“A era da falência da informação”. É a frase que dá o mote aos resultados sobre o estado da confiança nos governos, empresas, media e ONGs, publicados na 21ª edição do Edelman Trust Barometer. Com a desconfiança e a desinformação a caminharem de mãos dadas com as tragédias crescentes da Covid-19, as pessoas já não sabem no que ou em quem acreditar. Neste cenário distópico, as empresas emergem não só como a instituição de maior confiança entre as quatro analisadas, mas também como as únicas a atingir um nível de confiança de 61% a nível global, sendo agora consideradas como sendo simultaneamente éticas e competentes. Já os governos, e depois de em Maio passado terem atingido uma boa classificação, chumbaram no teste final
POR HELENA OLIVEIRA

“Cuidado com o falso conhecimento, que é mais perigoso do que a ignorância”

George Bernard Shaw

A 21ª edição do Edelman Trust Barometer, que avalia anualmente os níveis de confiança global nas diferentes instituições que compõem a sociedade – governo, empresas, media e ONGs – afirma que as pessoas não sabem para onde ou a quem recorrer para obter informações fiáveis. O estudo, fruto de inquéritos a mais de 33 mil pessoas em 27 países, revela uma epidemia de desinformação e desconfiança generalizada em relação às instituições e líderes da sociedade em todo o mundo, ao que acresce um ecossistema de confiança falido, incapaz de enfrentar a “infodemia” desenfreada, deixando as quatro instituições – empresas, governo, ONG e meios de comunicação social – num ambiente de “falência de informação”.

Todavia, e enquanto o mundo parece estar mergulhado neste nevoeiro de suspeição, há um rasgo de esperança. O estudo deste ano mostra que as empresas não só são a instituição de maior confiança entre as quatro estudadas, mas também as únicas a atingir um nível de confiança de 61% a nível global, sendo agora consideradas como sendo simultaneamente éticas e competentes. Todavia e mesmo assim, 57% dos inquiridos acreditam que os líderes governamentais e empresariais, em conjunto com os jornalistas, estão a espalhar falsidades ou exageros.

Ao dar respostas de acordo com os hábitos e padrões de votação dos respondentes, o inquérito revelou também uma maior hesitação em relação às vacinas entre aqueles que dependem principalmente das redes sociais, e sublinhou a polarização da política nos Estados Unidos. “A violenta tempestade que acometeu o Capitólio dos EUA e o facto de apenas um terço das pessoas estarem dispostas a obter uma vacina Covid cristalizam os perigos da desinformação”, afirmou Richard Edelman, o responsável do grupo de comunicação que produz o inquérito. Todavia, esta descrença em particular face às vacinas não acontece apenas nos Estados Unidos. Na verdade e nos demais 26 países que fazem parte deste inquérito anual, apenas 33% dos respondentes afirmaram que tomariam a vacina o mais rapidamente possível, com 31% a adiar esta decisão para daqui a um ano.

No que respeita aos níveis de confiança depositada nos governos, os quais e num inquérito anterior, realizado em Maio de 2020 e em plena pandemia, tinham visto as suas “classificações” subirem por parte dos cidadãos que viam como positivas as decisões de dar prioridade ao salvamento de vidas em detrimento da economia, a queda é também visível, tendo-se acentuado à medida que o ano, e a pandemia, iam avançando.

No geral, a confiança na instituição “governo” caiu de um máximo histórico de 65% em Maio passado para 53% no final do ano, com as perdas a serem particularmente acentuadas na Coreia do Sul, Grã-Bretanha e China. Quanto à confiança nos meios de comunicação social tradicionais, que já em 2019 apresentava sinais de queda preocupantes, esta resvalou ainda mais, com um tombo de oito pontos, para 53%, com os restantes media a sofrerem igualmente uma descida de cinco pontos, situando-se agora nos 35% de confiança a nível global. O Japão, a Itália e a Argentina assumem-se como os países em que esta desconfiança é maior e, nos Estados Unidos, os níveis de confiança divergiram marcadamente de acordo com a filiação política: enquanto 63% dos eleitores de Joe Biden afirmaram confiar nos jornalistas, apenas 21% dos eleitores de Donald Trump declararam o mesmo, fruto da influência do ex-presidente, que desde sempre catalogou a imprensa, no geral, como veículo para as tão faladas “fake news”. Também os líderes empresariais não escaparem incólumes a esta desconfiança, apesar de terem registado melhores resultados a nível global quando comparados com os governos ou com os meios de comunicação social.

Um dado a sublinhar refere-se ao facto de nove em cada 10 inquiridos afirmarem desejar que os CEOs se pronunciem sobre o impacto da pandemia, bem como sobre as questões laborais e sociais, com mais de dois terços dos entrevistados a pedir a sua intervenção quando o governo não resolve os seus problemas.

Outros dados deste barómetro anual revelam ainda que apenas um em cada quatro respondentes pratica uma boa “higiene de informação”, lendo atentamente as notícias, evitando “câmaras de eco”, verificando a informação e não amplificando aquela que não é confirmada; 56% acreditam que a pandemia irá acelerar o ritmo a que as empresas substituem os trabalhadores humanos por IA e robôs; 52% preferem, caso tenham essa hipótese, trabalhar a partir de casa, com 58% destes últimos a indicar como motivo principal para esta preferência o risco de contrair a Covid-19 enquanto se deslocam ou estão no escritório. Por último, os especialistas académicos (59%) e os peritos técnicos das empresas (59%) continuam a ser os “porta-vozes” mais credíveis, apesar de terem sofrido uma queda de oito e 10 pontos, respectivamente, face ao Barómetro de 2020.

Cidadãos confiam nas empresas e querem-nas a liderar as questões sociais

Como já enunciado anteriormente, as empresas (61%) surgem como a instituição de maior confiança, substituindo os governos (53%), que caíram substancialmente desde o seu aumento de 11 pontos na actualização do inquérito de 2020 feita em Maio. Na verdade, as empresas são a única instituição considerada como “ética e competente”, superando o governo em 48 pontos no que respeita à competência e aproximando-se das ONGs relativamente à ética.

No total dos países analisados, 17 viram aumentar – e em alguns casos, consideravelmente – os seus níveis de confiança no meio empresarial, com o Japão e a Rússia a inverterem a tendência, obtendo resultados negativos. Por seu turno, a confiança nas organizações não-governamentais sofreu também um declínio em 11 dos países avaliados e com particular incidência em França, Espanha e Itália, mas também na Coreia do Sul, Brasil, Colômbia e Argentina. Um declínio generalizado da confiança em todos os sectores é também um dos dados apresentados no barómetro em causa, com o da tecnologia – e de forma algo surpreendente – a ser o que o mais penalizado foi quando comparado com valores mais elevados ao longo dos últimos anos.

Nos últimos cinco meses, afirma o relatório, as empresas aproveitaram este terreno elevado de confiança desenvolvendo proactivamente vacinas em tempo recorde e encontrando novas formas de trabalhar. Adicionalmente, a confiança continua a mover-se a nível local, com os inquiridos a sentirem-se mais confiantes face ao “meu empregador” (76%) e relativamente ao “meu empregador CEO” (63%).

O relatório deste ano revela ainda que a maior oportunidade de ganhar confiança empresarial reside na forma como as empresas veiculam informação fidedigna, com 53% dos inquiridos a mencionarem que são estas que preenchem a lacuna de informação quando os meios de comunicação social estão “ausentes”. As comunicações do “meu empregador” foram consideradas como a fonte de informação mais fiável (61%), ficando à frente da partilhada pelos governos (58%), dos meios de comunicação tradicionais (57%), e dos media sociais (39%).

Como refere Richard Edelman, “os acontecimentos deste último ano reforçaram a responsabilidade das empresas para liderar questões sociais, tais como a requalificação dos trabalhadores e a justiça racial”, contribuindo igualmente para “um aumento de expectativas para que estas expandam as suas competências para áreas desconhecidas, tais como o fornecimento e a salvaguarda de informação”. Em particular e quando os líderes são considerados como os mais adequados “guardiões” da informação, são igualmente percepcionados como aqueles que maior potencial têm para adoptar práticas sustentáveis (+ 5,7%), para darem uma resposta robusta às questões sanitárias da Covid-19 (+ 4,8%), para veicularem a prosperidade económica (+4,7%) e para privilegiarem a estratégia a longo prazo em detrimento dos lucros de curto prazo (+ 4,6%).

Assim, e com estas novas expectativas, impõem-se igualmente novas exigências aos líderes empresariais: mais de oito em cada 10 inquiridos desejam que os CEOs se pronunciem sobre questões sociais importantes, tais como o impacto da pandemia, a automatização do trabalho e os desafios globais mais amplos, de que são exemplo as alterações climáticas, e que liderem igualmente questões como a requalificação dos trabalhadores, a sustentabilidade e a luta contínua pela justiça racial.

A verdade é que, com a pandemia, os CEOs tiveram de conduzir as suas empresas e pessoas por caminhos marcados pela incerteza e ansiedade crescentes, ao mesmo tempo que foram chamados a intervir para preencher o vazio quando outras instituições falharam na abordagem das principais preocupações sociais. O que é claro é que as circunstâncias resultantes da crise pandémica lançaram os CEOs para águas novas e inexploradas, tendo a sua adaptação e resiliência contribuindo para os bons resultados que agora alcançam entre os inquiridos, os quais consideram também que estes devem ser tão responsáveis perante a sociedade como o são perante os seus accionistas.


A importância da liderança na era da ansiedade

Se 86% dos inquiridos para o Barómetro de Confiança da Edelman estão a contar com os CEO para que sejam estes a liderar questões relacionadas com os vários impactos da pandemia, bem como com problemáticas sociais alargadas, a juntar ao facto de a Covid-19 ter acelerado as ansiedades relacionadas com a perda de postos de trabalho (84%), as quais superam o medo de contrair o vírus (65%), é possível inferir que as lideranças empresariais ganham importância renovada nos tempos que vivemos. Assim, o que devem os CEOs fazer para responder a esta crescente confiança no seu trabalho e às angústias vividas pelos que dele dependem?

Dave Samson, vice-presidente global de Assuntos Empresariais da Edelman, dá algumas sugestões.

  • “Abraçar” um mandato mais alargado. Os CEOs deverão agir com base num conjunto mais amplo de preocupações no que respeita ao bem das suas empresas e da sociedade. Assim, a sua acção deverá incluir uma maior integração da sustentabilidade no planeamento e na elaboração dos relatórios empresariais, a tomada de medidas para enfrentar a discriminação e o racismo sistémico, a requalificação de trabalhadores cujos empregos estão ameaçados pela automatização, o avanço da diversidade, equidade e inclusão e a salvaguarda da integridade da informação.
  • Todas as instituições – empresas, governo, ONG e meios de comunicação – devem comprometer-se a fornecer informações verdadeiras e fidedignas. Os CEOs podem liderar através do exemplo, fornecendo informação fidedigna e em particular aos seus funcionários. Esta postura é especialmente importante na construção da confiança para a administração das vacinas, as quais e apesar de não serem obrigatórias são, e como sabemos, o único caminho a seguir para nos libertar deste vírus que nos aprisiona e mata.
  • Liderar com base em factos e agir com empatia. Os CEOs devem ser empáticos, utilizar factos fiáveis e colocar a experiência humana no centro da resposta às necessidades dos empregados, clientes, parceiros comerciais e outras partes interessadas, promovendo ao mesmo tempo a melhoria da sociedade.
  • Reforçar as parcerias. Por muito que as pessoas esperem que sejam as empresas a liderar e a resolver as suas questões mais prementes, a verdade é que estas não o podem fazer sozinhas. Para ajudar a resolver os maiores problemas que o mundo enfrenta actualmente, os CEOs devem estabelecer parcerias com o governo, com as ONG e outros, para expandir colectivamente as oportunidades económicas, requalificar os trabalhadores para o futuro e combater a injustiça social.

Como refere ainda Dave Sanson, e citando John Kenneth Galbraith, autor de The Age of Uncertainty, um best-seller publicado em 1977,“todos os grandes líderes demonstraram partilhar uma característica em comum: a vontade de enfrentar inequivocamente as maiores ansiedades dos seus povos num determinado momento no tempo. Isto, e não muito mais, é a essência da liderança”.


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