Ao terceiro dia do The Economy of Francesco já tínhamos vivenciado um programa intenso e rico. Entre intervenções de elevada pertinência e interesse, participação ativa dos participantes das diferentes aldeias temáticas e momentos artísticos que nos permitiram ir saboreando o que ouvíamos, foi possível construir uma fotografia do tempo que vivemos. É, de facto, um período de muitos desafios e problemáticas complexas. No entanto, contrastando com a corrente vigente de conformismo e indiferença, o Papa Francisco exorta-nos a assinar um pacto assente em “começar processos, alargar horizontes, criar pertença”. Um convite que vimos ensaiado ao longo do evento
POR FRANCISCO ALMEIDA MAIA

Nos meses que antecederam o Encontro de Assis, participámos nas reuniões da aldeia “Vocação e Lucro”, uma das 12 temáticas integrantes da Economia de Francisco.. Como se estivéssemos à mesma mesa, sentimos que para responder ao apelo do Papa o primeiro passo a dar seria cultivar, provocar, cuidar e promover a cultura do encontro. Sentirmo-nos irmãos e parte de uma comunidade, mesmo quando estamos a milhares de quilómetros de distância, não só é possível como é necessário. Destes encontros, embora virtuais, saíram propostas concretas para continuar o trabalho no âmbito desta temática. Destaca-se a criação de um podcast, o “The Profit Podquest”, no qual se irá procurar explorar formas práticas de colocar a nossa vocação ao serviço do bem comum. Este processo de encontro, trabalho conjunto e propostas será com certeza replicado e expandido, tornando o The Economy of Francesco um verdadeiro ponto de partida.

E se este primeiro momento nos mostrou um processo, o segundo deixou antever o que podem ser os resultados de um trabalho conjunto para uma nova economia. Com a participação de Kate Raworth, economista e investigadora associada sénior na Universidade de Oxford, e de John Perkins, autor best-seller do The New York Times, economista e activista, um painel de representantes das 12 aldeias temáticas apresentou as propostas concretas de cada um destes grupos de trabalho.

Com o título “Todos somos países em desenvolvimento” que, em si mesmo, aponta para uma mudança de direção, e partindo de um quadro muito realista e duro apresentado por John Perkins sobre como somos os pilotos de uma “estação espacial muito frágil em que viajamos”, o resultado orientou-nos para vários caminhos possíveis: um maior equilíbrio entre trabalho e cuidado; uma melhor distribuição financeira, permitindo reforçar os mercados locais e o desenvolvimento das populações; o fortalecimento dos relacionamentos; a aposta no desporto como um pilar para o desenvolvimento da comunidade e de uma vida equilibrada; a diminuição do incentivo ao consumismo revendo os processos de publicidade; a criação de índices que possam medir o nosso contributo para a paz; a promoção de um desenvolvimento inclusivo e sustentável; a promoção da igualdade entre mulheres e homens acabando com as desigualdades salariais; a alteração da forma como as organizações procuram apenas o próprio interesse em vez de zelarem também pelo interesse dos seus colaboradores; a diminuição da desigualdade através da qualificação dos trabalhadores mais vulneráveis; a promoção de uma agricultura sustentável e de preço justo para os agricultores e a necessidade de “transformar” os objetivos empresariais em propósitos que tenham o bem comum como fator fundamental.

Pensando na concretização das diferentes propostas, a estrutura de análise, conhecida como Doughnut Economics e apresentada pela economista Raworth, é um instrumento muito interessante e que vale a pena aprofundar, pois permite trabalhar o conceito de sustentabilidade entre duas tensões: prover às necessidades das populações e não consumir os recursos do planeta além dos seus limites.

Depois de concluídos os painéis, o terceiro momento do dia foi dedicado à apresentação de um conjunto extraordinário de projetos promovidos por adolescentes. De forma inspiradora, foram-nos apresentadas várias iniciativas, entre as quais se destaca o projeto “Fome Zero” promovido em conjunto com a Nações Unidas e que resultou em inúmeras atividades internacionais.

Seguiu-se a sessão de encerramento com a intervenção do Santo Padre, com uma mensagem dirigida aos participantes e aos envolvidos no evento, mas que deve servir de interpelação a todos. Olhando para S. Francisco de Assis, inspiração e raiz do evento, lembra-nos a urgência de “reparar a casa” através de uma nova narrativa económica. Não basta falar dos problemas e exercitar soluções teóricas correndo o risco de se cair em lugares comuns. É, sim, necessário, um compromisso para “sujar as mãos”.

Contrariando modelos económicos que consomem o planeta, que excluem e marginalizam, que nos isolam e promovem a indiferença ao sofrimento humano, o Santo Padre pede que não digamos mais “os outros”, mas que promovamos um estilo de vida onde possamos dizer “nós”. Não somos obrigados, diz o Papa, a aceitar as coisas como estão e temos o dever de participar nas decisões que estão a moldar o presente. Caso contrário, corremos o risco de a História nos colocar de lado.

É esta esperança e vontade de compromisso que nos deixa o The Economy of Francesco. É tempo de “começar processos, alargar horizontes, criar pertença”. Em Portugal, existem já ecos concretos do evento com o nascimento da Economia de Francisco Portugal, uma rede que pretende ser ator importante no encetado e inevitável processo de “dar uma alma” à economia.

Doutorado em Ciências da Computação e Diretor executivo da Keyruptive Technologies.
Presidente da direcção da Associação AMU, uma ONGS/IPSS com projetos de emergência social e inclusão social focados em famílias multi-desafiadas onde se incluem refugiados, migrantes e desempregados de longa duração. Tem participado na construção da rede Economia de Francisco Portugal, sendo um dos participantes portugueses no evento.