Tomamos a vida como garantida. Mas tudo muda num segundo, quando se sofre um acidente grave, e em Portugal, 6.000 pessoas em cada ano mudam radicalmente a vida, para sempre. Com elas, toda a dinâmica familiar e as condições de vida também mudam. O emprego ou trabalho continua a ser importante, mas torna-se um sonho difícil de atingir. Para isso, é fundamental a participação activa das empresas no conhecimento destas necessidades e na promoção da empregabilidade das pessoas com dano cerebral, no âmbito da sua responsabilidade social
POR VERA BONVALOT

Quando uma pessoa sofre um traumatismo cerebral grave, tudo muda na sua vida e na vida da sua família. A pessoa, inicialmente em coma, vê a sua vida suspensa durante dias, semanas ou meses. As suas relações, interações, compromissos e toda a sua rotina diária é interrompida, seguindo-se longos anos de recuperação, de reabilitação e de construção de um novo “eu”. É o recomeçar de uma nova vida e a adaptação a uma nova realidade cheia de incertezas e obstáculos: um mundo que nem sempre está preparado para acolher e responder às pessoas com limitações físicas e cognitivas graves. A falta de respostas e apoios resultam em consequências penosas, como é o caso do isolamento social e da frustração sentida quando os traumatizados são confrontados com um mundo tão pequeno e limitado, um mundo desconhecido e ao qual sentem que não pertencem.

novamente e, concretamente, o seu projeto de apoio continuado, é uma resposta personalizada, adaptada a cada caso, e que abrange todas as áreas da vida da pessoa, facilitando o seu processo de recuperação, reabilitação e reintegração, e priorizando a sua qualidade de vida, o seu equilíbrio global e a sua felicidade. É um processo que demora anos a atingir mas que, com o investimento de todos os envolvidos, é possível e com resultados positivos.

Estima-se que 93% das relações sociais sejam perdidas, o que resulta no facto de pessoas com dano cerebral passarem a conviver apenas com a sua família e com a equipa médica e de reabilitação. O sentimento de perda dificulta o processo de aceitação da nova realidade, mas aceitar o novo “eu” e as novas circunstâncias de vida, é essencial à construção da felicidade da pessoa e da sua valorização pessoal.

O grande objectivo é recuperar a autonomia e a reintegração familiar e laboral, o que exige um esforço na reconstrução e capacitação após as fases de tratamento e reabilitação. Nesta fase, em que finalmente se trabalha a autonomia possível e um novo projeto de vida, voltar a um emprego é um enorme desejo e um desafio difícil, de facto um dos maiores para a associação novamente. Por um lado, as características dos traumatizados cranioencefálicos (falta de memoria, dificuldades de comunicação, perda da maturidade de relacionamento social e tudo o que isso implica, comportamentos imprevistos, etc.) dificultam a sua integração profissional e por outro, as empresas, mesmo as que têm sensibilidade para a inclusão, revelam falta de abertura para os acolherem.

A associação   está neste momento num projeto Erasmus que visa conferir ferramentas de capacitação a empresas e colabora com o Inclusive Community Forum da Nova SBE na empregabilidade de pessoas com deficiência; está igualmente ligada a empresas de recursos humanos, tendo já conseguido colocar algumas pessoas em trabalho, e que outras já se sintam capazes de regressar ao sonhado mundo do emprego e até, que exista progressão na carreira, tudo em números absolutos muito pequenos se comparados com o que seria desejável.

Muito desejaríamos que as empresas abrissem as portas às pessoas com deficiência não só para empregabilidade, mas para visitas, para partilhar espaços em eventos ou ações que promovam a convivência de colaboradores com pessoas com deficiência e desmistifiquem o paradigma da diferença, anulando a distância que existe entre eles. Tudo isto facilita a reintegração profissional e a integração de pessoas com deficiência na empresa gerando um sentimento de orgulho nos colaboradores que nela trabalham.

Integrar pessoas com deficiência altera o paradigma do profissional, aumenta o respeito que os colaboradores têm pela empresa onde trabalham, não a vendo com o único objetivo de lucro, mas reconhecendo-lhe um papel crucial para melhorar o mundo em que está integrada.

Na associação novamente temos uma carteira de pessoas aptas para emprego. De pessoas que tiraram os seus cursos e fizeram carreira profissional até sofrer o acidente grave que lhes causou uma lesão cerebral e alterou todos os aspetos da sua vida a indivíduos cujo dano cerebral resultou de um acidente rodoviário, situação que pode acontecer a qualquer um, embora tenha maior incidência no sexo masculino, até aos 65 anos e em pessoas muito ativas (até ao acidente). Assim sendo, a pessoa com lesão cerebral é alguém que, apesar das suas limitações, tem memória do seu eu antes do acidente e se vê feliz no mundo do trabalho. A empresa que a acolher, tem o apoio da associação novamente para que a reintegração seja feita na melhor forma possível para ambos os lados.

NOTA: Todos os contatos sobre empregabilidade ou apoio à associação podem ser canalizados para a Isabel Mota ([email protected]).

Directora Executiva da Associação Novamente; membro eleito do Mecanismo de monitorização dos direitos humanos para a deficiência (2021-2023); vice presidente da BIF (Brain Injured Federation Europe (BIF) e membro da direcção do European Disability Forum (EDF)