Campanhas de marketing digital ou gráficos com as últimas tendências de design não serão suficientes para ganhar a confiança da comunidade, para nos posicionarmos como líderes de transformação social e traçar o caminho para outros. Comunicar responsabilização não é sobre descarregar um relatório com boas fotos e dados.
POR Pilar Balet e Margarida Teixeira

Comunicar transformação social exige coragem. Devemos encontrar as respostas para as perguntas difíceis e estar prontos para partilhá-las publicamente de uma forma abrangente.

Há apenas alguns anos, impacto social era uma expressão que a sociedade mal utilizava. Nessa altura, era imperativo reservar algum espaço ou tempo para explicar o seu significado quando nos direcionávamos a um público não especializado. Hoje em dia, “impacto social” está na ponta da língua de toda a gente. Todas as estratégicas de comunicação incluem, de uma forma ou outra, um foco social ou um compromisso de mudança de uma determinada organização ou empresa.

Mas o que significa realmente «impacto social»? Resumidamente, podemos defini-lo como a transformação (social), positiva ou negativa, que ocorre nas comunidades – e indivíduos – como resultado de uma ação ou atividade. Logo, quando as organizações querem partilhar o seu impacto social, devem contar uma história: qual foi a transformação que buscavam, como é que ocorreu, que impacto teve nas vidas dos beneficiários ou no ambiente.

Organizações e empresas comunicam o seu impacto social de formas diferentes, utilizando uma variedade de canais de comunicação e, talvez em demasia, materiais muito chamativos. Normalmente, trata-se de uma campanha de comunicação externa específica com o objetivo de assinalar a sua performance em termos de responsabilidade social, para melhorar o branding numa era de padrões de consume em constante mudança com exigências mais sustentáveis. No entanto, quando olhamos para a forma como muitas organizações comunicam o seu impacto social mais detalhadamente, pensamos que a transformação gerada pode muitas vezes parecer um pouco… desfocada. Em muitos casos, só aprendemos sobre os resultados finais de um projeto ou atividade, tal como o número de formandas/os que participaram num workshop de capacitação, ou o número de formações realizadas. O processo através do qual se chegou aos resultados nem sempre é claro, e mal conseguimos discernir o impacto real nas pessoas ou no ambiente. Melhoraram as suas capacidades de procura de emprego? Se sim, de que forma? E onde é que as levou?

Tem levado algum tempo, mas a sociedade de hoje em dia e as suas prioridades mudaram. Tentar posicionar a marca da nossa organização como responsável e Digna de confiança sem ser transparente quanto à transformação social que geramos pode ser complicado. Se não comunicarmos o nosso impacto social de uma forma coerente e em profundidade pode prejudicar não só a perceção pública da organização, mas também o seu desenvolvimento interno. Refletir e partilhar com honestidade os nossos resultados, internamente e externamente, é a chave para continuarmos a desafiarmo-nos e permitir que a nossa organização evolua. Relatar honestamente – honest reporting – não é apenas sobre “parecer bem” para o público em geral – é também sobre fomentar valores éticos dentro da própria organização.

Devemos investir em encontras as respostas

Quando falamos sobre transformação social, referimo-nos à transformação que ocorre para além do nível individual. Pensamos sobre quem está envolvida/o nas nossas atividades, como estamos a transformar as suas vidas, ou de que forma estamos a desafiar desigualdades estruturais na sociedade. Contudo, não se trata apenas de assinalar o que fazemos, mas especialmente porque é o que fazemos, como e para quê. Antes de ligarmos os microfones, devemos fazer algumas perguntas gerais como: Que desigualdades estamos a combater? Que transformação ocorreu de facto como resultado das nossas ações – e que transformação ainda temos por alcançar? E também outras questões reacionadas com assuntos específicos, tais como: estamos a ter em consideração diversidade e inclusão ou o impacto ambiental das nossas atividades?

A realidade é que só vamos conseguir comunicar transformação social se respondermos a estas questões de forma honesta, se investirmos em responsabilização e transparência. Se a equipa de gestão estiver disposta a dedicar tempo e dinheiro para encontrar as respostas e partilhá-las publicamente de uma forma abrangente. Campanhas de marketing digital ou gráficos com as últimas tendências de design não serão suficientes para ganhar a confiança da comunidade, para nos posicionarmos como líderes de transformação social e traçar o caminho para outros. Comunicar responsabilização não é sobre descarregar um relatório com boas fotos e dados. É principalmente sobre as pessoas perceberem o que está por detrás desses dados. Como foram bem gastos os nosso fundos. Trata-se de contextualizar os desafios que a nossa organização enfrenta, o feedback das pessoas involvidas no processo, o tempo que gastámos. Trata-se de partilhar dados de avaliação e refletir abertamente sobre as lições aprendidas.

De um ponto de vista interno, também devemos ser responsabilizados perante nós mesmos. Fazer as perguntas difíceis: a nossa equipa está a cumprir a nossa missão? Estamos a melhorar a situação? Ao responder honestamente a estas questões e ao partilhá-las com a nossa equipa e apoiantes, podemos agir sobre elas em conjunto, encontrar soluções e maximizar o nosso impacto social. Logo, a comunicação é crucial no processo de transformação. Na altura, a organização Engineers Without Borders (EWB) foi pioneira nesta abordagem com o seu relatório de falhanço anual – Failure Report – que assinalava os falhanços da organização e o que tinham aprendido com eles e, ainda mais importante, estabeleceu como norma debater falhanços e aprender rápida e regularmente com eles, atraindo dessa forma novo talento que apreciava uma cultura em que a equipa pode tomar riscos inteligentes tendo em vista inovação.

Comunicar transformação social implica responsabilidade e transparência

Responsabilidade e transparência estão profundamente interligadas. Não podemos ser transparentes sem ser responsáveis: devemos encontrar as respostas primeiro. Contudo, tabelas complexas ou gráficos não são transparentes, não são acessíveis e não contam a história toda. Devemos deixar a síndrome do “guardião” para trás e partilhar a nossa informação de uma forma estimulante e que seja acessível ao maior número de pessoas possível. Há várias ferramentas disponíveis – desde visualização de dados (data visualization) a narrative (storytelling) – que podemos utilizar para explicar o nosso caminho em direção à transformação social e integrá-lo na narrativa organizacional. Desde o tipo de materiais que produzimos, a curadoria de informação, a forma como interagimos dentro da equipa – todos os aspetos da nossa estratégia de comunicação devem integrar responsabilidade e transparência.

Contudo, ser responsável e transparente exige coragem. Exige partilhar mais do que simplesmente aquilo que nos agrada, partilhar informação que pode ser percecionada como negativa. Devemos ser corajosas/os e avaliar criticamente a nossa performance, estando preparadas/os para partilhar respostas inesperadas, críticas ou até mesmo falhanços. Mas é também uma oportunidade para mostrar que somos humanas/os e que podemos aprender com os nossos erros, o que nos leva a mais inovação e a alcançar novas transformações. Patagonia e os seus Objetivos do Clima (Climate Goals) mostram-nos como esta é uma parte essential do processo que nos irá levar a melhorar o nível de confiança das nossas organizações. A BCorp Stone Soup Consulting também tem implementado uma cultura de honest reporting envolvendo todas as partes interessadas desde 2016 e fazendo as perguntas difíceis através de dezenas de questionários que levam a que as aprendizagens sejam partilhadas abertamente no seu Honesty Report.

Transparência e responsabilidade são uma questão de abordagem e de valores de uma organização. Não se trata de acordamos um dia e decidir integrar estes aspetos na nossa estratégia de comunicação. Devem estar plenamente integrados na cultura da organização, ser implementados pela equipa no dia-a-dia. Apenas ao encontrá-la na essência seremos capazes de compreender a transformação social que estamos a promover e, dessa forma, comunicá-la de maneira adequada. Internamente e externamente. Esta é a abordagem que pode realmente diferenciar-nos num mundo replete de influenciadores da transformação social. As pessoas estão ansiosas para saber quem está a trabalhar corretamente, escolher a pessoa certa e apoiá-la. Sem verdade, não há confiança.

Pilar Balet

É consultora da BCorp Stone Soup Consulting. Apoia estratégias de comunicação de projetos para a transformação social.

Margarida Teixeira

É consultora da BCorp Stone Soup Consulting. Apoia estratégias de comunicação de projetos para a transformação social.