Vivemos numa sociedade altamente corrompida e cujos fluxos financeiros ilícitos têm um impacto tremendo na economia dos países desenvolvidos mas também em desenvolvimento, estando associados a prejuízos de milhares de milhões de dólares, anualmente. Para combater este fenómeno, o Fórum Económico Mundial lançou o projecto Futuro de Confiança e Integridade. Num paper apresentado recentemente e dedicado a este tema prevalece a ideia de que só é possível alcançar uma mudança positiva se forem implementadas medidas ao nível institucional, comportamental e tecnológico
POR MÁRIA POMBO

A elevada corrupção e os constantemente baixos níveis de confiança e integridade são responsáveis pela degradação da sociedade e pelo aumento das desigualdades, tanto no sector público como no privado. De acordo com o Fórum Económico Mundial (FEM), os fluxos financeiros ilícitos provocam aos países em desenvolvimento prejuízos na ordem dos 1,26 mil milhões de dólares, e a União Europeia perde mais de 159 mil milhões de dólares, anualmente, devido à corrupção, sendo certo que esta é causa e consequência de enormes crises de confiança que se estendem a toda a sociedade e prejudicam a economia e a coesão social. Por este motivo, e tendo em conta os elevados custos da corrupção, os líderes a nível mundial devem unir esforços para construir um clima de confiança e promover a estabilidade económica, política e social.

Lançado pela Iniciativa de Parceria Contra a Corrupção (PACI, na sigla em inglês) do Fórum Económico Mundial, o projecto Futuro de Confiança e Integridade (FCI) procura promover e desenvolver estratégias e mecanismos que consigam, tal como o nome indica, reconstruir a confiança e a integridade, enfrentando e mitigando a corrupção. Estas estratégias estão presentes num paper recentemente apresentado pelo projecto.

Após ter sido palco de diversos escândalos, a América Latina revela agora uma grande vontade de ser pioneira na luta contra a corrupção. A Argentina é o melhor exemplo disso e o país desta região que mais está a enfrentar este flagelo, apresentando um percurso positivo que, por ser agora baseado na confiança e na integridade, começa a atrair o investimento estrangeiro e a destacar-se a nível mundial. De acordo com o FCI, esta dinâmica positiva é partilhada por diferentes stakeholders, sendo que 70% já conseguem observar um declínio dos níveis de corrupção naquele país, comparando com o que acontecia há uma década, e 90% acreditam que daqui a dez anos os resultados serão ainda melhores.

As dimensões institucional, comportamental e tecnológica são aquelas através das quais o FCI considera que é possível – e necessário – promover uma mudança positiva e pôr fim à corrupção. No fundo, os autores do documento defendem uma abordagem global, que tenha a capacidade de chegar a todos os cidadãos, independentemente do lugar ou das circunstâncias em que vivem. Para demonstrar a sua aplicabilidade, o documento vai apresentando estudos de caso, sendo que o da Argentina é aquele que salta à vista e que é mais referido.


O mundo precisa de lideranças mais responsáveis

Em termos institucionais, o documento revela que as organizações – ou instituições – contribuem para um clima de confiança mais previsível e estável, estimulando os cidadãos, os membros do governo e os líderes empresariais a colaborar e cooperar de um modo mais comprometido. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a OCDE são alguns exemplos que confirmam o quão importante é o papel das organizações para a criação de um clima de confiança com o qual os cidadãos se sentem seguros, tornando possível desenvolver mecanismos (tanto formais como informais) de promoção da confiança e da integridade. A este respeito, o documento apresenta um gráfico onde é visível a correlação entre a percepção da corrupção de um país e a força das suas instituições, evidenciando-se assim a importância destas para a promoção da integridade.

Existem variados factores – como princípios individuais, normas corporativas, legislação, etc. – que ajudam a concretizar esta dimensão. Os princípios individuais têm um grande peso, mas as obrigações legais (de que são exemplo as leis de responsabilidade corporativa) são aquelas que se afiguram como as mais importantes, tanto no sector público como no privado.

Como exemplo da importância que as instituições têm para a recuperação da confiança, os autores do documento apresentam o caso da Argentina. Tendo consciência de que foi a falta de um sistema de responsabilidade corporativa que lutasse contra a corrupção que levou, há poucos anos, muitas organizações a abandonarem aquele país, os seus governantes começaram a desenvolver, em 2016, um plano de recuperação da confiança e integridade daquele país, contando com o apoio e a participação de cidadãos comuns, líderes empresariais e especialistas em diversas áreas. O resultado foi a criação, em Dezembro do ano passado, da Lei de Responsabilidade Corporativa da Argentina, que entrou em vigor em Março último e criminaliza qualquer tipo de suborno, apoiando as organizações a mitigarem a corrupção a todos os níveis. Como retorno deste esforço conjunto, a Argentina é actualmente um país onde as organizações e os cidadãos voltam a confiar, já que transformou a corrupção em confiança e transparência, sendo por isso um exemplo a seguir.

No que respeita à dimensão comportamental, os autores do paper explicam que liderar através do exemplo é a melhor forma de alcançar a confiança e mitigar a corrupção, e que é com lideranças responsáveis e íntegras que se consegue criar uma sociedade estável e transparente. O facto de (dever) ser no topo que se praticam as melhores acções tem um efeito poderoso em todos os departamentos das organizações, tendo em conta que os colaboradores, por seguirem os seus líderes, passam também eles a adoptar bons comportamentos.

Uma nota interessante vai para o facto de o documento dar ênfase à ideia de que liderar pelo exemplo não tem que ser de indivíduo para indivíduo, reforçando que também pode ser uma acção feita de instituições para instituições, em que os governos ou organizações “maiores” adoptam uma conduta que é seguida por outras organizações, melhorando assim o comportamento dos vários sectores de actividade.

Ainda em termos comportamentais, os autores do documento referem que, mais do que punir os maus comportamentos, é importante premiar as boas acções, incentivando assim as organizações e os cidadãos a terem uma boa conduta, por saberem que no final irão receber uma recompensa. Por fim, prevalece a ideia de que é necessária uma acção conjunta e colectiva que deve contar com a participação tanto do sector público como do privado. Neste sentido, se todos se opuserem à corrupção e procurarem formas de a mitigar, toda a sociedade será muito mais transparente e íntegra.


Tecnologia ou a necessidade de chegar a todas as pessoas

Por fim, a tecnologia está relacionada com a capacidade de se promover a transparência, sendo por isso uma ferramenta preciosa contra a corrupção. Tecnologias emergentes como blockchain (que é útil em situações em que é necessário conhecer e rastrear um registo de propriedade de um determinado activo, e que pode ajudar a resolver o problema da pirataria de activos digitais), open data e e-governance são algumas ferramentas que ajudam a reconstruir um clima de confiança e integridade.

A vantagem das tecnologias emergentes reside no facto de estas terem a capacidade de aproximar pessoas e chegar a todos os cantos do planeta, podendo por isso ter um efeito transformativo e real na luta contra a corrupção. No entanto, os autores do documento alertam para os riscos que lhes estão associados e para a necessidade de existir um esforço conjunto de todos os stakeholders no sentido de não corromperem e manipularem os sistemas informáticos, sob pena de inverterem o clima de confiança e aumentarem ainda mais os níveis de corrupção.

Para que a tecnologia possa realmente fazer a diferença e alcançar o seu máximo potencial, a mesma deve ser utilizada tanto pelo sector público como pelo privado, e o que se verifica actualmente é que o primeiro é bastante céptico nesta matéria, ao passo que o segundo quase já não vive sem as suas inúmeras funcionalidades. O ideal, num futuro próximo, será fazer com que os dois sectores passem a utilizar estas ferramentas e a usufruir de todos os seus benefícios. É que o facto de ambosestarem familiarizados com os mesmos programas e falarem a mesma linguagem é, por si só, meio caminho andado para que exista uma maior confiança entre todos.

Os dados abertos (mais conhecidos por open data) são dados que podem ser livremente utilizados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa e são aqueles que ambos os sectores consideram como a tecnologia mais transparente. Todavia, e sob pena de se assistir à redução dos níveis de confiança na sociedade, a sua utilização deve ser acompanhada por actividades “trust-building”, garantindo que a liberdade de quem os utiliza também se traduz na responsabilidade de preservar a informação à qual se teve acesso.

Tão ou mais importante do que saberem que a corrupção deve ser mitigada, os lideres a nível mundial devem saber como o fazer. De acordo com o projecto Futuro de Confiança e Integridade, este fenómeno só acabará se a confiança e a integridade forem incorporadas nas três dimensões acima apresentadas. Por um lado, as instituições devem procurar as ferramentas e estratégias que lhes permitam ser mais resilientes; por outro lado, liderar pelo exemplo e demonstrar, nos cargos de liderança, uma boa conduta parece ser a melhor forma de levar outros a terem um bom comportamento, melhorando toda a sociedade; por fim, as tecnologias emergentes têm o poder de chegar a todos e ultrapassar fronteiras, ajudando deste modo a reconstruir a confiança e a pôr fim à corrupção, a nível mundial.

Os autores do paper contam que as acções devem ser globalmente aplicadas mas localmente adaptadas para que possam corresponder às necessidades de cada região. Por fim, o documento revela ainda que está a ser preparado um toolkit que irá dar sugestões de ideias, ferramentas e soluções que ajudam os líderes e a sociedade em geral a combater a corrupção e a lutar por um mundo onde reina a confiança e a integridade.

Jornalista