Na sua corrida, em passo muito lento, para as emissões líquidas zero, o mundo está – novamente – a tentar concretizar a maior mudança social e económica jamais empreendida. E não há alternativa, pois os custos da inércia face ao aumento do aquecimento global são minimamente previsíveis, mas particularmente incalculáveis. A COP26 não ficará decerto na história como o momento em que os líderes resolvem a crise climática. Mas existe uma réstia de esperança de que, e desta vez, consigam reunir e cumprir esforços para começarem, genuinamente, a tentar fazê-lo
POR HELENA OLIVEIRA

Seis anos passaram sobre o denominado triunfante Acordo de Paris e eis-nos pela 26ª vez a discutir formas de salvar o planeta ou, mais concretamente, a tentar convencer os líderes mundiais a comprometerem-se – mas desta vez “à seria” – com a meta de limitar o aumento da temperatura média global do planeta entre 1,5 e 2 graus celsius acima dos valores da época pré-industrial. Reunidos em Glasgow, chefes de Estado, bem como ministros e negociadores, representantes das empresas, do meio académico e da sociedade civil tentarão, em quase duas semanas de negociações globais, ajudar a determinar se a humanidade pode impulsionar a acção urgente necessária para evitar alterações climáticas catastróficas. Com a ausência da China e da Rússia, mas com o regresso dos Estados Unidos ao palco das negociações, mesmo sabendo-se a dificuldade que existe em passar qualquer que seja o acordo sobre o clima no Congresso, há quem esteja cautelosamente optimista e quem não acredite minimamente que, à 26ª vez, seja de vez.

Se quisermos recuar na já longa novela que alerta para o aquecimento do planeta, viajamos até 1972, ano em que pela primeira vez o ambiente surge como tema crucial e global na agenda das Nações Unidas, reunindo um conjunto de líderes mundiais em Estocolmo e cujo principal resultado deste encontro foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, na sigla em inglês); mais temporalmente próxima foi, 20 anos depois, a Cimeira da Terra, no Brasil, onde líderes governamentais de 178 países assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, com o objectivo de controlar as emissões para evitar alterações climáticas extremas.

Dando agora um salto para o ano de 1995, foi em Berlim que a COP1 teve lugar e nela foi firmado o Mandato de Berlim, no qual os países industrializados assumiram o compromisso para a “estabilização” de concentração de gases com efeito de estufa (GEE) através de políticas que visavam já metas quantitativas de redução de emissões. Em 1997, e no seguimento deste Mandato, foi aprovado o Protocolo de Quioto, o primeiro tratado jurídico internacional que explicitamente pretendia limitar as emissões quantificadas de gases com efeito de estufa (GEE) dos países desenvolvidos em 5%. Todavia, e como é sabido, a sua não-ratificação pelos grandes países emissores limitou severamente a eficácia da materialização das metas acordadas.

Em jeito ainda de curiosidade, faz sentido sublinhar que, ao longo do século XIX, eram já vários os cientistas, particularmente na Europa, que estudavam de que forma diferentes gases e vapores poderiam “aprisionar” o calor na atmosfera terrestre, com o sueco Svante Arrhenius, e depois de calcular o efeito da temperatura de uma duplicação de CO2 atmosférico, a alertar para o facto de que a queima de combustíveis fósseis poderia, e muito provavelmente, aquecer o planeta.

Assim, e com a marcha imparável do tempo, multiplicaram-se os eventos climáticos extremos, bem como o número de relatórios científicos que continuam a alertar para a urgência de um verdadeiro pacto climático mundial, acompanhados por um clamor de vozes de vários quadrantes da sociedade a exigir que se encontre uma solução que “salve o planeta”.

Como sabemos, e desde 1995, as COP começaram a realizar-se anualmente (com excepção do ano de 2020 por causa da pandemia) e eis-nos chegados a 2021 ou à 26ª tentativa – para muitos, a última oportunidade – de unir os países e honrar compromissos – (mesmo que de forma diferenciada devido ao seu posicionamento distinto na hierarquia dos desenvolvidos e em desenvolvimento) para salvaguardar o planeta para as próximas gerações. Ou seja, e como diz muito bem a jovem activista Greta Thunberg, é mais do que tempo de se acabar com o “blah, blah, blah” que tem imperado até agora. Mas, e mesmo 26 vezes passadas, a desconfiança e a falta de esperança continuam a imperar.

A Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações ClimáticasCOP26 – que está a decorrer em Glasgow, na Escócia, mas tendo como “países-anfitriões “ o Reino Unido e da Itália, só terminará a 12 de Novembro. A presidir a Cimeira do Clima está Alok Sharma que, para aceitar esta indigitação, deixou o seu cargo de ministro dos Negócios, Energia e Indústria no governo de Boris Johnson, e tem percorrido o mundo, ao longo do último ano (de avião, motivo pelo qual já foi muito criticado) para se encontrar com líderes governamentais e de negócios com o objectivo de os “puxar” para o seu lado numa guerra mais conhecida pela apatia do que por um verdadeiro plano estratégico com batalhas já ganhas.

“Manter vivo o objectivo do aumento da temperatura de 1,5 graus” – que nasceu no Acordo de Paris em 2015 – constitui, seis anos depois, uma das metas a atingir na presente cimeira, desejo expresso por Alok Shorma e secundado por António Guterres na abertura desta COP. O secretário-geral das Nações Unidas que, em Agosto de este ano e na sequência da divulgação do último relatório do IPCC, tinha já alertado para o facto de o mundo estar em “alerta vermelho”, afirmou ainda que “é hora de dizer basta” à “brutalização da biodiversidade”, de “tratar a natureza como uma latrina” e, finalmente, “de cavar a nossa própria sepultura”.

Já o presidente da COP26 afirmava, em Outubro último, que se “Paris prometeu, Glasgow irá cumprir”. Mas, e apesar de algum optimismo face a alguns acordos promissores já firmados nos últimos dias (não esquecer, entretanto, a panóplia de vários “acordos firmados” nos últimos 26 anos), esta poderá ser mais uma cimeira falhada, em particular se não for atendido o “sentimento de urgência e um compromisso para alinhar ciência e política”, como afirmou uma fonte próxima das negociações do Reino Unido.

Mais uma vez, esta Cimeira do Clima assume-se como extraordinariamente importante porque a janela está rapidamente a fechar-se sobre o “objectivo 1.5℃” do Acordo de Paris: ou seja, se as emissões não diminuírem rapidamente, demasiado carbono terá sido “adicionado” à atmosfera para evitar que a temperatura suba mais. Adicionalmente, e para se atingir os 50:50 de hipóteses de “o objectivo” vir a ser cumprido, as emissões actuais precisam de ser reduzidas para metade até 2030. E quanto mais tempo o mundo protelar a redução de emissões, ou mais duros terão de ser os cortes para atingir o objectivo, ou este será completamente perdido.

Em poucos dias, algumas supostas boas notícias, mas não isentas de criticismo

Como não é difícil imaginar, e em particular com o historial pouco credível face aos tais “acordos firmados”, convencer líderes de 197 países, todos eles com as suas próprias agendas e interesses, a concordar com o que já tinha sido objecto de assentimento no “bem-sucedido” Acordo de Paris, é um caminho repleto de não de pedras, mas de pedregulhos. Se foram necessários 23 anos para se chegar “a Paris”, até que ponto os 12 dias desta cimeira em Glasgow serão suficientes para realmente se chegar a algum outro lado?

Até agora, e tendo em conta que esta Cimeira do Clima termina apenas a 12 de Novembro, há quem veja os sinais (quase) globalmente dados até agora com uma pequena dose de optimismo, apesar de a “insuficiência” se manter como palavra-chave.

Muito resumidamente, e ao fim de três dias de cimeira (este artigo está a ser escrito a 3 de Novembro, quarta-feira), dois importantes acordos podem já ficar na sua história.

O primeiro refere-se ao facto de mais de 100 países terem concordado em reverter a desflorestação e a degradação dos solos com o objectivo de assegurar que, em 2030, se plantem mais árvores do que aquelas que são abatidas e tendo em conta a importância das florestas para a manutenção da biodiversidade e a sua função enquanto sumidouros naturais de carbono, a par do solo e também dos oceanos. Para que este objectivo seja cumprido, é necessário um investimento de mais de 10 mil milhões de euros até 2025, os quais financiarão, supostamente, projectos nos países em vias de desenvolvimento, particularmente dedicados à “reparação” de solos degradados, ao combate aos incêndios, sem esquecer o auxílio necessário às comunidades indígenas. Por seu turno, o sector privado parece disponível para investir mais de 6 mil milhões de euros e cerca de 30 instituições financeiras mostraram concordância na eliminação de quaisquer que sejam os seus investimentos em actividades relacionadas com a desflorestação.

O segundo compromisso, considerado já como a maior conquista ao fim de tão pouco tempo de conversações, consiste na coligação de mais de 100 países (a qual inclui todos os países da União Europeia, o Estados Unidos da América e, muito surpreendentemente, o Brasil, representando 70% da economia global e quase metade das emissões antropogénicas de metano) que se comprometeram a reduzir em 30% as emissões de metano até ao final da presente década. De acordo com o IPCC, este gás é responsável por cerca de um quarto da subida de temperatura média global, com muitos cientistas a assegurar que esta medida poderá contribuir para “eliminar” 0,2 graus centígrados no aquecimento do planeta até 2050.

Apesar das boas notícias, o cepticismo permanece. Esta aliança “contra o metano” não foi assinada por alguns dos maiores emissores deste gás: apenas metade dos 30 países recordistas nestas emissões o fizeram, com a China, a Índia e a Rússia a ficarem de fora e, se este trio de países não mudar a sua posição, é mais uma importante batalha na luta contra as alterações climáticas que ficará seriamente comprometida.

Adicionalmente, e no dia em que a cimeira foi particularmente dedicada à indústria financeira, uma coligação dos maiores investidores, fundos de pensões, bancos e seguradoras mundiais, que controlam 40% dos activos financeiros globais no valor de 130 triliões de dólares, afirmou que se comprometia a utilizar esse capital para atingir zero de emissões líquidas nos seus investimentos até 2050, num esforço que, a ser cumprido, fará da limitação das alterações climáticas um foco central da maioria das grandes decisões financeiras para as décadas vindouras.

O grupo, denominado United Nations Glasgow Financial Alliance for Net Zero, é constituído por 450 bancos, seguradoras e gestores de activos em 45 países, tendo afirmado que a promessa de doação equivalerá a uma transformação do sistema financeiro global e ajudará o sector privado, as empresas financeiras e indústrias inteiras a passar por uma reestruturação fundamental para um futuro neutro em carbono. Todavia, várias vozes estão já a criticar este anúncio, sublinhando que as promessas ficaram aquém das expectativas na medida em que não comprometem os investidores a deixarem de colocar dinheiro em combustíveis fósseis. Como afirmou Richard Brooks, o director financeiro climático da STAND.earth, um grupo ambientalista, “não será possível ficar abaixo dos 1,5 graus se as instituições financeiras não deixarem de financiar empresas de carvão, petróleo e gás”.

Acelerar o passo com a Glasgow Breakthrough Agenda

Lançada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, a denominada Glasgow Breakthrough Agenda consiste num plano internacional para fornecer tecnologia limpa e acessível em todo o mundo até 2030.

E foram mais de 40 líderes mundiais que apoiaram e subscreveram esta nova Agenda, incluindo os EUA, a Índia, a UE, a China, várias economias em desenvolvimento e alguns dos países mais vulneráveis às alterações climáticas – representando mais de 70% da economia mundial e de todas as regiões.

Tendo como modelo a Estratégia Net Zero do Reino Unido, aprovada a 21 de Outubro e cujas medidas foram consideradas exequíveis e acessíveis de acordo com os conselheiros oficiais para o clima do governo de Boris Johnson, esta Agenda tem como objectivo estabelecer uma ligação estreita entre países e empresas num esforço de coordenação e reforço da sua acção climática, revista todos os anos, para aumentar e acelerar drasticamente o desenvolvimento e implantação de tecnologias limpas até ao final da década

O objectivo é fazer das tecnologias limpas a escolha mais acessível e atractiva para todos, a nível mundial, em cada um dos sectores mais poluentes até 2030, apoiando particularmente o mundo em desenvolvimento no acesso à inovação e às ferramentas necessárias para a transição carbono zero.

De acordo com a declaração divulgada sobre esta ambiciosa Agenda, e sem surpresas, a década de 2020 tem obrigatoriamente de ser dedicada aos principais sectores emissores. Embora reconhecendo diferentes circunstâncias nacionais, a ideia é trabalhar em conjunto em cada sector, inclusivamente através da colaboração público-privada e da mobilização do financiamento à escala, para tornar a transição global para uma economia limpa mais rápida, de menor custo e mais fácil para todos, ao mesmo tempo que se encontrem soluções de adaptação mais acessíveis e inclusivas.

Tal como é sublinhado, tal servirá, e se correr como o previsto, para cumprir os objectivos do Acordo de Paris, incluindo manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2°C e prosseguir os esforços para a limitar a 1,5°C, tendo em conta que a ciência alerta de forma cada mais premente que é necessária uma maior aceleração dos esforços se quisermos manter colectivamente esta meta, a qual evitará os piores efeitos das alterações climáticas, especialmente para os países mais vulneráveis.

Na Cimeira, o primeiro-ministro Boris Johnson deu a conhecer os primeiros cinco objectivos deste plano, os Glasgow Breakthroughs, os quais cobrem colectivamente mais de 50% das emissões globais, apesar de se manterem perto da categoria “wishful thinking”.

  • Energia: a energia limpa é a opção mais acessível e fiável para que todos os países possam satisfazer as suas necessidades energéticas de forma eficiente até 2030;
  • Transporte rodoviário: os veículos com emissões zero serão os novos veículos, acessíveis, económicos e sustentáveis em todas as regiões até 2030;
  • Aço: O aço com emissões quase nulas será a escolha preferencial nos mercados globais, com uma utilização eficiente e com o estabelecimento de uma produção com emissões quase nulas e em crescimento em todas as regiões até 2030;
  • Hidrogénio: Hidrogénio acessível, renovável e com baixo teor de carbono, estará disponível a nível mundial até 2030 e,
  • Agricultura: A agricultura sustentável e resistente ao clima é a opção mais atractiva e amplamente adoptada pelos agricultores em todo o mundo até 2030.

O plano prevê assim que os países e as empresas trabalhem de perto através de uma série de iniciativas internacionais para acelerar a inovação e aumentar as indústrias verdes – o que inclui, por exemplo, estimular o investimento verde através de fortes sinais à indústria sobre a economia futura, alinhar políticas e normas, juntar esforços de I&D, coordenar investimentos públicos e mobilizar o financiamento privado, particularmente para as nações em desenvolvimento.

De acordo com a declaração divulgada, a concretização destes primeiros cinco objectivos poderá criar 20 milhões de novos empregos a nível mundial e adicionar mais de 16 triliões de dólares nas economias emergentes e avançadas.

No campo das apostas entre sucesso e fracasso

Até agora e para vários observadores, a COP26 não resultará num triunfo à escala do Acordo de Paris, mas também não é possível prever que seja um fracasso total. Em 2015, os líderes tinham uma meta em torno da qual se uniram, sendo que agora estão a lidar com a tarefa mais difícil e confusa de como a concretizar.

E os alertas continuam. Apesar de ter já sido reconhecido o empenho do Reino Unido enquanto anfitrião desta COP, bem como a vontade de muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento tentarem conjugar esforços para que o “objectivo 1.5℃” seja ainda viável, já foi cientificamente comprovado que esta é uma meta praticamente impossível de atingir. Para tal seria necessário que os países alcançassem emissões líquidas zero até meados do século e que reduzissem as emissões de CO2 em cerca de 40 por cento ainda esta década, algo que está muito longe da nossa actual trajectória. A ONU divulgou um boletim informativo mesmo antes da COP, onde se somam todas as promessas climáticas feitas por todos os países e a sua última conclusão é que estas promessas nos colocam no caminho dos 2,7 graus, o que é um valor muito superior a 1,5.

E, mais importante que tudo, o que se deveria assegurar é que qualquer acordo multilateral para combater as alterações climáticas fosse regido pelo direito internacional, em vez de depender da vontade de cada país, sem esquecer que a tomada de decisões deverá ser impulsionada por verdades científicas e não por slogans políticos.

Assim, o resultado é aquilo a que os cientistas sociais chamam um problema de acção colectiva. Tanto os líderes como os cidadãos concluem que a estratégia mais racional a curto prazo é a de prestar uma homenagem à causa e esperar que outros resolvam a crise. Entretanto, o planeta continua a arder.

Editora Executiva