

Da captura de valor para a criação de valor

© Arlindo Homem - Filipe Santos
© Arlindo Homem – Filipe Santos

Enquanto especialista, a nível internacional, nas áreas de empreendedorismo social, inovação e investimento de impacto, e escolhido para liderar a missão Portugal Inovação Social, Filipe Santos fez jus ao tema proposto, sugerindo uma nova forma de pensar a questão das remunerações e do lucro. O também professor no INSEAD afirma que, amiúde, nesta temática, esquecemo-nos do que realmente é importante: não o valor que capturamos, mas o valor que deixamos para a sociedade, para servir o bem comum. Habituados que estamos a um modelo de capitalismo muito focado na captura do valor, e que, levado ao extremo, alimenta comportamentos menos éticos ao nível da empresa, o especialista recordou ainda que “com a simples equação de ganhos e perdas, acabamos por legitimar este tipo de comportamentos”. Para Filipe Santos, o grande desafio do capitalismo reside, exactamente, nesta alteração de foco, para bem da sociedade: “passar da captura de valor para a criação de valor, para o serviço do bem comum”, sendo esta a sua definição de “capitalismo de impacto”.

Citando um estudo da União Europeia, que refere que uma em cada quatro start-ups é de missão social, Filipe Santos deu o exemplo da rede global de empreendedores sociais Ashoka, a qual identifica empreendedores de sucesso que transformam mercados ou lançam novas políticas públicas com a sua inovação. Existindo mais de três mil em todo mundo – sendo que um deles é o português Miguel Neiva criador da ColorADD, o código universal de cores para daltónicos – Filipe Santos firmou ainda que o “verdadeiro empreendedor social pode até escolher a ‘falência’, desde que resolva o problema social que identificou. Pode até decidir fechar a empresa e decidir oferecer a ‘solução’ enquanto política pública ao Estado, porque este fará melhor e em maior escala”.

Falando de seguida dos investidores, o “bastião do capitalismo financeiro”, o professor no INSEAD afirmou estarmos perante um novo sector emergente – o do investimento com impacto – o qual tem vindo a crescer significativamente nos últimos 5 a 10 anos, em vários países. “É um novo movimento que se está a gerar, já com reconhecimento e agenda própria por parte do G8, por exemplo, o qual abarca cerca de 50 mil milhões de dólares que estão investidos nesta lógica de investimento de impacto”, afirma. Estes investidores dizem: “eu quero, na minha decisão de investimento, preocupar-me não apenas com o retorno, não apenas com o risco, mas incorporar impacto na mesma”.

O terceiro tema escolhido por Filipe Santos está relacionado com as empresas. E cientes que estamos todos das grandes evoluções que já se obtiveram com a responsabilidade social corporativa e com a procura da sustentabilidade ambiental, “existe um conjunto de empresas que está a elevar essa exigência”. E está a fazê-lo mediante um compromisso público: “Eu quero elevar e formalizar o nível de exigência que tenho na minha empresa, na forma como envolvo os meus colaboradores, como contribuo ou não nos impactos ambientais, na forma como reparto o excedente da minha actividade, na forma como poupo energia, na forma como me envolvo com a comunidade”. Filipe Santos referiu-se, assim, ao movimento das B Corporations [for benefit corporations], que conta já com cerca de 1300 em todo o mundo, sendo três delas de origem portuguesa e certificadas: a já mencionada ColorADD, a Bio Rumo e a Sector 3, as quais assumiram, perante a sociedade, este nível de exigência.

Foi com estes três exemplos – no empreendedorismo, no investimento e na empresa – que Filipe Santos terminou a sua apresentação, reforçando que os agentes económicos estão assumir a criação de valor para a sociedade, sendo agora o desafio o desenvolvimento de modelos de gestão novos, bem como contratos de investimento que se adequem a este novo diapasão que é a criação de valor para a sociedade, o qual também e sem dúvida, é um novo modelo de capitalismo, que promove a inovação social e o impacto. “Está na altura de ir mais longe e não esquecer que este novo capitalismo de impacto permite alavancar o amor ao próximo”, finalizou.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de Filipe Santos, clique aqui.

“Lucro é lucro”

© Arlindo Homem - Fernando Ulrich
© Arlindo Homem – Fernando Ulrich

Foi sem falsos pudores que o presidente executivo do BPI afirmou que, dadas as características do negócio da banca a que preside – uma instituição cotada, com seis mil trabalhadores, um número alargado de depositantes e “obrigada” às regras da regulação e supervisão – “lucro é lucro e tenho de ter o máximo possível para poder funcionar e ser sustentável”. Fernando Ulrich não deixou por isso de assegurar que o BPI é um bom empregador, com sistemas retributivos justos e superiores à média – por exemplo, o ordenado mínimo pago a quem entra no banco ronda os 990 euros, – sem falar nos apoios de vária ordem de que gozam os seus colaboradores – como por exemplo o crédito bonificado nos empréstimos à habitação.

Afirmando também que, “pelo menos até agora” , nunca fez despedimentos colectivos, optando antes por reformas antecipadas que podem custar, em média “até 190 mil euros por pessoa”, Ulrich confessa que apesar de este ser o “método mais caro para reduzir pessoas” é também o que lhe parece “mais justo” e também “porque o podemos fazer”, na medida em que o mesmo é apoiado pelos accionistas. Todavia, o presidente do BPI mostrou-se preocupado com a garantia de condições, em termos quantitativos e dado o desafio de sustentabilidade, para o banco continuar a ter esta política justa para com os seus trabalhadores, mas também para o apoio social e cultural que o banco disponibiliza, na ordem dos 4,5 milhões de euros anuais, do qual, sublinhou “não foi retirado, nos tempos de crise, nem um cêntimo, antes pelo contrário, até criámos programas novos”.

Fernando Ulrich afirmou também não ter qualquer tipo de inquietação sobre o banco a que preside, visto as “pessoas serem todas muito bem tratadas”, fazendo do BPI “um bom cristão”. Inquietante é, para Ulrich, a questão do emprego, ou melhor, do desemprego, nomeadamente no que respeita à exclusão social e à desvalorização do desempregado no mercado laboral. “O que me dói é termos a capacidade de absorvermos pessoas e não o podermos fazer”, confessa. Defendendo com veemência a criação de políticas activas de emprego, concordando com o apoio do Estado para as mesmas, choca-o, sim, “que o emprego não seja assumido como prioridade”.

Já no que respeita aos contributos para um mundo melhor – ou para praticar o “amor ao próximo”, o banqueiro afirmou que, a nível individual, essa é uma questão do foro privado, “entre a pessoa e Deus”, referindo-se aos que contribuem publicamente com algo para a sociedade e são acusados de exibicionismo e, a nível empresarial [e para além dos programas “normais” de responsabilidade social corporativa], Ulrich defende que, quem “tem poder e influência” deve ajudar “dando tempo”. “Mais difícil que arranjar dinheiro, é conseguir a mobilização de se fazer qualquer coisa verdadeiramente útil e dedicar o seu tempo à mesma”, rematou.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de Fernando Ulrich, clique aqui.

Que lucro e que remuneração são “adequados”?

© Arlindo Homem - Sofia Salgado
© Arlindo Homem – Sofia Salgado

Enquanto directora da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto, Sofia Salgado preocupa-se com os profissionais de hoje e os gestores de amanhã. E foi com várias questões, pertinentes, apesar de não directamente relacionadas com a temática em debate, que Sofia Salgado ofereceu uma visão da enorme responsabilidade inerente aos que formam os jovens no presente ou os líderes do futuro. Defensora do princípio do “desenvolvimento integral do individuo” – a chamada formação holística, em conjunto com a preocupação da sustentabilidade das organizações e da economia, a qual “se verte no desenvolvimento não só de competências, mas nos dons e talentos de cada um”, a professora da Católica do Porto mostrou-se defensora acérrima da união de várias metodologias – na formação que a faculdade oferece, em conjunto com a partilha de competências técnicas e transversais.

Adicionalmente, Sofia Salgado orgulha-se de, na instituição que dirige, cada aluno ter direito a um acompanhamento individual, na medida em cada pessoa tem o seu próprio perfil, o que deu origem ao desenvolvimento de uma equipa interna de psicólogos responsável por esse mesmo acompanhamento. Medir a empregabilidade dos alunos foi também uns dos projectos referidos na sua apresentação, em conjunto com o “seguimento” de alunos “que não tiveram sorte e não arranjaram emprego” ou dos que, por razões de ordem variada, desistiram do curso. “Os que nos são confiados devem ser desenvolvidos e multiplicados”, assegura.

Todavia, o grande orgulho confessado por Sofia Salgado – e que vai ao encontro da questão que coloca sobre a “adequação da questão do lucro e das remunerações” – prende-se com o MBA Atlântico, cuja missão é formar gestores e quadros vocacionados para a internacionalização através do espaço da língua portuguesa, e com um carácter “tri-geográfico”, que passa pelo Porto, Luanda e S.Paulo. Afirmando que o mesmo surgiu a partir da “necessidade de se reinventar algo que fosse diferente”, este MBA, ministrado, ao contrário da tendência crescente nos demais, em língua portuguesa, liga três continentes, África, América Latina e Europa e tem como objectivo a criação de uma rede de líderes empresariais que escolhem o mundo da língua portuguesa como veículo de formação e concorrência à escala global.

Referindo a “necessidade da competitividade” expressa pelo ministro da Economia na sessão de abertura deste 6º Congresso, Sofia Salgado – e relacionando esta urgência com o “programa contracorrente” que criou através do MBA Atlântico, a directora da Faculdade de Gestão da Católica do Porto, deixou em suspenso as seguintes questões: na denominada “formação para a competição”, qual é a modalidade em que queremos competir? E em que campeonato? O que significa estar num campeonato que não é o mais mediático? E que lucro e remunerações são adequados?

Perguntas que ficaram sem resposta, mas que obrigam a pensar. Afinal, nem todos os líderes têm de subir o pódio dos grandes lucros e remunerações para terem impacto nas comunidades em que estão inseridos.

Nota: Para ouvir a intervenção na íntegra de Sofia Salgado, clique aqui.

Valores, Ética e Responsabilidade