Nestes tempos de incerteza, encontramos amparo na conclusão de que a atuação conscienciosa e diligente das empresas portuguesas, guiadas por um propósito firme e por princípios de sã governação, será certamente decisiva para a superação do atual surto pandémico, em prol do bem comum
POR PAULO CÂMARA

Em primeiro lugar, neste contexto particularmente exigente torna-se claro que os deveres fiduciários dos administradores se estendem não apenas à tutela dos interesses dos acionistas, mas também à proteção dos trabalhadores e da comunidade em geral. Fica, assim, confirmado que as empresas devem ser governadas de acordo com o propósito (corporate purpose) de cuidar de todos aqueles que são afetados pela sua atividade. A importância do propósito societário, que está na base de diversas tomadas de posição internacionais recentes (de que destaco o projeto Future of Business no Reino Unido e a Declaração da Business Roundtable nos EUA), adquire, assim, neste âmbito uma inegável atualidade.

Como concretização destes deveres na atual conjuntura, revela-se muito importante que o órgão de administração adote e faça aplicar com diligência os planos de contingência de acordo com as instruções das autoridades de saúde. Estes planos devem incluir: a) um plano estratégico de resposta à pandemia; b) a identificação de medidas preventivas; e c) a definição do procedimento interno a observar em caso de suspeita de contaminação. Os planos de contingência devem ser encarados como instrumentos organizativos a moldar e a ajustar segundo o objeto e o momento da sua aplicação. Devem, assim, ser adaptados às especificidades de cada sociedade (incluindo a utilização do teletrabalho na medida adequada) e devem ser atualizados sempre que necessário, nomeadamente em função da evolução do surto pandémico ou das orientações da DGS. Mostra-se ainda necessário assegurar a divulgação dos planos de contingência aos colaboradores, através de informação clara e completa.

Para o cumprimento integral e rigoroso dos planos de contingência revela-se decisiva não apenas a atuação dos líderes empresariais (de acordo com a máxima “tone at the top”) mas também a cultura de cada sociedade, em termos transversais e contínuos, do topo à base. Cada colaborador(a) deve dar o exemplo de responsabilidade cívica que a empresa e os seus stakeholders dele(a) esperam.

Por outro lado, este surto epidémico surge em pleno período de realização de assembleias gerais anuais.

Neste contexto, as empresas podem adotar uma de três medidas: i) o adiamento da assembleia geral; ii) a sua realização por meios telemáticos; ou iii), caso as medidas relativas ao estado de emergência não o impeçam, a realização da assembleia geral sob fortes medidas de segurança. A opção de adiamento foi tornada possível através do DL 10-A/2020, diploma que permite (mas não obriga) que as assembleias gerais anuais das sociedades comerciais, das associações ou das cooperativas sejam adiadas até 30 de junho de 2020.

Em alternativa, a realização de assembleias gerais por meios telemáticos mostra-se também legalmente admissível. Para organizações empresariais de pequena e média dimensão, esta revela-se uma opção viável graças a diversas aplicações informáticas que permitem a realização de reuniões de órgãos sociais através de videoconferência com a máxima comodidade.

Nos casos de realização inadiável das assembleias gerais, revela-se importante recomendar a utilização de voto eletrónico por correspondência. Trata-se de uma forma de votação prevista na lei há mais de vinte anos. Corresponde, nessa medida, a um expediente de exercício do direito de voto muito testado e cuja utilização neste contexto deve ser fortemente encorajada. Além disso, há algumas boas práticas a recomendar que sejam adotadas na assembleia geral, caso a sua realização seja inadiável, designadamente a desinfeção das instalações e dos materiais utilizados, o distanciamento dos lugares atribuídos aos participantes e a exigência de adequados procedimentos de higienização dos participantes para acesso ao local onde irá decorrer a assembleia geral.

Por fim, quanto à governação de empresas financeiras será importante manter ativo o plano de continuidade de negócios como parte do sistema de gestão de riscos. Esse plano deve incluir uma avaliação dos riscos operacionais e da capacidade de continuar a operar de forma ordenada, assim como a estratégia de recuperação mais adequada, como recordou recentemente a CMVM.

Nestes tempos de incerteza, encontramos amparo na conclusão de que a atuação conscienciosa e diligente das empresas portuguesas, guiadas por um propósito firme e por princípios de sã governação, será certamente decisiva para a superação do atual surto pandémico, em prol do bem comum.

Partner, Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL