Nem a riqueza nacional de um país nem investimentos avultados em educação garantem as melhores prestações, conclui a OCDE no seu mais recente relatório elaborado a partir de dados do PISA. “Os sistemas educacionais mais eficazes combinam qualidade e equidade”, garante a organização, que recomenda o reforço das políticas de apoio às escolas desfavorecidas, para prevenir o insucesso e o abandono escolar. Portugal investe na média, mas está entre os países com índices mais elevados de retenções e que não atingem um nível básico de formação
POR GABRIELA COSTA

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As políticas de educação em Portugal continuam um desastre. Segundo o mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) dedicado à qualidade e equidade na educação, em Portugal, um em cada três alunos com quinze anos repetiu, pelo menos, um ano lectivo. As retenções representam custos superiores a 12% do orçamento escolar, concluem os investigadores da OCDE.

Elaborado a partir de dados de 2009 do PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o relatório “Equidade e Qualidade em Educação – Apoiar estudantes e escolas desfavorecidas” revela que, entre os membros da OCDE, só a Holanda ultrapassa o nosso país no que concerne a despesa com repetentes: face à média dos países analisados – em que 13% dos alunos com quinze anos já repetiram, no mínimo, um ano no ensino básico ou secundário – a Holanda regista, como Portugal, uma percentagem quase três vezes superior (35%). Mas o orçamento escolar holandês é ainda mais agravado pela despesa com estes estudantes que o português (15%).

A retenção de alunos é hoje uma realidade que atinge uma percentagem assustadora de estudantes em muitos países da OCDE, como a Bélgica (30%) ou a Espanha, a França e o Luxemburgo, países onde o número de estudantes que, aos quinze anos, experienciaram (pelo menos) um chumbo atinge mesmo 35 a 40%. Ao contrário de Portugal e Espanha, Luxemburgo e França apresentam custos directos com as repetições de ano lectivo no ensino básico e secundário baixos, inferiores aos 3%.

Fora dos 34 países que integram a OCDE, o Brasil é um dos países com piores resultados, com 40% dos alunos nesta idade a incluírem no currículo, no mínimo, uma reprovação, com custos directos sobre as verbas afectas ao ensino na ordem dos 9%. Macau sobressai também pela negativa, com uma taxa de reprovação de 44% nesta faixa etária, e custos directos de 15% sobre o orçamento escolar.

Ao nível de custos, convém ainda lembrar que “uma vez que os estudantes que repetem um ano são mais propensos a comportamentos de risco ou abandono escolar, a repetição aumenta os gastos noutros serviços sociais”, como se lê no relatório.

A OCDE destaca o exemplo de países como a Finlândia, que já introduziram reformas para reduzir os casos em que se verifica ser necessário um aluno repetir determinado ano lectivo. Para os especialistas da organização, os custos directos, para os sistemas escolares, e indirectos, para os indivíduos e para as sociedades, da retenção escolar, são “bastante elevados e atrasam a educação e a entrada no mercado de trabalho”.

Investir sim, mas na inclusão
Mas nem tudo se traduz em custos e receitas. Ao nível de investimento no sector, Portugal gasta, em média, 46 mil euros com a educação de um aluno dos seis aos quinze anos de idade, revela o relatório da OCDE. O documento conclui porém que, por si só, “o dinheiro não pode comprar um bom sistema de educação”.

Senão veja-se: no topo dos países que mais investem em educação está o Luxemburgo, com cerca de 123 mil Euros por aluno, mais do dobro do investimento realizado a nível nacional. Não obstante, este país regista um nível de aproveitamento inferior, no que concerne as disciplinas de Matemática e Ciências. E, ao passo que Portugal atinge quase quinhentos pontos no ranking de literacia integrado no estudo, o Luxemburgo não ultrapassa os 475 pontos.
Já a China lidera os melhores resultados escolares, acima dos 550 pontos. Mas desengane-se quem pense que tal prestação se deve à riqueza do país, ou sequer a um investimento maior na educação. O país tem um investimento pouco superior a quarenta mil Euros, no percurso escolar em análise.

As sociedades que dispõem de indivíduos com um bom nível de educação têm mais capacidade de reagir às crises presentes e futuras .
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Este exemplo é suficiente para corroborar uma das principais conclusões do relatório “Equidade e Qualidade em Educação – Apoiar estudantes e escolas desfavorecidas”: nem a riqueza nacional de um país nem investimentos avultados em educação garantem as melhores prestações. Segundo a OCDE, “entre as economias desenvolvidas, o montante despendido em educação é menos importante do que a forma como esses recursos são utilizados”. A partir de um investimento médio (por cada estudante entre os seis e os quinze anos) superior a 35 mil dólares, em unidades monetárias harmonizadas, a despesa “não está relacionada com o resultado”, explicita a organização.

Prova disso são países como os Estados Unidos da América, o Luxemburgo, a Noruega ou a Suíça, que gastam mais de 75 mil Euros por estudante, entre os seis e os quinze anos de idade. Mas que, quando analisados, revelam níveis de desempenho similares a países como a Estónia, a Hungria e a Polónia, que gastam menos de metade desse montante por estudante (entre 30 e 33 mil Euros aproximadamente), garantem os autores do estudo.

Em concreto, o relatório conclui que os sistemas escolares de sucesso nestas economias tendem a privilegiar a qualidade dos professores, em detrimento do tamanho das turmas. Aliás, diz a OCDE que “o PISA descobriu que o tamanho das turmas não está relacionado com os sistemas escolares mais bem posicionados”. Pelo contrário, estes sistemas alcançam melhores prestações porque “acreditam que todos os estudantes podem alcançar resultados e lhes dão a oportunidade” para tal.

A avaliação da OCDE na edição de 2009 do PISA, que mede a qualidade da educação em 65 países, concluiu que os países que obtiveram melhores resultados nas provas realizadas são os que acreditam que “todas as crianças podem ter sucesso escolar”. E não os que mais investiram. A Finlândia, com 53 617 Euros, e a Coreia do Sul, com 45 895 Euros, foram os dois países que obtiveram os melhores resultados nas últimas provas do PISA. Ambos estão bem distanciados dos que mais investiram (como o Luxemburgo, com 116 888 Euros acumulados por aluno, e a Suíça, com 78 378).

Para os especialistas da organização, uma das chaves para a qualidade dos sistemas educacionais é considerar que todos os estudantes podem ter êxito e não deixar que os alunos que têm problemas repitam o ano, sejam transferidos para outras escolas ou agrupados em turmas diferentes.

O documento conclui ainda que os países com um bom comportamento no PISA atraem os melhores alunos para a carreira docente, oferecendo-lhes salários elevados e estatuto profissional, embora essa relação não se verifique entre os países menos ricos; e que os países que investem em salários mais elevados para os professores tendem a ter turmas maiores.

1/5 abandona a escola
Quase um em cada cinco alunos dos países da OCDE não atinge um nível básico mínimo de formação que lhe permita ”funcionar nas sociedades de hoje”. Acresce que os alunos oriundos de meios socioeconómicos desfavorecidos têm duas vezes mais probabilidades de ter um aproveitamento fraco na escola. Depreende, pois, a OCDE que “a falta de equidade e de integração podem levar ao insucesso escolar” levando, na prática, a que 20% dos jovens adultos, em média, abandone os estudos antes de completar o nível de ensino obrigatório.

A OCDE alerta que a redução do insucesso escolar é não só “positiva para a sociedade e para os indivíduos”, como essencial “para contribuir para o crescimento económico e o desenvolvimento social” de um país. O caminho para o sucesso na escola passa assim por medidas de equilíbrio, considerando que, como referido, “os sistemas educacionais mais eficazes dos países da OCDE combinam qualidade e equidade”.

A pensar na importância de inverter a realidade global nesta matéria, o relatório da OCDE apresenta um conjunto de recomendações em matéria de políticas de prevenção do insucesso e do abandono escolares, bem como de políticas de apoio às escolas desfavorecidas com fraco aproveitamento. A premissa é uma só: todas as crianças podem ter êxito no percurso escolar.

Defende a OCDE que, na área da educação, equidade significa que circunstâncias pessoais ou sociais como o género, a origem étnica ou o meio familiar não representam nenhum obstáculo para a realização do potencial educacional, e que todos os indivíduos atingem pelo menos um nível básico de formação. Num sistema educacional equitativo “a vasta maioria dos alunos tem a possibilidade de atingir altos níveis de formação, independentemente das respectivas circunstâncias pessoais e socioeconómicas”.

O facto de um em cada cinco alunos não atingir esse nível básico de formação “denota falta de inclusão”, conclui a organização. Por outro lado, o facto de os estudantes provenientes de meios desfavorecidos estarem duplamente sujeitos a apresentarem resultados negativos ao nível do seu aproveitamento escolar, “significa que as circunstâncias pessoais ou sociais representam obstáculos para a realização do potencial educacional, o que denota falta de equidade”.

A carência dos dois factores, em simultâneo, “agrava o insucesso escolar, cuja manifestação mais visível é o abandono escolar”, com uma média de 20% dos jovens adultos a abandonarem os estudos antes de concluírem o ensino secundário, acusa a OCDE.

Na análise realizada, os investigadores verificam que os custos económicos e sociais do insucesso e do abandono escolar são altos, ao passo que a realização com êxito da formação secundária proporciona aos indivíduos “melhores empregos e perspectivas de vida mais sadias, o que resulta numa maior contribuição para o orçamento público e para os investimentos”. Uma contribuição bem necessária actualmente… é que, como diz a OCDE, as sociedades que dispõem de indivíduos com bom nível de formação têm mais capacidade de reagir às crises presentes e futuras, pois esse nível contribui para o aumento da democracia e para uma maior sustentabilidade da economia.

Por tudo isto, o investimento na educação pré-escolar, primária e secundária para todos, em particular das crianças oriundas de meios desfavorecidos, deve ser equitativo mas também eficiente no plano económico, sublinha-se. As políticas educacionais têm de ser cada vez mais exigentes. Num contexto global que procura contrariar a estagnação económica, a educação surge como “um factor fundamental na estratégia de crescimento dos países da OCDE”, sublinha a organização.

Mas, para que possa ser eficaz a longo prazo, o aperfeiçoamento educacional têm de permitir que todos os alunos tenham acesso, desde o início da vida escolar, a uma educação de qualidade, para que prolonguem os seus estudos até que “obtenham as competências e os conhecimentos de que necessitarão, com vista à sua efectiva integração social e profissional no mercado do trabalho”. Uma das mais eficazes estratégias educacionais para os governos consiste em investir desde a formação pré-escolar até ao nível secundário, garante a OCDE.

De acordo com as conclusões dos especialistas que conduziram o relatório dedicado à qualidade e equidade na educação, os governos podem (e devem) recorrer a duas abordagens paralelas para prevenir o insucesso escolar e reduzir o abandono escolar: eliminar as práticas do sistema relativas ao nível de ensino que obstruem a equidade, e ter como alvo as escolas desfavorecidas, cujos alunos apresentam fraco aproveitamento.

Mas as políticas educacionais têm de estar alinhadas com outras políticas governamentais, tais como as políticas habitacionais e sociais, com vista a facilitar o acesso aos alunos à própria sociedade, diz, ainda, a OCDE.

Cinco recomendações para prevenir o insucesso escolar e promover a conclusão do ensino secundário:
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1. Reduzir ou mesmo eliminar a retenção escolar, através de estratégias que suprimam as lacunas na aprendizagem ou de mecanismos de aprovação automática e de limitação das reprovações a módulos com apoio específico;

2. Evitar a identificação precoce de aptidões e adiar a selecção da área de formação para o ensino secundário;

3. Gerir uma distribuição diversificada dos alunos pelas escolas, com vista a evitar a segregação e o aumento das desigualdades;

4. Tornar as estratégias de financiamento sensíveis às necessidades dos alunos e das escolas, garantindo a equidade e a qualidade nos sistemas educacionais

5. Conceber alternativas de formação equivalentes ao nível de ensino secundário, assegurando a conclusão do percurso académico.

Fonte: OCDE

 

Cinco recomendações em matéria de políticas de apoio às escolas desfavorecidas com fraco aproveitamento:
1. Reforçar a assistência aos dirigentes escolares com vista ao reforço das suas capacidades para melhorar as condições das escolas desfavorecidas;2. Estímular um ambiente positivo propício à aprendizagem, priorizando o desenvolvimento das relações positivas professor-alunos e entre pares, promovendo o diagnóstico das escolas, o aconselhamento aos alunos e a integração de actividades extra-curriculares;3. Atrair, apoiar e motivar professores com altas qualificações, fornecendo formação específica, programas de orientação, boas condições de trabalho e incentivos financeiros e profissionais;

4. Assegurar estratégias de aprendizagem em aula eficientes, implementando práticas pedagógicas que façam a diferença entre os alunos com baixo rendimento escolar (por exemplo, o recurso a currículos que promovam uma cultura de altas expectativas e de sucesso);

5. Priorizar os vínculos entre as escolas, os pais e as comunidades, através de políticas envolventes que melhorem as estratégias de comunicação, com vista a alinhar esforços.