As alterações climáticas não são uma invenção de cientistas nem uma história na qual podemos ou não acreditar. São reais, estão à vista de todos e, se nada for feito imediatamente, as suas consequências serão ainda mais avassaladoras. De acordo com um relatório recentemente apresentado pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, temos apenas 12 anos para evitar que o aquecimento global ultrapasse 1,5°Celsius. Em risco estão centenas de milhares de vidas. Está a vida na Terra
POR MÁRIA POMBO

Temos apenas 12 anos para evitar uma catástrofe. Parece mentira, mas esta é a principal conclusão do Global Warming of 1.5°C, um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado recentemente na Coreia do Sul. O documento foi realizado por 91 cientistas de 40 países, os quais analisaram seis mil estudos científicos. Solicitado pela ONU, o documento revela que é necessário tomar medidas urgentes, a nível mundial e em todos os sectores de actividade, para que o aquecimento global não ultrapasse 1,5°Celsius.

E, embora este seja o ponto mais ambicioso do Acordo de Paris, os autores do relatório consideram que alcançá-lo é uma tarefa possível e viável em termos financeiros, mas que podem existir diversos entraves de ordem política. Porém, uma coisa é certa: é necessário proceder a uma mudança imediata em termos tecnológicos e também comportamentais, sendo urgente fazer o “shift” entre a utilização de recursos poluentes e a utilização de aparelhos eléctricos e mais eficientes.

Até ao final do século prevê-se um aumento significativo das taxas sobre a emissão de carbono, estimando-se que, em 2030, o preço esteja entre os 135 dólares e os 5500 dólares por cada tonelada de poluição. E estes valores são consideravelmente baixos se os compararmos com os danos que a poluição provocada pelo carbono poderá causar: se nada for feito e as temperaturas continuarem a aumentar, estimam-se prejuízos na ordem dos 54 triliões de dólares.

A este respeito, uma análise recente feita pela New Climate Economy revela que promover a acção climática pode ter, em 2030, benefícios na ordem dos 26 triliões de dólares e pode originar a criação de mais de 65 milhões de postos de trabalho. Complementarmente, o documento salienta que esta acção pode evitar mais de 700 mil mortes de bebés prematuros, causadas pela poluição do ar.

Um dos principais motivos que originam uma acção rápida está relacionado com o perigo e com as consequências de ultrapassar esta temperatura em meio grau que seja. Se o aquecimento global for meio grau superior a 1,5°C (ou seja, se for de 2°C) até 2030, isso pode significar um aumento substancial de secas, cheias e calor extremo, levando ainda centenas de milhares de pessoas a ficarem em situação de pobreza.

Por outras palavras, o documento alerta para a ideia de que limitar o aquecimento global a 1,5°C não irá salvar todas as pessoas nem todas as espécies, tendo em conta o impacto que este aumento de temperatura tem na saúde e nos oceanos. Porém, revela que os riscos que lhe estão associados são consideravelmente mais baixos do que aqueles que se verificam se as temperaturas aumentarem em 2°C.


Com meio grau apenas se evita uma catástrofe?

Com 1,5°C, a proporção de população exposta a escassez de água será 50% mais baixa do que com 2°C. Isto significa que poderão ser evitadas muitas mortes causadas por falta de água, e que mais pessoas terão acesso a comida e poderão usufruir da agricultura, principalmente nos países em desenvolvimento.

Todavia, e apesar de todos os perigos para a vida humana, o documento explica que as principais consequências do aquecimento global irão sentir-se na natureza. Com um aquecimento de 2°C, várias espécies de insectos (que são fundamentais para a polinização das sementes) e diversas plantas irão perder uma grande parte do seu habitat e poderão extinguir-se, e cerca de 99% dos corais irão morrer.

E se é verdade que os oceanos já estão a sofrer com o aumento da acidez e com os baixos níveis de oxigénio resultantes das alterações climáticas, o aumento do nível das águas do mar irá afectar, em 2100, mais 10 milhões de pessoas que vivem em zonas ribeirinhas. Os Estados Unidos, o Bangladesh, a China, o Egipto, a Índia, a Indonésia, o Japão e as Filipinas albergam certa de 50 milhões de pessoas que vivem junto ao mar e podem ser as nações mais afectadas pelo aumento do nível das águas do mar.

Para que não se ultrapasse a meta de 1,5°C, os autores do documento revelam que é necessário alterar a forma como utilizamos os recursos, fazendo o melhor proveito da tecnologia. Neste sentido, a primeira medida deverá ser a reflorestação da natureza e o investimento em tecnologias de baixo carbono e mais eficientes, sendo fundamental que os cidadãos passem a utilizar veículos eléctricos. A poluição provocada pelo uso de CO2 deverá ser reduzida em 45% até 2030 e deverá ser totalmente erradicada até 2050.

[quote_center]Existem conhecimentos científicos, meios financeiros e capacidade tecnológica. Falta apenas a vontade política para levar a cabo as acções necessárias à estabilização das temperaturas[/quote_center]

Para além da reflorestação da natureza, que deverá ser feita pelos líderes governamentais, as populações devem ter um papel activo no que respeita à produção de alimentos (que terá de ser mais eficiente), devendo também fazer alterações na alimentação, de modo a reduzir o desperdício e as emissões de CO2. Complementarmente, e se a utilização de dióxido de carbono é uma preocupação de longo prazo, o documento explica que todos os poluentes – como o metano e os hidrofluorocarbonetos – devem ser eliminados o mais depressa possível, sendo esta uma medida que terá inúmeros benefícios, a curto prazo, melhorando substancialmente a qualidade do ar.

Em jeito de alerta, o relatório sublinha que sem uma transformação na sociedade e sem uma rápida implementação de medidas e estratégias ambiciosas que originem um corte nas emissões de gases poluentes, limitar o sobreaquecimento global será uma tarefa extremamente difícil ou até impossível. Mesmo com o contributo dos países e com o seu compromisso de reduzir significativamente as emissões de CO2 até 2030, não existem garantias de sucesso. E é por este motivo que todas as nações e todos os cidadãos, a nível mundial, devem unir esforços e dar, o quanto antes, o seu contributo ao planeta.

A dar o exemplo estão países como a China, Inglaterra, a Noruega e a Alemanha, os quais estão a tomar medidas para diminuir o consumo de CO2 e para diminuir a exploração de óleo no Ártico e a desflorestação da natureza. Entre aqueles que são um exemplo a não seguir, após a sua retirada do Acordo de Paris, estão os Estados Unidos (que pretendem inclusivamente aumentar a produção de carvão). Outro caso preocupante é o do Brasil, tendo em conta que uma das medidas anunciadas por Bolsonaro, caso ganhe as próximas eleições, será seguir o exemplo de Trump e retirar o país do Acordo de Paris.

Se nada for feito, em 2030 o mundo irá assistir a um desastroso aquecimento global que poderá ser na ordem dos 3ºC (o dobro do limite máximo aceitável). Porém, os autores do relatório insistem que existem mudanças que podem mudar o rumo desta história. Existem conhecimentos científicos, meios financeiros e capacidade tecnológica, faltando apenas a vontade política para levar a cabo as acções necessárias à estabilização das temperaturas. O investimento pode ser grande, mas os benefícios – económicos e não só – são ainda maiores.


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Entre críticas e palavras de optimismo, as reacções não se fizeram esperar

Após a apresentação do relatório, várias foram as personalidades que se manifestaram. Na China, Jiang Kejun, investigador no China’s semi-governmental Energy Research Institute e um dos autores do relatório, explica que “tudo isto tem mais a ver com tecnologia do que com política” e revela-se “confiante de que é possível alcançar a meta de 1,5°C”.

Também referindo-se ao poder político, Myron Ebell, director de Política Ambiental Internacional do Competitive Enterprise Institute dos Estados Unidos, afirma que “os impostos sobre o carvão são veneno político porque aumentam os preços do gás e as tarifas da energia eléctrica”.

Mais preocupado revela estar Bill Hare, co-autor de estudos mais antigos realizados pelo IPCC, referindo que “é um choque e uma preocupação” e que “não tínhamos consciência disto há uns anos”.

Para Drew Shindell, cientista na Duke University, existe a certeza de que “a única forma de mitigar as alterações climáticas é pôr um ponto final na produção de carvão”. Em jeito de crítica aos governos, o também autor do presente relatório afirma que, para estes “a ideia de alcançar a meta e depois voltar atrás é bastante atractiva porque permite que não tenham que fazer alterações tão rápidas”, sublinhando que “essa acção traz inúmeras desvantagens” ao planeta.

Tendo em conta que a Índia pode ser um dos países mais afectados pelo aquecimento global, mas tendo consciência de que esta é uma acção que deverá ser conjunta, Aromar Revi, director do Indian Institute for Human Settlements, prevê que possa ser necessária “uma evacuação rápida e desmesurada”, explicando que “é possível erguer um muro para ajudar dez ou 20 mil pessoas, mas não dez milhões” e alertando para o facto de que “em algumas partes do mundo, as fronteiras deixarão de ter importância” já que o importante será salvar vidas.

Por cá, Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas,revelou à imprensa que evitar o sobreaquecimento global “é possível de acordo com as leis da Física e da Química”, mas que também se trata de “um desafio muito grande que necessita do envolvimento de todos e de uma mobilização social”.

Por seu turno, a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável defende que “manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C significa uma diminuição das pessoas expostas a ondas de calor, chuvas fortes, secas, tempestades e inundações”.


Jornalista