Um estudo da SystemicSphere para a ACEGE que avalia o Prazo Médio de Pagamento das 100 maiores empresas portuguesas revela que a larga maioria (73) cumpre a lei relativa a esta matéria, a qual estipula um limite de 60 dias para o pagamento das facturas. O documento recomenda maior cooperação entre as empresas e injecção de dinheiro na economia, de modo a que estas consigam pagar a tempo e horas aos seus fornecedores, “contribuindo assim para o aumento do poder de compra e, consequentemente, para o aumento do PIB”
POR GABRIELA COSTA

Em Portugal, a maioria das empresas cumprem a lei relativa aos prazos de pagamento a fornecedores, demorando em média menos de 60 dias a efectivá-los. Segundo um estudo encomendado pela ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores e concluído no final de Novembro, que avalia o Prazo Médio de Pagamento (PMP) das 100 maiores empresas não financeiras no País, em 2013, cerca de 73% das mesmas pagaram em prazos iguais ou inferiores a 60 dias, e apenas 8% demoraram, em média, mais de 100 dias a pagar (12% pagaram a 61-70 dias e 7% demoraram entre 80 e 100 dias).

Para além de identificar as boas (e más) práticas das 100 maiores empresas em Portugal, o documento disponibiliza informação sobre sectores de actividade como Retalho, Construção, Saúde, Farmacêuticas, Produtos Alimentares, Utilities, e Petróleos, entre outros, a partir de uma análise a cerca das 200 maiores empresas.

[pull_quote_left]73 das 100 maiores empresas pagam em prazos abaixo de 60 dias, e apenas 8 demoram mais de 100 a pagar[/pull_quote_left]

O estudo “O Prazo Médio de Pagamento a Fornecedores em 2013 no Universo das 200 Maiores Empresas não financeiras”, elaborado pela Systemicsphere, partiu dos números disponíveis nos Balanços e nas Demonstrações de Resultados a 31 de Dezembro de 2013, apresentados pelas 100 maiores empresas não financeiras em Portugal. A metodologia aplicada segue a fórmula de multiplicar por 360 o resultado da divisão do valor da conta de fornecedores pela soma de três outras variáveis: o Custo de Mercadorias Vendidas e de Matérias Consumidas, os Fornecimentos e Serviços Externos e o IVA. Como sublinha o próprio documento, embora esta fórmula seja aceite de forma generalizada para o cálculo do PMP, “esta análise pode ter limitações”, já que “o facto de uma empresa ter um PMP para 2013 de menos de 60 dias não significa, necessariamente, que nunca pagou a mais de 60 dias a algum fornecedor”.

A representatividade da amostra é significativa, considerando que, no ano passado, o volume de vendas das 100 maiores empresas em Portugal representou quase 47% do Produto Interno Bruto (PIB) – tendo como referência os cálculos da Pordata, que avaliam em mais de 171 mil milhões de euros o valor do PIB nacional em 2013. Um valor que indicia o “elevado impacto na economia portuguesa” que estas empresas provocam, já que “são responsáveis por quase metade da actividade económica que ocorre” no País. Em percentagem do PIB, o peso total do volume de vendas das 100 maiores reparte-se em 37,52%, para as empresas que pagam a 60 dias, e em 9,3%, para as que pagam a mais de 60 dias.

Quanto às 14 empresas não financeiras cotadas em Bolsa no PSI 20 e incluídas nesta amostra, confirma-se boas práticas de pagamento em nove delas, ou seja, 64% das empresas não financeiras do PSI20 cumprem com o Decreto-Lei nº 62/2013, pagando a menos de 60 dias aos seus fornecedores.

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A cruzada da ACEGE por um “círculo virtuoso”

O atraso nos pagamentos entre empresas “constitui um dos factores estruturais que afecta as PME em Portugal e em toda a Europa”, alerta o estudo da ACEGE. A Comissão Europeia, que desenvolve esforços na luta pelo cumprimento dos prazos desde 2006, reconheceu já que 25% das falências nas PME europeias se devem a atrasos e facturas incobráveis.

Recordando que “o problema atinge uma escala superior em Portugal” – uma vez que a liquidação a fornecedores entre o sector privado demorou, em média, cerca de 83 dias (contra os 47 dias da média europeia), e que o Estado português pagou, em média, a 129 dias, bastante acima dos 58 dias de média a nível europeu, de acordo com o European Payment Index Report -, a Associação tem por objectivo, com esta análise, identificar as práticas das grandes empresas em Portugal face ao cumprimento do Decreto-Lei nº 62/2013.

Resultado da transposição, a 1 de Julho de 2013, da Directiva 2011/7/EU, que harmoniza os prazos limite de pagamento nas transacções comerciais, este Decreto dita a obrigatoriedade de as empresas privadas pagarem aos seus fornecedores até 60 dias, e o Estado entre 30 a 60 dias. Ora, defende o estudo que esta obrigatoriedade poderá traduzir-se numa melhoria da competitividade das PME. Para a ACEGE, a cruzada por uma inversão de ciclo (do vicioso para o virtuoso) já não é nova, pois a Associação vem desenvolvendo esforços para promover uma cultura de pagamentos atempados desde 2011.

[pull_quote_right]O atraso nos pagamentos entre empresas constitui um dos factores estruturais que afecta as PME em toda a Europa, particularmente em Portugal[/pull_quote_right]

Assinalando um ano passado sobre a assinatura, por várias empresas e organizações, de um Compromisso para realizarem todos os esforços no sentido de cumprirem atempadamente as suas obrigações perante os fornecedores, “faz todo o sentido” para a ACEGE fazer agora “uma análise objectiva do efectivo cumprimento do Decreto-Lei nº 62/2013”, com base nas contas anuais (IES – Informação Empresarial Simplificada) das 100 maiores empresas não financeiras existentes em Portugal, justifica.

Na verdade, e como sublinha o presidente da Associação Cristã, António Pinto Leite, “continua a haver ainda em Portugal muitas falências de pequenas e médias empresas, porque as empresas não pagam o que devem entre si, exportando o problema de umas para as outras”. Face a esta realidade, “quanto mais cooperação houver entre as empresas, nomeadamente ao nível dos pagamentos, e quanto mais cedo se pagar aos fornecedores, mais cedo se injecta dinheiro na economia, e mais cedo as empresas poderão pagar aos seus colaboradores e fornecedores, contribuindo assim para o aumento do poder de compra e, consequentemente, para um aumento do Produto Interno”, aponta o documento.

Um terço paga a menos de 30 dias
Entre as 73 empresas da amostra que cumprem com o Decreto-Lei nº 62/2013, ou seja, que pagam aos seus fornecedores em menos de 60 dias, destaca-se um grupo de 35 organizações que pagam em menos 29 dias. No topo da lista, com o melhor desempenho, classifica-se a Samsung, com um prazo médio de pagamento, de nove dias. Seguem-se, nas 2ª e 3ª posições, a Endesa (10 dias, em média) e a Propel (11 dias, em média). Entre as cumpridoras, encontram-se ainda 26 empresas que efectuam os seus pagamentos num período médio de 30 a 49 dias; e 12 que pagam de 50 a 60 dias.

Por oposição, entre as empresas que não cumprem (com atrasos variáveis entre os 65 e os 200 dias), encontram-se 12 que demoram até 80 dias, sete que se atrasam até aos 99, e oito que tardam muito a pagar, atingindo atrasos de entre 104 a 200 dias.

Tendo por base as 100 maiores empresas não financeiras em Portugal, o estudo faz a análise sectorial de três grupos de empresas que ultrapassam o prazo previsto por lei: as que demoram mais de quatro meses a pagar, prioritariamente dos sectores da construção, saúde e comercio a retalho; as que demoram entre 3 a 4 meses (comércio de veículos automóveis; engenharia; telecomunicações; indústria de cortiça); e as que pagam entre 2 a 3 meses (comércio grossista, transportes marítimos de mercadorias, industria de papel; comércio a retalho em hipermercados e supermercados, telecomunicações, fabricação de componentes e acessórios para automóveis, fabricação de vidro de embalagem, fabricação de cimento, construção, comércio por grosso de produtos farmacêuticos, comércio a retalho em supermercados e hipermercados e comércio grossista).

De sublinhar que, a 31 de Dezembro de 2013, a dívida por parte das empresas que pagam a mais de 60 dias ascendia a 4 mil milhões de euros. Pode-se portanto “induzir que 27% das grandes empresas poderiam contribuir com uma injecção na economia de 4 mil milhões de euros, se pagassem aos seus fornecedores até 60 dias”.

Na mesma perspectiva, a análise dos dados contabilísticos de 2013 permite concluir que se a 31 de Dezembro do ano passado todas empresas analisadas (200) tivessem pago a 60 dias, “teria existido uma injecção de liquidez de 5,9 mil milhões de euros, o que poderia induzir um crescimento” económico significativo.

A maior indução de crescimento poderia ter vindo de 27 das 100 maiores empresas, uma vez que só elas deviam 4 mil milhões de euros a fornecedores a 31 de Dezembro de 2014, “valores estes, muito provavelmente em dívida a mais de 60 dias”, explicita ainda o documento.

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Pagamentos a 60 dias fariam crescer o PIB em 3,5%

Analisada a informação financeira das 200 maiores empresas em Portugal, constata-se que o seu volume de vendas (94 mil milhões de euros) representa 55,1% do PIB. O documento adianta ainda que o volume de euros em dívida aos fornecedores a 31 de Dezembro de 2013 por parte destas 200 empresas ascendia aos 12,5 mil milhões de euros, sendo que 2,6 mil milhões de euros se devem às empresas da posição 101 à 200 no ranking das vendas.

De referir ainda que, entre as 200 maiores, as que pagam a 60 dias têm um volume de vendas que representa 41,87% do PIB, e um volume de dívidas a fornecedores (6,6 mil milhões de euros) que representa 3,86% do PIB.

[pull_quote_left]A cruzada por uma inversão de ciclo (do vicioso para o virtuoso) já não é nova para a ACEGE[/pull_quote_left]

Alargada a amostra às 200 maiores empresas não financeiras em Portugal, o que reforça a sua relevância ao nível da actividade económica nacional, a boa notícia mantém-se: menos de um ano e meio passados sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 62/2013, a maioria das empresas em Portugal está a melhorar os seus prazos de pagamento a fornecedores, conseguindo pagar, em média, a 60 dias.

Em destaque, como exemplos de boas práticas, estão os sectores do retalho, utilities, produção de bens alimentares, comércio de produtos petrolíferos e comércio de produtos farmacêuticos, todos com tempos médio de pagamentos abaixo dos 60 dias.

Recomendando que se continue a desenvolver interacção com algumas das grandes empresas, e que estas reforcem os seus esforços “para que consigam alterar as suas práticas de pagamento e, assim contribuir para o aumento da competitividade de toda a economia”, o estudo promovido pela ACEGE surge no mês em que a Associação lança, mais uma vez, o tema dos pagamentos pontuais como um imperativo da gestão, através de uma campanha de comunicação já difundida em diversos meios online, jornais e rádios.

Afinal, apesar de a larga maioria das organizações cumprir atempadamente com o pagamento aos seus fornecedores, e mais de um terço delas fazê-lo, até, em menos de 30 dias, este estudo evidencia também que as empresas que não pagam no prazo “conseguem sequestrar da economia liquidez equivalente a 3,5% do PIB, sendo como tal inibidoras da criação de novos postos de trabalho”.

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