Houve alguns (poucos) progressos no que respeita à paridade de rendimentos entre homens e mulheres no século XX, mas a redução do fosso salarial entre ambos praticamente estagnou ao longo do presente século. Estudos apresentados por várias fontes são unânimes em concordar que, a nível global, pouco ou nada se alterou nos últimos 20 anos, com pouca esperança que esta tendência venha a ser invertida no médio prazo. Com as devidas diferenças regionais e causais, as mulheres continuam a ganhar menos que os homens e ponto final
POR HELENA OLIVEIRA

O Secretário-Geral da ONU avisou na passada segunda-feira que se nada mudar, a igualdade de género poderá demorar cerca de 300 anos a ser alcançada e que o progresso global feito até agora está “a desaparecer diante dos nossos olhos”. “Quando consideramos a violência contra as mulheres, o declínio da participação da força de trabalho feminina, o acesso à educação, as taxas de mortalidade materna, o fosso salarial entre géneros, os direitos reprodutivos, e mais além, talvez possamos compreender estes ‘300 anos’ estimados, embora seja uma pílula demasiado amarga para engolir”, afirmou também.

Apesar de as palavras de António Guterres se referirem a uma igualdade desejada a vários níveis, a verdade é que, depois de analisadas várias fontes, em particular sobre a disparidade salarial entre homens e mulheres, todas elas são unânimes em afirmar que pouco ou nada mudou nos últimos 20 anos. 

A título de exemplo, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) desenvolveu um novo indicador que permite analisar o acesso das mulheres ao trabalho, as condições laborais e a desigualdade salarial e concluiu que não existe nenhum dado animador nestas três vertentes face às duas últimas décadas. 

A mesma mensagem consta num estudo publicado dia 1 de Março pelo Pew Research Center no que se refere aos Estados Unidos e que confirma que o fosso salarial entre homens e mulheres pouco ou nada mudou nos últimos 20 anos. Em 2022, as mulheres americanas ganhavam tipicamente 82 cêntimos por cada dólar ganho pelos homens, praticamente o mesmo que em 2002, quando auferiam 80 cêntimos por cada dólar. O ritmo lento a que a diferença salarial entre homens e mulheres diminuiu neste século contrasta fortemente com os progressos das duas décadas anteriores: Em 1982, as mulheres ganhavam 65 cêntimos por cada dólar auferido pelos homens.

Como seria de esperar, não existe uma explicação única para que o progresso no sentido de reduzir o fosso salarial ter praticamente estagnado no século XXI. Uma das coisas que se sabe é que no início de carreira, as mulheres estão mais próximas da paridade salarial relativamente aos homens mas, e à medida que envelhecem e progridem nas suas vidas profissionais, acabam por perder terreno, o que representa um padrão que se tem mantido consistente ao longo do tempo. 

O fosso salarial persiste, embora as mulheres tenham hoje mais probabilidades de acenarem com um diploma universitário do que os homens. Mas e apesar de estarem a ultrapassar os homens em termos académicos, o fosso salarial entre mulheres e homens com elevadas qualificações não é mais “estreito” do que o que existe entre mulheres e homens que não têm este tipo de formação, o que aponta para o papel dominante de outros factores que continuam a atrasar as mulheres e a dar aos homens uma vantagem competitiva. 

O facto de o envelhecimento das mulheres ser acompanhado por esta desigualdade crescente é explicado pelo Pew da seguinte forma: “as mulheres jovens – com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos e no início da sua vida profissional – aproximaram-se mais da paridade salarial com os homens nos últimos anos. A partir de 2007, os seus ganhos têm-se situado de forma consistente em cerca de 90 cêntimos por dólar ou mais em comparação com os homens da mesma idade. Mas mesmo quando a paridade salarial pode parecer estar ao alcance das mulheres no início das suas carreiras, a diferença salarial tende a aumentar à medida que envelhecem”. 

Uma boa parte do aumento das disparidades salariais entre os sexos ocorre na faixa etária dos 35 aos 44 anos de idade. Em 2022 e nos Estados Unidos, as mulheres com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos ganhavam cerca de 92% comparativamente a homens das mesmas idades, mas as faixas etárias entre os 35 e os 44 anos e entre os 45 e os 54 anos auferiam 83% relativamente ao valor auferido pelos seus congéneres masculinos. Por último a proporção cai ainda para 79% nas idades compreendidas entre os 55 e 64 anos. Este padrão geral não sofreu alterações em pelo menos quatro décadas.

Entretanto, a OIT e de acordo com o novo indicador desenvolvido e denominado Job Gap, o qual tem em linha de conta todas as pessoas desempregadas que estão interessadas em arranjar trabalho, ajuda a pintar um quadro muito mais sombrio da situação das mulheres no mundo laboral face à análise comum que abarca apenas a taxa de desemprego. Os novos dados mostram também que as mulheres continuam a ter uma dificuldade substancialmente significativa em encontrar um emprego comparativamente aos homens. 

Os novos dados sobre as disparidades de género no mercado de trabalho mostram que 15% das mulheres em idade activa a nível global gostariam de trabalhar mas não têm emprego, em comparação com 10,5% dos homens. Este fosso entre géneros permaneceu quase inalterado durante quase duas décadas (2005-2022). Em contraste, as taxas globais de desemprego para mulheres e homens são muito semelhantes, porque os critérios utilizados para definir o desemprego tendem a excluir as mulheres de forma desproporcional. Embora a taxa de desemprego seja uma medida do mercado de trabalho altamente valiosa, é também um indicador muito restritivo.

Ainda de acordo com o relatório da OIT publicado há poucos dias – New data shine light on gender gaps in the labour market – a diferença dos níveis de emprego é particularmente grave nos países de baixos rendimentos onde a proporção de mulheres incapazes de encontrar um emprego atinge 24,9%. A taxa correspondente para os homens da mesma categoria é de 16,6%, um nível preocupantemente elevado mas significativamente mais baixo do que o das mulheres.

Maternidade continua a ser um “obstáculo”

O relatório da OIT sublinha que as responsabilidades pessoais e familiares, incluindo o trabalho não remunerado de cuidados prestados a ascendentes/descendentes, afectam as mulheres de forma desproporcional, na medida em que estas actividades podem impedi-las não só de estarem activamente no mundo do trabalho, mas também de procurarem activamente emprego ou estarem disponíveis para trabalhar a curto prazo. Na medida em que é necessário cumprir estes critérios para serem consideradas desempregadas, fica explicado o motivo devido ao qual muitas mulheres que necessitam de um emprego não constam dos números do desemprego.

Já nos países desenvolvidos, a grande conclusão – e sem surpresas – é a de que as mães com filhos em casa tendem a estar menos ocupadas com o local de trabalho, enquanto os pais são mais activos. A verdade é que a maternidade leva algumas mulheres a suspender as suas carreiras, seja por opção ou por necessidade. Em 2022, nos Estados Unidos, 70% das mães com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos tinham um emprego ou estavam à procura de um, contra 84% das mulheres da mesma idade sem filhos em casa. Isto correspondeu à retirada de 1,4 milhões de mães mais jovens da força de trabalho. Além disso, quando estão empregadas e quando tal lhes é permitido, as mães mais jovens tendem a adoptar horários semanais mais curtos trabalhando em média menos duas horas, comparativamente a outras mulheres que não estão nesta condição, o que afecta negativamente as primeiras. A redução do envolvimento com o local de trabalho entre as mães mais jovens é também um fenómeno de longa duração.

Esta vulnerabilidade, juntamente com taxas de emprego mais baixas, tem um custo substancial para os rendimentos das mulheres. A nível global, por cada dólar de rendimento “masculino”, as mulheres ganham apenas 51 cêntimos, de acordo com a OIT. Por outro lado e como seria de esperar, existem diferenças significativas entre regiões. Em países de baixo e médio-baixo rendimento, a disparidade entre os géneros no que respeita ao rendimento do trabalho é significativamente agravada, com as mulheres a ganharem 33 cêntimos e 29 cêntimos por cada dólar auferido pelos homens, respectivamente. Nos países de rendimento alto e médio-alto, e a nível global, o rendimento relativo do trabalho feminino atinge 58 e 56 cêntimos, respectivamente, por cada dólar ganho pelos homens. Esta disparidade notável nos rendimentos é impulsionada tanto pelo “nível inferior” de emprego das mulheres, como pelo seu rendimento médio mais baixo quando estão a trabalhar.

Em Portugal, o cenário não é muito diferente. De acordo com uma análise feita pelo jornal Expresso a dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as mulheres que integram o mercado de trabalho tendem a ser mais qualificadas do que os seus pares masculinos, com 41% das primeiras a terem o ensino superior como nível de escolaridade face a apenas 26,9% dos segundos. Todavia e em termos salariais continuam a ser os homens a estar na dianteira no que ao rendimento líquido diz respeito, o qual é 17,5 % superior ao das mulheres, tendência que, e tendo em conta os dados globais, não deverá ser invertida pelo menos nos tempos mais próximos. 

Aumento do custo de vida coloca maior pressão sobre as mulheres portuguesas

Relativamente aos homens, as mulheres portuguesas apresentam um bem-estar financeiro inferior ao dos homens, estão menos confiantes no que respeita à sua literacia financeira, demonstrando igualmente terem menos probabilidades de pedirem um aumento salarial do que os seus pares masculinos. Estas são as principais conclusões de um estudo feito pela Intrum divulgado na passada terça-feira e intitulado “Mulheres estão menos preparadas para resistir a tempestades económicas”.

Segundo o European Consumer Payment Report (ECPR), que inquiriu 24 mil pessoas em vários países europeus, existe uma substancial diferença entre géneros no que respeita à igualdade financeira, com o fosso a aumentar comparativamente ao mesmo período em 2021.

E tal como tem vindo a ser referido ao longo deste artigo, com margens financeiras menores – devido às disparidades salariais – as mulheres são mais sensíveis aos aumentos de custos visto que têm menos “amortecedores” financeiros do que os homens. Os inquiridos masculinos europeus poupam mais dinheiro do que as mulheres numa base mensal, com as mulheres a afirmar que não conseguem poupar dinheiro algum. Ao mesmo tempo, perto de um terço das mulheres (32% versus 24%) têm menos de um mês de salário de poupança disponível para cobrir um acontecimento imprevisto.

De acordo com a Intrum em Portugal e quando questionadas sobre o seu bem-estar financeiro, 24% das mulheres portuguesas afirmam estar significativamente pior em comparação com 19% dos homens.

Como declara o Director-Geral da Intrum Portugal, Luís Salvaterra, “Os aspectos financeiros continuam a ser uma parte central das desigualdades de género na Europa. O nosso estudo demonstra que as mulheres estão mais preocupadas do que os homens com o impacto do aumento do custo de vida nas suas finanças quotidianas. Infelizmente, há razões para esta maior ansiedade. Com margens financeiras claramente menores, as mulheres sentem uma pressão mais forte devido ao acentuado aumento do custo de vida”.

Tendo em linha de conta a análise para Portugal e no que respeita à igualdade financeira de longo prazo, 82% das mulheres portuguesas preocupam-se com o facto de não poderem ter uma reforma confortável, 16 pontos percentuais acima da média europeia (66%) a par de 75% dos inquiridos do sexo masculino reconhecerem-se na mesma situação, contra 57% da média europeia. Mas e apesar das preocupações relativamente maiores sobre o seu futuro financeiro e como referido anteriormente, as mulheres têm menos probabilidades de pedirem um aumento salarial. Em Portugal, apenas 23% das mulheres estão a planear fazê-lo no próximo ano (26% média UE), em comparação com 31% dos homens (35% média UE).

Mais uma vez e como reforça Luís Salvaterra, “Os dados do nosso estudo European Consumer Payment Report indicam que existe um  longo caminho para a igualdade financeira entre homens e mulheres. Alcançar um nível de educação financeira correcto para todos os consumidores, independentemente do seu género, é sem dúvida um aspecto muito importante que ajudará a fechar de uma vez por todas o fosso financeiro entre géneros”. 

Será?

Editora Executiva