Existem alguns sinais promissores para a carreira das mulheres no actual ambiente empresarial. Ao longo dos últimos cinco anos, a representação feminina em cargos de topo aumentou e um número crescente de empresas está a reconhecer o valor de terem mais mulheres em cargos de liderança, ao mesmo tempo que se comprova que a diversidade de género está igualmente a ser levada mais a sério no mundo corporativo. Mas – e porque há sempre um “mas” quando o tema é mulheres e liderança – estas continuam sub-representadas em todos os níveis da hierarquia empresarial, a começar logo no “primeiro degrau”
POR HELENA OLIVEIRA

Esta é a primeira – e sem surpresas – conclusão do estudo Women in the Workplace 2019 – publicado pela McKinsey & Company todos os anos (desde 2015), desta vez em parceria com a Lean In, a organização sem fins lucrativos de Sheryl Sandberg, a COO do Facebook, que se dedica a apoiar as mulheres ao longo das suas carreiras.

Na verdade, a grande novidade deste estudo que envolveu 590 empresas que empregam mais de 22 milhões de pessoas, vem contrariar o que há muito define a principal barreira para que as mulheres ascendam ao topo das organizações. Para quem está familiarizado com este tema, é sabido que a expressão mais utilizada no universo da desigualdade entre homens e mulheres nas empresas é o famoso “telhado de vidro”. Pois bem, de acordo com este novo estudo passamos do telhado para o rés-do-chão, ou seja, para o primeiro degrau da escada empresarial que permite ascender ao topo e que, segundo a nomenclatura utilizada pelo estudo, constitui o principal obstáculo para as mulheres lá chegarem: o (primeiro) degrau partido. Ou seja, muito antes de as mulheres se preocuparem em quebrar o vidro que as impede de subir mais alto nas suas ambições, passar do primeiro degrau da escada da gestão assume-se como o primeiro grande obstáculo a ser ultrapassado.

Por cada 100 homens que consegue galgar esse primeiro degrau e assumir a posição de gestor, apenas 72 mulheres são promovidas e/ou contratadas para o mesmo cargo. E, sem surpresas, os homens acabam por deter 62% das posições de chefia versus apenas 38% das mulheres. Assim, é logo no início da carreira – e não mais tarde – que as mulheres ficam atrás dos homens, e é logo desde esta fase “preliminar” que se começa a formar o fosso da desigualdade, o qual tem tendência a alargar-se nos degraus seguintes. Este primeiro degrau é, na verdade, a ponte necessária para se alcançar mais funções de liderança. E, em números reais, este “degrau partido” traduz-se em cerca de um milhão de mulheres a ser deixado para trás no nível de entrada na organização ao longo dos cinco anos seguintes, em contraciclo com o que acontece aos seus pares masculinos que vão subindo mais e mais alto, perpetuando a escassez de elementos do sexo feminino em posições de liderança.

[quote_center]Os homens detêm 62% das posições de chefia versus apenas 38% das mulheres[/quote_center]

Mas foquemo-nos primeiro nas boas notícias. Ao longo dos últimos cinco anos, são positivos os sinais de progresso para as mulheres na América corporativa. Desde 2015, o número de mulheres em posições de liderança sénior cresceu, em particular ao nível dos executivos de topo, onde a sua representação aumentou de 17% para 21%. Na actualidade, 44% das empresas auscultadas têm três ou mais representantes do sexo feminino em cargos de topo face a 29% em 2015. Mas – e sim, outro mas – a sua representação em termos totais continua longe da paridade, pois apenas um em cada cinco executivos de topo é mulher. Se há mais mulheres a ocuparem cargos de liderança sénior, o fenómeno deve-se a dois factores em particular: o primeiro é o de que existem mais mulheres a serem promovidas para o nível de direcção – e superior a este – nos últimos anos e o segundo prende-se com o facto de, ao nível sénior, as mulheres estarem a ser promovidas, em média, a um ritmo mais acelerado do que os homens. Adicionalmente, os homens que são já executivos de topo ou pertencem ao nível de vice-presidentes seniores têm uma maior probabilidade de abandonarem as empresas em que trabalham, o que também deixa mais espaço livre para as mulheres ocuparem os lugares deixados vazios.

De regresso ao “degrau partido” logo no início da carreira, a verdade é que esta desigualdade precoce acaba por ter um impacto de longo prazo na cadeia de talentos. Na medida em que os homens suplantam significativamente as suas pares femininas no nível dos gestores, existem, por seu turno, menos mulheres para contratar ou promover para cargos de liderança sénior. Ou seja, o número de mulheres decresce em cada nível subsequente e mesmo que as taxas de contratação e promoção tenham melhorado nos níveis seniores, as mulheres no seu conjunto nunca conseguem acompanhar a escalada corporativa feita pelos homens. Como já anteriormente especificado, se as mulheres fossem promovidas e contratadas para gestoras de primeiro nível em igual proporção à dos homens, a América corporativa ganharia um milhão a mais de mulheres na gestão ao longo dos próximos cinco anos.

[quote_center]O número de mulheres decresce em cada nível subsequente e mesmo que as taxas de contratação e promoção tenham melhorado nos níveis seniores, as mulheres no seu conjunto nunca conseguem acompanhar a escalada corporativa feita pelos homens[/quote_center]

Apesar do impacto profundo deste degrau partido na trajectória feminina, tanto os líderes de Recursos Humanos como os próprios empregados subestimam a dimensão do problema e os seus efeitos na representação das mulheres nos níveis mais seniores das suas organizações. Mais de metade destes acredita que a sua empresa irá atingir a paridade de género nos próximos 10 anos. E, adicionalmente, a maior parte das pessoas também não percebe inteiramente o problema. Quando questionadas sobre quais os maiores desafios para se alcançar a paridade entre sexos em posições de liderança, o reconhecimento do fosso de promoções no “primeiro degrau” é muito baixo. Os líderes de RH apontam como razões o menor acesso ao “apadrinhamento” dentro da organização ou para a escassez de mulheres qualificadas na cadeia de talento.

Assim, e de acordo com o estudo, para se alcançar a paridade de género, as empresas têm de arranjar forma de consertar este primeiro degrau partido. Para muitas organizações, os esforços relacionados com a diversidade na contratação e promoção estão concentrados nos níveis superiores, o que é comprovado pelos ganhos já mencionados na liderança sénior. Assim, as empresas terão de aplicar o mesmo rigor e nível de esforço na abordagem ao “degrau partido”. Ou seja, se existirem mais mulheres a tornarem-se gestoras, existirão mais mulheres para contratar e promover em cada um dos níveis subsequentes.

Oportunidade(s) e justiça na cultura laboral

Em todos os segmentos demográficos, quando os empregados consideram que têm as mesmas oportunidades para avançar na organização e pensam que o sistema é justo, sentem-se mais felizes com a sua carreira, planeiam ficar mais tempo na empresa e existem maiores probabilidades de a recomendarem como um bom sítio para trabalhar. O estudo analisou um conjunto de factores que influenciam a satisfação dos trabalhadores e a sua retenção – incluindo a responsabilização por parte da liderança e o apoio da gestão – e concluiu que, em conjunto, a oportunidade e a justiça são aqueles que mais se destacam.

Mas se, por um lado, a maioria dos inquiridos acredita que, pessoalmente, possui as mesmas oportunidades para crescer e avançar na carreira, por outro estão muito menos convencidos de que o sistema é justo para todos. Menos de metade dos inquiridos – homens e mulheres – pensa que as melhores oportunidades vão para os empregados mais merecedores e menos de um quarto afirma que apenas os mais qualificados são promovidos a gestores. Em ambas as frentes, as mulheres são as menos optimistas: uma em cada quatro acredita que o facto de ser mulher constitui motivo para se perder um aumento, uma promoção ou a possibilidade de “seguir em frente”.

[quote_center]Apenas um em cada quatro empregados afirma que os gestores os ajudam a gerir a sua carreira, com um em cada três a afirmar que estes se dedicam verdadeiramente a mostrar-lhes as novas oportunidades existentes[/quote_center]

O apoio por parte da gestão, o “apadrinhamento”, a contratação imparcial e as práticas de promoção constituem elementos-chave para a criação de um local de trabalho que gera oportunidade e justiça para todos. Os gestores e os mentores abrem portas que permitem aos trabalhadores avançarem e quando a contratação e as promoções são livres de enviesamento, os empregados mais merecedores podem ascender ao topo, sendo que todos se sentem mais confiantes relativamente à justiça do processo de avanço na carreira.

Os gestores têm um grande impacto na forma como os empregados olham para as suas oportunidades no dia-a-dia. E os empregados são mais propensos a pensar que têm oportunidades iguais para o seu crescimento quando estes os ajudam a gerir a sua carreira, exibem o seu trabalho e partilham as novas oportunidades existentes numa base regular. Apesar de a maioria dos gestores oferecer este tipo de apoio à carreira, de acordo com o estudo não o faz com a consistência necessária. Apenas um em cada quatro empregados afirma que os gestores os ajudam a gerir a sua carreira, com um em cada três a afirmar que estes se dedicam verdadeiramente a mostrar-lhes as novas oportunidades existentes. Nestes casos, as empresas podem ajudar assegurando-se que os gestores têm as ferramentas e a formação necessária para que estes apoiem verdadeiramente os seus colaboradores, sendo recompensados quando o fazem.

Os “padrinhos” ou mentores podem abrir portas e são muitos os empregados que disso precisam. Menos de metade dos empregados ao nível da gestão, ou superior, serve como “padrinhos” e apenas um em cada três funcionários afirma ter alguém que lhe sirva como mentor, tanto para homens como para mulheres. Felizmente e como afirma o estudo, este apadrinhamento está a trilhar um caminho mais promissor, visto que há apenas um ano apenas um quarto dos empregados reportou ter um mentor.

[quote_center]Quando as empresas têm processos sérios de avaliação de performance, os trabalhadores têm uma maior propensão para considerar que o sistema é justo e que são os mais merecedores os que maiores probabilidades têm de chegar ao topo[/quote_center]

No que respeita à contratação e promoções, e quando as empresas têm processos sérios de avaliação de performance, os trabalhadores têm uma maior propensão para considerar que o sistema é justo e que são os mais merecedores os que maiores probabilidades têm de chegar ao topo. Ao longo dos últimos cinco anos, reporta o estudo, mais empresas adoptaram estas boas práticas, mas o progresso para uma adopção completa é lento. A título de exemplo, este ano apenas seis em 323 empresas reportaram cumprir as seguintes práticas: estabelecimento de objectivos de diversidade, exigência de diversas propostas para a contratação e promoções, estabelecimento de uma avaliação clara e consistente de critérios antes do processo de avaliação ter início e assegurarem-se de que não existem preconceitos/enviesamentos inconscientes nas avaliações dos empregados envolvidos na contratação e na avaliação de performance.

Combinados, estes são os elementos base necessários para estimular a diversidade e minimizar o enviesamento da tomada de decisão. Dado que a contratação e as promoções constituem alavancas robustas para a existência de diversidade na cadeia de talento e na satisfação dos colaboradores, é crucial que as empresas adoptem em maior número este tipo de boas práticas.

Compromisso para a diversidade aumentou significativamente

Os dados do estudo demonstram igualmente que, na actualidade, 87% das empresas auscultadas estão extremamente comprometidas com a diversidade de género, comparativamente a 56% em 2012, ano em que a McKinsey & Company conduziu pela primeira vez um estudo similar sobre o “estado” das mulheres no local de trabalho. Para os responsáveis do estudo, é muito encorajador verificar que existem muitas empresas a conferir prioridade à diversidade de género. Contudo, é de sublinhar que nem todos os empregados concordam com este aumento de compromisso: apenas metade dos inquiridos considera que a diversidade consiste numa prioridade para a empresa e este número não se alterou nos últimos cinco anos.

Assim, passar do compromisso à acção assume-se como crucial para as empresas. E esta começa pela tomada de medidas concretas como o estabelecimento de objectivos de diversidade e a partilha das métricas sobre a mesma, não só nos níveis mais juniores, mas em toda a organização.

[quote_center]Apenas metade dos inquiridos considera que a diversidade consiste numa prioridade para a empresa e este número não se alterou nos últimos cinco anos[/quote_center]

Adicionalmente, os líderes devem ser responsabilizados por esta prática e recompensados quando a cumprem. Com o tempo, é maior o número de empresas que está a colocar os mecanismos certos em curso e os empregados são sensíveis a estes progressos. Comparativamente ao ano passado, os empregados têm duas vezes mais de propensão para afirmar que as suas empresas adoptaram objectivos de diversidade no processo de contratação. Contudo, muito há ainda por fazer. Quando as empresas têm os fundamentos adequados para a mudança – objectivos claros, responsabilização e sistema de recompensas – encontram-se numa melhor posição para levarem a cabo as alterações necessárias, passando do “nice-to-have” para o “must-have”.

Editora Executiva