“A automação é como o Voldemort: uma força terrível que ninguém está disposto a nomear”. Esta é apenas uma das afirmações de um dos 1900 especialistas que participaram num inquérito da Pew Research sobre uma velha questão que se vai repetindo na história da Humanidade. Será que a próxima onda de inovação tecnológica irá criar ou destruir mais empregos? Optimistas e pessimistas têm a palavra
POR HELENA OLIVEIRA

Ao longo das últimas décadas, foram muitos os economistas e especialistas de outras áreas de investigação que tentaram quantificar e prever o impacto da tecnologia, não só no ambiente laboral da actualidade, como no do futuro. Esta mesma temática tem vindo a ser explorada pelo Pew Research Center, o famoso think tank norte-americano, que resolveu comemorar os 25 anos da “criação” da World Wide Web por Sir Tim Berners-Lee, devotando vários estudos e inquéritos relacionados com a web no geral, e com as tecnologias emergentes, no particular.A vasta maioria dos 1900 especialistas contactados para fazerem parte deste gigantesco estudo antecipa que a robótica e a inteligência artificial (IA) irão permear amplos segmentos da vida quotidiana em 2025, com significativas implicações num número variado de indústrias, de que são exemplo os cuidados de saúde, os transportes e a logística, o serviço ao cliente, entre outros. Todavia e apesar de as suas previsões convergirem em termos da própria evolução tecnológica, o mesmo não acontece no que respeita aos avanços da robótica e IA, mostrando-se extremamente divididos face ao impacto que estes terão em termos económicos e laborais ao longo da próxima década.

Se uns garantem estar convencidos que a progressão tecnológica só trará bem à humanidade em geral, e à criação de novos empregos, em particular, outros tantos pintam um retrato muito mais negro do futuro próximo, assegurando que a próxima onda de inovação será responsável pela extinção de muitos postos de trabalho, acrescentando ainda que o sistema educativo, bem como as instituições políticas e económicas, não estão preparadas para acompanhar os avanços céleres da tecnologia.

Partindo da premissa geral sobre o impacto económico da robótica e da IA, o qual se traduz já em carros que “guiam” sozinhos, em “agentes digitais inteligentes” que fazem um considerável número de tarefas outrora confinadas apenas aos humanos e com a emergência célere de robots diversificados, a questão colocada aos especialistas foi: será que estas aplicações munidas de inteligência artificial e estes dispositivos robóticos terão eliminado mais postos de trabalho do que aqueles que serão criados em 2025?

Cerca de 48% dos inquiridos vislumbram um futuro no qual os robots e os agentes digitais irão, realmente, “roubar” o trabalho de operários e administrativos (blue e white-collar workers, na terminologia em inglês), ao mesmo tempo que expressam uma enorme preocupação relativamente às consequências que esta usurpação de postos de trabalho poderá despoletar, nomeadamente o aumento, ainda mais pronunciado, das desigualdades de rendimento, o surgimento de multidões de pessoas que ficarão “inúteis no mercado de trabalho” e, consequentemente, as perturbações gravosas em termos de ordem social que decerto ocorrerão.

Por seu turno, a outra metade (52%) que respondeu à mesma questão espera que a tecnologia não seja responsável por destruir mais postos de trabalho do que aqueles que conseguir criar em 2025. Para os respondentes mais optimistas, e apesar de anteciparem que muitos empregos actualmente ocupados pelos humanos passarão, realmente, para “as mãos” dos robots ou agentes digitais, os seres humanos terão – como já aconteceu em outras épocas da História – a capacidade de criar novos postos de trabalho, novas indústrias e novas formas de vida tal como aconteceu, por exemplo, com a Revolução Industrial.

Por outro lado, ambos os grupos partilham também tanto esperanças como preocupações relativamente ao impacto da tecnologia no emprego. Por exemplo, muitos manifestaram preocupações relativamente às actuais estruturas sociais – em especial no que respeita às instituições de ensino -, afirmando que estas não estão a preparar, adequadamente, as pessoas para as competências que serão necessárias no mercado laboral do futuro. De forma inversa, outros inquiridos têm a esperança de que as mudanças vindouras se transformem numa oportunidade para reavaliar a relação da própria sociedade com o emprego – através de um regresso a modos de produção de pequena escala ou artesanais, por exemplo, e conferindo às pessoas mais tempo para despenderem em actividades de lazer, em formas de enriquecimento pessoal ou simplesmente para estarem com aqueles que amam.

Ao longo deste gigantesco inquérito, foram várias as “declinações” temáticas que acabaram por surgir, sendo algumas exclusivas a cada um dos dois grupos e outras comuns a ambos. O VER seleccionou alguns dos argumentos, positivos e negativos, mais vincadamente expostos.

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OS OPTIMISTAS
Historicamente, a tecnologia criou mais empregos do que aqueles que destruiu
Para o vice-presidente e “Chief Internet Evangelist” da Google, Vinton Cerf, um dos “pais” da Internet, não existem quaisquer razões para acreditar que será agora que a tecnologia irá destruir mais empregos, na medida em que “será sempre preciso alguém para produzir e operar estes dispositivos tecnologicamente avançados”. Da mesma opinião é Jonathan Grudin, investigador principal da Microsoft, que afirma que a tecnologia “será sempre disruptiva no que respeita a alguns tipos de trabalho”, mas que o mais provável é que “mais empregos venham a surgir. “Quando a população mundial não excedia as centenas de milhar de pessoas, existiam centenas de milhar de postos de trabalho e o mesmo aconteceu quando a mesma chegou aos milhares de milhão. O desemprego sempre existiu, mas nunca existirá uma escassez de ‘coisas para fazer’”, assegura.

[pull_quote_center]No geral, todas as ondas de automação e computorização aumentaram a produtividade sem diminuírem o emprego[/pull_quote_center]

Michale Kende, economista de uma importante organização não lucrativa, escreveu que “no geral, todas as ondas de automação e computorização aumentaram a produtividade sem diminuírem o emprego”, e acredita que esta nova onda de evolução tecnológica irá igualmente “aumentar a nossa produtividade pessoal e profissional (por exemplo, o carro que guia sozinho), sem suprimir um posto de trabalho (o de motorista)”. Argumento similar apresenta Fred Baker, responsável da Internet Engineering Task Force (IETF) e Fellow da Cisco Systems, o qual afirma que apesar de os robots irem destruir alguns empregos manuais, o impacto não deverá ser diferente do que aquele que teve lugar com a automatização das fábricas. Por outro lado, acrescenta, “alguém terá de codificar e construir essas novas ferramentas tecnológicas, o que irá criar uma nova onda de inovação e postos de trabalho”.

Os avanços na tecnologia criam sempre novos postos de trabalho e indústrias, mesmo que extingam outros
Para Bem Schneiderman, professor de ciências computacionais na Universidade de Maryland, “os robots e a IA são excelentes para a criação de histórias por parte dos jornalistas, mas estas conferem uma visão falsa das verdadeiras mudanças económicas. Os jornalistas estão a perder os seus empregos devido às mudanças (e quebras) na publicidade, os professores estão a ser ameaçados pelos MOOCs [Massive Open Online Courses] e os lojistas estão a perder os seus postos de trabalho porque as vendas via Internet não param de aumentar”, afirma.

[pull_quote_center]Alguém terá de codificar e construir essas novas ferramentas tecnológicas, o que irá criar uma nova onda de inovação e postos de trabalho[/pull_quote_center]

Marjory Blumenthal, analista de políticas cientificas e tecnológicas, concorda que, em determinados contextos, dispositivos automatizados e inteligentes como os robots poderão suprimir mais do que criar empregos, mas darão igualmente origem a novas categorias de trabalho e, muito provavelmente, a uma maior colaboração entre robot e humano, o que criará igualmente novas oportunidades. Para Pamela Rutledge, directora do Media Psychology Research Center, “existirão sempre muitas coisas que as máquinas não conseguirão fazer, como serviços que exijam pensamento, criatividade, resolução de problemas e inovação”. Adicionalmente, refere, os avanços na AI e na robótica permitem a “extinção cognitiva”de tarefas repetitivas, o que libertará as pessoas para investirem a sua atenção e energia em matérias onde só os humanos conseguem fazer a diferença.

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OS PESSIMISTAS
A substituição dos humanos por máquinas já está a acontecer e vai piorar
Para Jerry Michalsky, fundador da Relationship Economy eXpedition (REX), “a corrida entre a automação e o trabalho humano vai ser ganha pela primeira”. Em tom quase tenebroso – comparando a automação à personagem Voldemort, dos livros de Harry Potter, na medida em que ninguém parece disposto a reflecti r sobre os verdadeiros perigos que a mesma encerra, Michalsky elenca algumas “zonas seguras” de emprego, dividindo-as em serviços que exigem esforços humanos locais – como a jardinagem, as pinturas ou o babysitting -, os que requerem esforços humanos distantes – trabalhos de edição, coaching/formação e coordenação -, e os que demandam pensamento e construção de relacionamentos de alto nível. “Tudo o resto arrisca-se a cair no ambiente fértil da automação”, profetiza.

O mesmo afirma Robert Cannon, especialista em direito da Internet: “tudo o que puder ser automatizado, será automatizado”. Cannon afirma também que os empregos de baixas qualificações e que não necessitem de contributo humano “especializado” serão substituídos pela automação logo que as condições económicas forem favoráveis, recordando, por exemplo, que o super-computador Watson, da IBM, está já a substituir investigadores em várias áreas simplesmente porque consegue “ler” qualquer relatório que já tenha sido escrito.

[pull_quote_center]Tudo o que puder ser automatizado, será automatizado[/pull_quote_center]

Na visão de Tom Standage, editor online do The Economist, a questão mais preocupante reside no facto de a próxima onda de tecnologia vir a ter, muito provavelmente, um impacto muito maior do que as que a precederam: “As revoluções tecnológicas anteriores aconteceram de uma forma muito mais lenta, conferindo muito mais tempo para as pessoas se ‘converterem’ e se adaptarem”, argumenta. “Os robots e a IA ameaçam, crescentemente, a obsolescência até de trabalhos qualificados, como por exemplo o dos funcionários judiciais”, diz, acrescentando ainda que a desigualdade de rendimentos irá aumentar significativamente entre os trabalhadores cujas competências não poderão ser automatizadas e os demais.

Uma posição similar é defendida por Mark Nall, gestor de programas da NASA, o qual argumenta que “ao contrário de disrupções anteriores, como a que substituiu o trabalho braçal na agricultura por máquinas e ferramentas, mas que deu origem a empregos fabris para a produção dessas mesmas ferramentas, a robótica e AI são completamente diferentes. Dada a sua versatilidade e capacidades crescentes, não serão apenas alguns dos sectores económicos a serem afectados, mas a sua grande maioria”. O que terá como consequência social uma crescente escassez de empregos bem pagos, acrescenta ainda.

As consequências da desigualdade de rendimento serão profundas
“Os robots e a IA irão, de forma crescente, substituir os tipos de trabalho rotineiros – mesmo aqueles em que as rotinas são mais complexas como acontece com os artesãos, trabalhadores fabris, advogados e contabilistas”, afirma Justin Reich, Fellow do Berkman Center for Internet & Society da Universidade de Harvard. “Irá existir um mercado laboral no sector dos serviços que tenha como base tarefas não rotineiras, mas que podem ser feitas por qualquer pessoa – e com baixas remunerações – e existirão também algumas novas oportunidades criadas para trabalhos complexos. Todavia, os ganhos no topo deste mercado laboral não compensarão, de todo, as perdas que irão surgir nos postos de trabalho ‘intermédios’ e os que figurarão na base da pirâmide deste horror”, alerta, afirmando ainda que embora não tenha a certeza de que todos os trabalhos possam vir a desaparecer – apesar de colocar esta possibilidade – , assegura que os postos de trabalho que sobreviverem serão pobremente remunerados e muito mais instáveis do que aqueles que existem actualmente. “O que consideramos como trabalhos intermédios serão, irremediavelmente, empurrados para ‘baixo’”, augura.

[pull_quote_center]A desigualdade de rendimentos irá aumentar significativamente entre os trabalhadores cujas competências não poderão ser automatizadas e os demais[/pull_quote_center]

Alex Howard, autor e editor freelancer, afirma estar seguro que a automação e a IA irão ter um impacto substancial nos trabalhadores administrativos, particularmente em funções de back-office em clínicas, firmas de advocacia, como por exemplo o secretariado dos médicos, a transcrição das audiências ou nos técnicos paralegais. Howard alerta assim para a necessidade urgente de os governos colaborarem de forma eficaz com as empresas de tecnologia e com as instituições académicas de forma a fornecerem uma formação massificada ao longo da próxima década, a qual previna uma disrupção social massiva que, indubitavelmente, decorrerá destas mudanças”.

O mais assustador nas previsões contidas neste relatório reside no facto de não estarmos a falar de um futuro longínquo, mas de apenas uma década. Afinal, 2025 está quase aí.

Editora Executiva