“A lógica é desenvolver projectos em parceria, desenhados de raiz, a partir das necessidades identificadas”. Todos os sistemas desenvolvidos “são doados depois de um período piloto e damos sempre formação aos parceiros envolvidos, para que adquiram autonomia”. É desta forma que Luísa Pestana, presidente da Comissão Executiva da Fundação Vodafone, sintetiza a actuação da Fundação, que assinalou em Abril o seu décimo aniversário
Por GABRIELA COSTA

© Victor Machado/OJE

Que balanço faz de uma década de actuação em prol do desenvolvimento da Sociedade de Informação e do combate à infoexclusão em Portugal?
A Fundação Telecel Vodafone foi criada em 2001 (dando, em 2003, origem à actual designação), no âmbito das licenças de 3ª Geração, às quais se candidatou na área “Promoção da Sociedade da Informação em PT”, comprometendo-se a fazer vários investimentos e a criar uma fundação, cujo objecto seria promover a SI participando, em parceria, em alguns projectos em áreas de manifesta utilidade pública.

Desde logo identificámos as áreas onde as novas tecnologias de Informação e Comunicação teriam grande mais-valia – a saúde, a educação e inclusão de pessoas com deficiência, a segurança… Os primeiros projectos desenvolvidos foram softwares e programas especiais para pessoas com necessidades especiais, concretamente cegas ou com baixa visão. A partir daí, fomos estendendo o âmbito da nossa actuação a outras áreas, como o ambiente ou a investigação científica e tecnológica.

A lógica da Fundação é desenvolver projectos em parceria com outras entidades, desenhados de raiz, a partir das necessidades identificadas no parceiro, e nunca apadrinhar iniciativas já formatadas.

O balanço desta primeira década é muito positivo. Ao longo dos anos concretizámos mais de sessenta projectos, apesar de o tempo de desenvolvimento de cada um ser sempre alargado, porque nós não damos donativos, implementamos as iniciativas de raiz: identificamos um problema e desenvolvemos uma solução para ser implementada em conjunto com o parceiro.

Por exemplo, na área da saúde, a Fundação criou um sistema de Monitorização Remota de Epilepsia Pediátrica, em colaboração com neurologistas e pediatras, para o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental – que compreende o Hospital de São Francisco Xavier e o Hospital Egas Moniz. Este sistema permite aos médicos, independentemente de estarem dentro ou fora do ambiente hospitalar, o acesso e a manipulação da informação, a partir da sincronização da imagem do paciente com o registo encefalográfico, o que resultou na monitorização de quase o dobro dos doentes, face à que era feita antes de existir este sistema. Além disso, os médicos passaram a monitorizar casos muito graves de outros pontos do país.

Este foi um processo que levou cerca de um ano e meio a instalar e demonstra como trabalhamos: todos os sistemas desenvolvidos são doados ao nosso parceiro depois de um período piloto de teste da utilização da tecnologia e damos sempre formação aos parceiros envolvidos, antes de doar os equipamentos. O objectivo é que estes adquiram autonomia em relação aos projectos, os quais acompanhamos periodicamente, durante anos.

A equipa da Fundação, que é a mesma que trabalha os projectos de RS da Vodafone Portugal, direcciona os projectos em função do expertise de cada colaborador.

Partindo do recurso ao know-how tecnológico da Vodafone para o desenvolvimento de soluções em benefício de projectos sociais, que importância tem hoje a aplicação das TIC a uma lógica de intervenção social?
Vejo essa lógica com muito bons olhos. O objectivo é ajudarmos os outros com aquilo que melhor sabemos fazer, que é desenvolver sistemas tecnológicos. Com os projectos que temos no terreno podemos pôr essa tecnologia ao serviço da sociedade e por isso é que decidimos desenvolver sistemas inovadores para aplicar na área social, em vez de darmos donativos para esta ou aquela causa.

O Táxi Seguro, por exemplo, é um sistema de alerta e seguimento das viaturas que estão em risco, que veio contribuir para resolver um problema levantado pela Secretaria de Estado da Administração Interna, depois do assassinato de alguns taxistas, em 2005: não existia nenhum sistema de segurança que interligasse de forma directa os condutores de táxi com a polícia e, com o Táxi Seguro, o qual junta a tecnologia GPS (que dá a localização exacta em tempo real) a um serviço de SMS (por onde são enviadas as coordenadas em GPS da viatura), foi possível interligar todos os meios – PSP, GNR e esquadras -, testando a sua coordenação no terreno.

Depois de um teste piloto com 900 viaturas e da formação tecnológica e operacional que a Vodafone e as forças policiais deram a mais de dois mil homens, incluindo agentes da PSP e da GNR, aos condutores dos táxis e aos seus proprietários, actualmente existem quase 1500 viaturas com este sistema a funcionar nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. De sublinhar que, tal como o projecto da Epilepsia Pediátrica, este é um sistema aberto a que qualquer particular pode aderir por um custo acessível, já que negociámos um preço de venda ao público com o fornecedor equivalente ao que pagámos pela aquisição dos 900 equipamentos: 300 Euros, incluindo a instalação.

Entre Abril de 2009 e Março de 2010 a Fundação apoiou um total de 22 projectos, investindo cerca de 2,3 milhões de euros. Em relação ao primeiro ano de actividade, durante o qual financiaram com 832 mil Euros doze projectos, como avalia o percurso traçado?
A Fundação tem, em média, quinze a vinte projectos ongoing. Como disse, o período de intervenção é alargado e, portanto, há sempre vários em funcionamento. Nos primeiros anos arrancámos com menos, porque os parceiros tendem a pedir apoios mecenáticos para as suas actividades regulares e, embora estes também sejam importantes, não é essa a nossa vocação.

Actualmente, e para além do projecto de Monitorização Remota de Epilepsia Pediátrica e do Táxi Seguro, destaco o programa Praia Saudável, uma iniciativa lançada em 2005 que incide nas vertentes da segurança, acessibilidade, ambiente e sensibilização, abrangendo actualmente mais de 150 zonas balneares de Portugal Continental e Ilhas, incluindo fluviais.

A Marinha, o ISN, o Instituto da Água, o ICNB, o INR e a Associação Bandeira Azul são os parceiros deste projecto que permitiu desenhar uma rede de comunicações privada (VPN) para os nadadores-salvadores que faz a intercomunicação entre os postos de praia, as Capitanias de Porto, os Bombeiros e os números de emergência nacionais.

Uma rede de comunicações móveis acessível ao público permite que qualquer pessoa reporte, a partir da praia, situações de risco, como um afogamento ou uma criança perdida. Já nas zonas balneares não vigiadas instalamos mastros alimentados a painéis solares que permitem accionar um botão para reportar também, emergências, através de chamadas em alta voz para as autoridades competentes. O programa inclui ainda a disponibilização de equipamentos como veículos de salvamento GOES, motos de salvamento marítimo (existindo hoje mais de setenta disponíveis, depois do piloto ter arrancado com vinte), macas flutuantes e torres de vigia.

A nível ambiental, realizam-se todos os Verões acções de sensibilização para os mais novos, a propósito das regras básicas de segurança na praia e este ano queremos marcar presença nos ATL. Paralelamente, distribuímos cinzeiros e temos equipado os municípios com máquinas de limpeza do areal. A pensar nos veraneantes com necessidades especiais, temos doado passadeiras especiais e cadeiras de rodas anfíbias.

De referir que a Fundação investe na praia saudável mais de um milhão de euros anualmente, entre os meios novos que doa e a montagem, desmontagem e reparação de todos os equipamentos que integram o programa, o que é significativo no total da nossa actuação.

Finalmente, e na educação, criámos recentemente a primeira biblioteca online de Fernando Pessoa, integralmente digitalizada e que permite aceder a todos os livros da biblioteca pessoal do autor, bem como às suas anotações.

Que parcela do orçamento do Grupo representa a afectação de recursos aos projectos desenvolvidos pela Fundação Vodafone?
Recebemos financiamento de duas entidades: da Vodafone Portugal e da Vodafone Group Foundation. Anualmente candidatamos os projectos a vários fundos e, do montante que nos é atribuído, tipicamente cerca de metade é disponibilizado pela Vodafone Portugal e os outros cinquenta por cento chegam-nos através da Fundação do Grupo.

Face ao agudizar da crise, prevêem alguma alteração na vossa política socialmente responsável?
Não perspectivamos que o montante global de investimento nestas acções e nos projectos de RS da Vodafone diminua, face à crise, apesar da difícil conjuntura. As áreas de intervenção mantêm-se, e estamos sempre à procura de novos parceiros e projectos.

Acredita que as fundações devem ser agentes de mudança pela grande capacidade de resposta que têm, já que graças à sua dimensão e à reputação que alcançam, podem facilmente agregar ideias, projectos e organizações?
Acredito, aliás tem sido essa a nossa orientação desde o início: como é que podemos fazer a diferença, contribuindo para os resultados globais numa determinada área – seja a educação, a segurança ou as necessidades especiais? É este o nosso objectivo, contribuindo para que os nossos parceiros melhorem os seus recursos, trabalhando melhor.

A mentalidade está a mudar e as pessoas estão hoje mais despertas para se associarem a uma causa ou fazerem voluntariado. Por outro lado, há uma maior abertura por parte das empresas, das organizações públicas e das IPSS para fazerem parcerias em áreas concretas, de modo a atacarem determinados problemas, até porque os recentes problemas orçamentais das instituições levam-nas a congregar sinergias.

Se for continuado e não avulso, o trabalho das empresas nesta área pode trazer uma mais-valia às instituições, já que numa empresa habituamo-nos a trabalhar por objectivos e a ter uma boa capacidade de execução. Em princípio, estas são parcerias win-to-win, para as empresas porque conseguem dar algo de volta à comunidade, e para as organizações, porque acabam por tornar-se mais profissionais nalgumas áreas.

Como avalia, na última década, a evolução da RSC nas empresas em Portugal? Apesar de maioritariamente micro e PME, pratica-se hoje uma ética para os negócios?
Noto que sim e tenho visto muitas empresas de pequena e média dimensão a criarem acções para os seus colaboradores e a apadrinharem causas e projectos, talvez não com a dimensão de uma grande empresa, mas à sua escala. Esta acção dá-se principalmente a nível local e apercebo-me, através da relação estreita que mantemos com vários parceiros de autarquias, que existe uma maior intervenção do tecido empresarial com iniciativas ao nível das câmaras, autarquias e das próprias instituições de cada comunidade.

Quanto à Vodafone Portugal, devo dizer que a área de RS foi criada muito antes do conceito ser sequer falado por cá. Quando ainda éramos Telecel já tínhamos essas preocupações e criámos, no final dos primeiros anos, uma pequena equipa responsável pelas questões do ambiente e das novas tecnologias, de modo a tornarmos a RS numa área interactiva para a empresa, concentrando-nos nos problemas a que nos poderíamos associar, em vez de darmos resposta às cartas com pedidos de donativos.

Uma versão resumida desta Entrevista foi originalmente publicada no suplemento OJE Mais Responsável de 17 de Maio

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