Vivemos um período de grande incerteza, causado por um fenómeno global que nos afetou a todos de modo inesperado. Este fenómeno obrigou-nos a ajustar as nossas vidas, os nossos modelos sociais e também no obrigou a tomar decisões difíceis. Muitas destas decisões, feitas no âmbito de instituições e corporações, exigiram bastante dos seus líderes e gestores. Como avaliar agora as decisões tomadas e como preparar-nos para as futuras?
POR MARTA LINCE FARIA

A primeira coisa que me vem à mente é aprender a duvidar. Tendo a desconfiar dos líderes e gestores que me declaram que a sua instituição é perfeitamente ética. Não duvido tanto pelo facto de o declararem, mas porque a sua excessiva confiança faz-me pensar que talvez não tenham uma conceção adequada da ética. As suas instituições não são éticas simplesmente porque nelas existem códigos de ética robustos e bem pensados. Por exemplo, muitas vezes não é claro em que medida é que o valor “respeito pelo cliente” está a ser promovido ou desrespeitado e várias pessoas podem chegar a ter opiniões diferentes. Alguma vez deram voltas na cama com dúvidas de ter tomado a melhor decisão? Se não, o mais provável é que haja importantes falhas éticas a corrigir no vosso comportamento e na vossa organização e que não exista suficiente segurança psicológica entre os vossos colaboradores para vos chamar à atenção do que não está tão bem. Se os gurus da ética debatem bastante sobre o valor moral de determinadas ações, como poderemos julgar-nos já imunes a essas questões, levantando estas tantas dúvidas entre especialistas?

Segundo, parece-me importante explicar que embora haja uma diferença importante entre a ciência moral e a sabedoria moral, um líder ético deve ter ambas. Assim como um gestor precisa de conhecimentos teóricos de finanças e de gestão e tem que aprender a pô-los em prática no dia-a-dia, um gestor que me diz ser ético deve saber que modelo de decisão moral que adota – utilitarista? deontológico? aristotélico? – uma vez que os modelos não têm todos o mesmo valor e não é indiferente inspirar-se num ou noutro.

No entanto, mesmo que alguns conheçam estes modelos, sabem pô-los em prática? Sabem, em cada decisão concreta, captar as variáveis sensíveis do ponto de vista ético e ter a coragem de falar delas quando o “forno não está para bolos”? Depois de pensar como nos devemos colocar ante as situações temos que praticar, uma vez e outra, em decisões grandes ou pequenas, em questões mais objetivas ou mais subjetivas, até ganharmos uma certa conaturalidade e coragem para decidir bem do ponto de vista ético. É quase como andar de bicicleta ou aprender a resolver exercícios de matemática ou perder o medo a falar em público.

Teoricamente, somos todos éticos. Muitas vezes, ao resolver um caso onde os protagonistas têm que lidar com importantes questões éticas, os alunos assumem que se fossem eles os protagonistas nunca tomariam uma decisão assim. Basicamente pensam que, sem necessidade de treino, será a sua melhor faceta ética que se revelará em situações difíceis e complicadas, o que é falso. Para quem ensina ética empresarial o desafio é precisamente o de dar as bases teóricas para a decisão moral e ajudar os alunos a pôr-se em situações difíceis e ter de tomar a decisão lidando depois com as consequências.

Pessoalmente duvido muitas vezes das decisões que tomo individualmente ou em conjunto. Gosto muito de fazer a releitura dos factos e das decisões depois de algum tempo, quando me encontro já na posse de todos os dados. Ajuda-me a tirar conclusões, a perceber que tipo de motivações pesaram mais no momento de decidir e a avaliar se foram as mais nobres. Não faço este exercício para me recriminar nem para acusar aqueles que decidiram comigo, faço porque por ser filósofa moral sei que, para gerir eticamente uma organização, preciso de estudo e reflexão, para além de duvidar de mim mesma.

Professora de Comportamento Humano e Macroeconomia da AESE Business School
Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP