A energia deixou de ser um tema muito técnico e reservado apenas aos especialistas do setor, para ser um assunto democratizado e comentado por todos. Esta alteração resulta do contexto geopolítico, da crise energética, da urgência climática e do processo de descarbonização em curso nas nossas economias. Esta mudança de paradigma é também a prova do impacto que as diferentes tecnologias estão a ter na redefinição de toda a cadeia de valor do setor
POR RICARDO NUNES

As oportunidades são inúmeras. Um exemplo simples – a produção de energia – passou de um modelo simples unidirecional (do produtor para o consumidor), para outro em que existe a possibilidade de o consumidor produzir localmente, armazenar energia em baterias com crescente capacidade, e vender o excedente da sua produção a quem dela necessita. Adicionalmente, já é possível a utilização de veículos elétricos como fonte de energia para gestão de picos de utilização e abastecimento de residências por períodos curtos. 

Também a energia nuclear, considerada há pouco tempo como uma tecnologia a descontinuar, ou pelo menos na qual não se iria continuar a investir, ganhou um redobrado interesse por parte dos países, fruto de inovações tecnológicas em reatores mais pequenos, mais seguros e mais limpos, cuja utilidade tem sido crescente, fruto da necessidade de uma maior independência energética. Isto para não referir também o hidrogénio que, pelas suas características no que diz respeito à segurança de abastecimento e independência energética tem, também, sido regularmente indicado como uma alternativa relevante para assegurar a descarbonização da nossa economia.

O mais recente estudo da Agência Internacional de Energia preconiza mesmo que o crescimento da produção elétrica esperado até 2025 terá, praticamente todo, origem em fontes renováveis. Esta circunstância deve-se, entre outros fatores, ao facto de a energia solar ser, atualmente, a tecnologia de produção de energia com custos fixos mais competitivos, tendo o custo de grandes projetos solares caído 85% em menos de uma década. Por último, a procura, associada a ciclos de utilização de energia, ganhou uma inesperada flexibilidade, fruto da entrada de novos pressupostos de consumo, como é o caso da anteriormente referida mobilidade elétrica. 

Comuns a todos estes cenários, as tecnologias de informação e comunicação estarão cada vez mais presentes para a concretização de cenários de múltiplas fontes de energia em operação em simultâneo na rede. Esta transformação altera o paradigma tradicional de operação das empresas do setor – assegurar segurança de abastecimento e margens de risco definidas – para outro em que esta flexibilidade também deve ser considerada e assim deve permitir preços e tarifas mais representativas do consumo. Uma outra consequência de todas estas mudanças é também, e esse é um aspeto muito importante, o crescente empoderamento por parte dos consumidores, que têm uma maior diversidade de escolha do seu fornecedor, para além da cada vez mais popular opção pelo autoconsumo. Mas a mudança pode ser vista em toda a cadeia de valor do setor. 

Em primeiro lugar, esta conjugação feliz da descarbonização com a inovação criou o enquadramento perfeito para as mudanças profundas na forma como as empresas de energia operam. Por um lado, as empresas de energia terão de conjugar características fundamentais que passam pelo acesso (e não necessariamente propriedade) a um portefólio de geração e armazenamento, pela gestão da informação de consumos que permita criar vantagens competitivas, pela capacidade de gerir o risco, otimizar a operação e o trading e, por outro, recorrem de forma crescente a ferramentas de automação e aplicações que permitirão criar uma maior proximidade e personalização da oferta para os seus clientes. O foco terá de passar pelos clientes. 

Mas também os consumidores atuais, pelo seu efeito agregado, têm ao seu dispor a capacidade de influenciar a produção de energia de acordo com o que lhes for mais conveniente ou mais barato, escolhendo a fonte de energia, a sua utilização e, inclusivamente a sua produção e armazenamento. 

Entre estas duas realidades, os comercializadores de energia têm um papel fundamental, ao serem capazes de compreender a realidade dos dois players, consumidores e produtores, e podendo inovar na oferta de serviços diferenciados tanto aos consumidores como aos produtores, algo essencial para assegurar a fidelização de um cliente ao seu fornecedor. 

Os comercializadores têm, ao longo dos últimos anos, assumido um papel crescente para lá da criação de ofertas mais competitivas e mais benéficas para os consumidores, trabalhando também a sua consciencialização, alertando e indicando quais os comportamentos mais sustentáveis e com maior eficiência energética. 

Este novo paradigma cria novos desafios a empresas, regulação e poder político, os quais exigem novas abordagens, novos serviços e produtos, e nova legislação em prol do consumidor, que está definitivamente no centro desta cadeia de valor.

Ricardo Nunes

Licenciado em Economia pela Universidade de Coimbra, com Mestrado Executivo em Gestão Empresarial pelo ISCTE, tem mais de duas décadas de experiência no sector da energia. Iniciou a sua atividade profissional na REN como analista financeiro, depois foi diretor de Marketing e desenvolvimento de Negócio da Bolsa Ibérica de Energia – OMIP. Actualmente exerce o cargo de COO na empresa de energia GoGreen, grupo que tem como marcas: GreenLab, Carbon Code, GoNeutral e Ecochoice, em paralelo é Presidente da ACEMEL – Associação Comercializadores de Energia, Membro do Conselho Consultivo da Entidade Reguladora do Sector Energético – ERSE e Presidente do Conselho Consultivo do OLMC da ADENE