A segunda maior economia do mundo vai ter de abandonar o “velho modelo de crescimento” com média anual de 10% por década. O crescimento do PIB vai abrandar para 7% no período de gestão da nova equipa que lidera o Partido Comunista e que foi eleita na passada semana
POR JORGE NASCIMENTO RODRIGUES*

“Continuar a exigir que a economia [da China] expanda com uma taxa de dois dígitos é altamente negativo para o processo de reformas. O velho modelo económico gerou escassez de recursos, prejudicou o ambiente e criou um desequilíbrio entre investimento e consumo”, disse, a passada semana, à revista “Caixin” o economista veterano Zhang Zhuoyuan, de 79 anos. Zhang é director do Instituto de Economia da Academia de Ciências Sociais em Pequim e participou, desde 1993, no desenho das linhas estratégicas para o desenvolvimento económico aprovadas pelos Congressos do Partido Comunista da China (PCC) desde então.

“Não podemos continuar pela velha estrada de perseguir cegamente um crescimento a alta velocidade a qualquer custo. A China tem de seguir um caminho de desenvolvimento sustentável. Transformar o modelo de crescimento económico requer, em primeiro lugar, abrandar adequadamente a taxa de crescimento. Se a China conseguir sustentar uma taxa na região dos 7%, será um bom resultado para uma tão grande economia”, adiantou o economista àquela revista privada independente chinesa na semana em que terminou o 18º Congresso do PCC. Este Congresso nomeou uma nova equipa dirigente liderada por Xi Jinping, de 59 anos, um político de compromisso entre as várias facções, que será, a partir de Março, o próximo Presidente da República, e que terá como braço direito Li Kequiang, de 57 anos, futuro primeiro-ministro, e considerado da ala reformista.

A China cresceu entre 2000 e 2007 (inclusive) a uma taxa média de 10%, com um pico de 13% em 2007, no auge do ciclo económico de “bolha” financeira mundial do novo século. Com a Grande Recessão, a taxa anual de crescimento do PIB caiu para 9,6% em 2008, 9,2% em 2009 e 2011, com um ano ainda com crescimento de dois dígitos, de 10,4% em 2010.

Mas em 2012, nem mesmo a taxa de “recuo” considerada aceitável politicamente de 8%, será alcançada segundo o Fundo Monetário Internacional no seu “World Economic Outlook”, onde estima um crescimento de 7,8% em 2012. No entanto, para 2013, o FMI projecta um regresso aos 8%. O Banco Mundial, por seu lado, antevê uma descida para um patamar de crescimento de 5% em 2015, o que significará “crise” do modelo económico.

Em virtude desta incerteza, muitos economistas chineses influentes insistem em aproveitar os dois prováveis mandatos de Xi e Li até 2022 para se proceder a uma mudança estrutural na economia do país. O reforço da velocidade “reformista” é esperado a partir de 2017, quando no 19º Congresso do PCC se proceder à substituição de cinco dos sete membros do agora eleito secretariado da Comissão Política que terão chegado à idade de reforma. Apenas Li e Xi têm actualmente menos de 60 anos. Aquele secretariado é o órgão político mais importante no regime dominado pelo Partido Comunista.

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Cinco desafios
Os analistas chineses apontam cinco desafios até 2022:

  • A mudança de uma economia baseada no mercantilismo exportador para uma maior dinamização do consumo interno, resolvendo esse importante desequilíbrio com impacto mundial, aplicando a famosa “solução Keynes”.
  • Mesmo com uma média de crescimento abaixo de 8% é esperado um novo salto em frente na dimensão da economia chinesa, que actualmente já é a segunda economia do mundo.
  • Continuação da estratégia de investimento da China no estrangeiro face às enormes reservas de divisas estrangeiras (3,3 biliões de dólares, as maiores do mundo, mais de 3,5 vezes as da zona euro) e à necessidade de criar uma rede global de pontos logísticos (como por exemplo o Porto do Pireu na Grécia, para referir um caso de antologia na zona euro) e de multinacionais em mercados-chave e sectores estratégicos.
  • Transformação da China numa potência marítima, à semelhança do que os Estados Unidos fizeram durante a presidência de Theodore Roosevelt no início do século XX.
  • Implantação de uma doutrina geopolítica da “Ásia para os asiáticos” similar à defendida pelo presidente norte-americano Monroe em 1823 ao proclamar a “América para os americanos”, englobando os dois espaços do Norte e do Sul, contra os direitos “históricos” de colonização das potências continentais europeias.

Aplicar a “solução Keynes”
Apesar de a China continuar a considerar-se uma sociedade e uma economia de “socialismo com características chinesas”, como voltou a repetir-se durante este último Congresso, a realidade tem sofrido alterações radicais. Desde 1992, recorda Zhang Zhuoyuan, que, com o apoio de Deng Xiao Ping, se fala  estabelecer uma “economia socialista de mercado” desde o 14º Congresso do PCC. O que na linguagem propagandística do Partido chinês foi um salto em relação à definição dada no início da revolução iniciada por Deng Xiao Ping desde 1978, e particularmente nos anos 1980, que falava de uma “economia planificada complementada pelo mercado” ou, noutra versão, de “economia comercial planificada baseada na propriedade pública”.

Em 2001, a China tornou-se membro da Organização Mundial do Comércio e o salto no modelo económico chinês é brutal, recorda-nos Rui Oliveira, um empresário e consultor português radicado na China. A ligação umbilical da economia chinesa ao comércio internacional dispara: depende em cerca de 60% dessa dinâmica. O crescimento do excedente externo é avassalador: em 2007 atinge um pico de 10%. Depois inicia-se um processo de correcção, com o rácio a cair para 2,3% actualmente. O FMI estima que o peso do excedente externo deverá rondar os 3% do PIB até 2017. O papel de principal economia mercantilista é passado para a Alemanha, que, em 2012, deverá chegar a mais de 6% do PIB.

Como referiu Yao Yang, director do Centro de Investigação Económica da Universidade de Pequim, a “China tem de encontrar novos motores de crescimento nos seus mercados domésticos” e permitir a transição para uma economia em que o sector terciário alcance um lugar de relevo até 2002. O consumo das famílias representa, apenas, 35% do PIB. Hu Jintao, o presidente cessante, recordou no seu discurso de despedida no Congresso que “a economia terá de ser mais orientada pela procura interna”.

Vários economistas chineses falam de aplicar a “solução Keynes” defendida em 1919 e depois, na Conferência de Bretton Woods em 1944, pelo economista inglês John Maynard Keynes que apontava a importância dos países com excedentes externos serem proactivos na resolução dos desequilíbrios globais, evitando o que, ainda recentemente, em Berlim, o economista Paul Davidson chamou de “exaustão dos países devedores”. No entender desses economistas, esse é um aspecto não só económico, como geopolítico.

Quebrar os monopólios estatais
O economista Zhang Zhuoyuan fala de alcançar por volta de 2020 “uma economia de mercado socialista perfeita”. Ele espera que as linhas mestras dessa estratégia sejam delineadas em 2013. Adianta que esse caminho terá de passar pela desintegração dos monopólios industriais na mão do Estado e por tornar regra geral a ideia de que “onde o mercado seja mais eficaz deve ser permitido que funcione”.O sector privado, que entretanto ganhou pujança em diversos sectores dos quais o Estado se afastou, deverá entrar naquelas áreas dominadas pelos monopólios estatais, que se tornaram, diz o economista, “poderosos grupos de interesse”.

Fala, também, da necessidade de criar um mercado nacional unificado e de “dissolver as divisões criadas por governos locais”. “Deixar que o mercado funcione eficientemente, requer que o governo deixe de dirigir a alocação de recursos, mas que seja, pelo contrário, um complemento da ‘mão invisível’ através de uma política macroeconómica melhorada”, refere o economista na revista “Caixin”.

Por seu lado, Yao Yang aponta a necessidade de alargar nacionalmente a “experiência de Wenzhou” em que capitalistas privados foram autorizados a criar instituições financeiras naquele cidade portuária. Yao fala de dinamizar o mercado financeiro interno.

* Jorge Nascimento Rodrigues é editor de www.gurusonline.tv, www.janelanaweb.com e geoscopio.tv. É igualmente Editor Executivo da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão e colaborador do semanário Expresso.

Artigo originalmente publicado na edição online do jornal Expresso e republicado com permissão.

 

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