A inexistência de uma abordagem multinível e multiterritório, que estabeleça as responsabilidades claras de cada nível de governo, da esfera autárquica, à esfera nacional e intergovernamental, arrisca-se a colocar um sobrepeso nos governos centrais dos Estados-Nação. Este risco é mais agravado porquanto a Agenda 2030 é muito vaga na responsabilização dos atores não-estatais, tais como as empresas e as organizações não-governamentais. Mais ainda, as responsabilidades individuais dos cidadãos são totalmente omitidas
POR JOÃO JOSÉ FERNANDES

Quando a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável foi adoptada pelos Chefes de Estado Membros das Nações Unidas, em setembro de 2015, o sentimento geral foi o da adopção voluntária de uma Declaração Política e de 17 objetivos (ODS) que, pela primeira vez, não comprometia apenas os Estados-Nação. Com efeito, existe um evidente apelo ao envolvimento por parte dos poderes locais (autarquias) e atores não-estatais como as empresas e as organizações não-governamentais . A definição dos própios ODS beneficiou de um exercício de participação das partes interessadas a uma escala sem precedentes. Contudo, quando nos perguntamos de quem é a responsabilidade de implementação da Agenda 2030, a resposta não é simples.

Antes de atribuirmos responsabilidades na operacionalização dos ODS, convém tomar consciência da abrangência do conceito de responsabilidade. Com efeito, a responsabilidade pode entender-se como “responsabilidade – causa”, ou seja, como a aceitação do dever de reparação face a danos inflingidos a terceiros, em função de um comportamento que insjustamente beneficiou o próprio. Em política, falamos do princípio da contribuição e do princípio dos benificiários. Um exemplo, tem sido a reafirmação das “responsabilidades comuns mas diferenciadas” no contexto das alterações climáticas. De alguma forma, reconhece-se uma responsabilidade maior aos Estados dos Países Desenvolvidos (PD) do que aos Estados dos Países em Desenvolvimento (PeD), mas não se distinguem graus de responsabilidade, muito menos se assume explicitamente o princípio do “poluidor pagador”. A responsabilidade é, implicitamente, atribuída aos Governos Centrais, num grau diverso, de acordo à condição de país dito desenvolvido ou em desenvolvimento.

Já, se atendermos à perspetiva da responsabilidade como “obrigação”, decorrente de uma função ou papel instutional desempenhado, a Agenda 2030 não é explícita; porém, o entendimento político remete-nos para os princípios de proximidade de relação (connectedness) e do princípio da capacidade. Neste sentido, as instituições públicas – na medida em que os cidadãos lhes conferem meios e nelas delegam o poder – são mais responsáveis do que os indivíduos, e quanto maior a representatividade, maior essa responsabilidade. Os limites dessas responsabilidades são estabelecidos pelo princípio da escassez de recursos, pelos limites de conhecimento e pela debilidade de muitas das instituições do Estado, particularmente nos países mais pobres e nos chamados Estados Frágeis ou Estados Falhados. Aqui entram também as discussões de carácter mais ideológico sobre a atribuição de recursos, a descentralização e o princípio de subsidiariedade, ou o debate entre mais ou menos Mercado, em detrimento de mais ou menos Estado.

Finalmente, a responsabilidade como “prestação de contas”, no contexto da Agenda 2030, remete-nos para a (in)existência de mecanismos de controlo social das políticas públicas pelos cidadãos; a capacidade de responsabilização dos decisores públicos, quer através de eleições, quer através de outros instrumentos do estado de direito. Com efeito, uma prestação de contas adequada exige mecanismos de circulação de informação entre os decisores e os cidadãos, e mecanismos de imposição de sanções, não apenas em sede de eleições, mas também no âmbito legal e de acesso à comunicação na esfera pública.

Assim, torna-se evidente que o elo mais fraco da atribuição de responsabilidades na implementação da Agenda 2030 está relacionado com a primeira dimensão, ou seja, a “responsabilidade – causa”, menosprezando as causas estruturais dos problemas que se pretende resolver, e negligenciando as relações de poder e as circunstâncias históricas que deveriam fundamentar a “diferenciação” nos graus de responsabilização. A inexistência de uma abordagem multinível e multiterritório, que estabeleça as responsabilidades claras de cada nível de governo, da esfera autárquica, à esfera nacional e intergovernamental, arrisca-se a colocar um sobrepeso nos governos centrais dos Estados-Nação. Este risco é mais agravado porquanto a Agenda 2030 é muito vaga na responsabilização dos atores não-estatais, tais como as empresas e as organizações não-governamentais. Mais ainda, as responsabilidades individuais dos cidadãos são totalmente omitidas. Como consequência, a abordagem é predominantemente voluntária, não sistémica, negligenciando os deveres e procedimentos legais que poderiam ser derivados de uma abordagem baseada nos direitos humanos. A prestação de contas é, por sua vez, remetida para as instituições com maior capacidade de medição de resultados e para áreas de ação mais “sexy”, por serem mais facilmente mensuráveis.

Ainda assim, a Agenda 2030 enuncia uma série de princípios para o desenvolvimento das políticas públicas e para a operacionalização dos 17 ODS. Apesar da frágil atribuição de responsabilidades, estes princípios são suficientes para guiar na ação tanto os governos nacionais, como os governos locais e autárquicos, ou os atores não-estatais. Entre esses princípios – alguns explicitamente mencionados, outros implicitamente dados, destacamos: a relevância de uma abordagem baseada nos direitos humanos e na inclusão; a equidade de género; a coerência e integração de políticas; a participação e prestação de contas vertical; a gestão baseada em resultados; a formulação de políticas baseadas em evidências e o planeamento estratégico.

Para um país como Portugal, com inúmeros problemas de coesão territorial, a implementação dos 17 ODS é um desafio que só a sinergia entre Estado e os Atores Não-Estatais, e a intercooperação entre Governo Central, Regiões Autónomas, Comunidades Intermunicipais e Autarquias locais, pode enfrentar. A nível dos municípios, embora com base puramente voluntária, há um crescente envolvimento na estruturação de políticas públicas coerentes com a Agenda 2030. Um sinal de progresso é, também, a existência de alguns instrumentos de monitorização, entre os quais o Índice de Sustentabilidade Municipal, coordenado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa. Oxalá este instrumento possa ser aprofundado, alargado à totalidade dos municípios e, sobretudo, fonte de prestação de contas e debate aberto entre eleitos e eleitores, para que mutuamente se incentivem a uma co-responsabilização na implementação dos ODS.

Estes temas, e muitos outros complementares ao contexto da Economia Social, foram parte do programa de debates do “Fórum Empreendedorismo e Inovação Social”, integrado na edição de 2019 do Portugal Economia Social, que decorreu a 10 e 11 de dezembro, no Centro de Congressos de Lisboa.

Presidente do Conselho Directivo, Oikos – Cooperação e Desenvolvimento