Quando chega a altura de se pensar na melhor forma de apresentar uma declaração de visão (ou de missão) para determinada empresa, os líderes têm tendência para optar por termos vagos e abstractos que não expressam o que verdadeiramente querem transmitir e, consequentemente, não servem para inspirar nem clientes nem colaboradores. Um paper recém-publicado pelo professor de Gestão na Wharton School of Management, Andrew Carton, explica por que motivo “fazer pousar um homem na lua” é muito mais poderoso do que “vamos ganhar a corrida espacial”. A retórica com base em imagens e conseguir imaginar o futuro são ingredientes cruciais na receita para uma declaração de visão eficaz

POR HELENA OLIVEIRA

Há exactamente 50 anos, Neil Armstrong e Edwin Aldrin responderiam ao repto formulado oito anos antes pelo presidente John F. Kennedy de que era necessário “fazer pousar um homem na lua”. E essa visão deu fôlego a milhares de empregados com funções amplamente distintas, os quais se reuniram em torno do objectivo comum de, efectivamente, o mundo poder acordar com a famosa frase  “é um pequeno passo para o Homem, um salto gigantesco para a Humanidade”. De acordo com Andrew Carton, professor de Gestão da Wharton School of Management e co-autor de um paper publicado recentemente no Academy of Management Journal, o poder desta mensagem reside no tipo de formulação de palavras alcançado: é visualmente correcto e, como questiona numa entrevista à Knowledge@Wharton, “se Kennedy tivesse dito ‘o nosso objectivo é sermos o número 1 na corrida espacial’ teria o resultado sido diferente?”.

A questão serve para introduzir o tema do paper em causa, intitulado How can leaders overcome the blurry vision bias? Identifying an antidote to the paradox of vision communication, o qual gira em torno da forma como os líderes articulam as declarações de visão (e missão) das empresas que dirigem e, especificamente, os motivos que explicam porque umas são mais poderosas e mais bem-sucedidas do que outras.

Como se pode ler na entrevista acima referida, e depois de se analisar o paper, os autores afirmam que quanto mais concreta for a declaração de visão, mais eficazmente conseguir-se-á inspirar os empregados a segui-la. Mas, e de acordo com os resultados da sua pesquisa, é comum os líderes trilharem exactamente o caminho oposto, optando por utilizar termos abstractos – e que dão origem a “uma visão enviesada e desfocada” – quando imaginam o futuro dos seus empreendimentos.

Como se pode ler no paper, as evidências sugerem que os líderes organizacionais conseguem inspirar os seus trabalhadores comunicando a visão para o futuro da empresa com uma retórica baseada em imagens – palavras e frases que facilmente são “imaginadas no olho da mente”, de que é exemplo “a nossa visão é fazer com que os espectadores do cinema riam”.

Todavia, a pesquisa efectuada demonstrou que a maioria dos líderes não articula a sua visão com este tipo de visão, favorecendo, ao invés, linguagem abstracta que não pode ser facilmente visualizada. A teoria desenvolvida pelos autores assenta na premissa de que o problema é exacerbado quando os líderes se concentram na selecção de palavras sobrestimando o sistema cognitivo baseado no significado (no qual consideram o significado abstracto das palavras) e subestimam o sistema cognitivo baseado na experiência (no qual podem gerar imagens vívidas sobre o que o futuro poderá ser). O objectivo deste paper é, assim, o de introduzir uma nova táctica que ajude os líderes a activar esse sistema baseado na experiência e gerar e comunicar visões com impacto acrescido.

Estimular a acção colectiva através de um propósito convincente

De acordo com os autores do paper, os mais bem-sucedidos esforços organizacionais devem-se aos líderes que conseguiram encorajar uma acção colectiva através da articulação de um significado evidente e persuasor.

Como exemplo, oferecem a ideia de Bill Gates quando este perspectivou “um computador em cada secretária e em cada casa”, o já citado exemplo de John F. Kennedy ao desafiar a NASA a “fazer pousar um homem na lua” e ainda Henry Ford quando imaginou “um motor de carro para uma grande multidão”, o qual as pessoas iriam desfrutar ao longo de “horas de prazer nos mais belos espaços ao ar livre criados por Deus”.

Para os autores, o grau mediante o qual estes líderes articularam, de forma eficaz, um sentimento de propósito é central à nossa compreensão não só de como inspiraram a acção, mas também ao próprio conceito de liderança enquanto definido como o processo de influenciar os outros a alcançar esse propósito comum. Na actualidade, e como sabemos, expressar e transmitir um sentimento de propósito que toque toda a organização consiste numa das principais competências de liderança.

E os exemplos acima citados de Gates, Kennedy e Ford são reveladores não só porque cada um deles foi capaz de articular um propósito convincente, mas porque o fizeram empregando uma “retórica com base na imagem”, a qual é definida pelos autores como uma linguagem que representa objectos (carros), acções (conduzir) e eventos (“pousar na lua”) e que pode ser observada com os nossos sentidos, sendo que os líderes podem utilizar esta retórica baseada na imagem para dar vida a uma das mais importantes tácticas retóricas para a comunicação do seu propósito, que é, exactamente, a visão. Em entrevista à Knowledge@Wharton, Carton sublinha mais uma vez que o objectivo de fazer pousar um homem na lua parecia mais “perto” do trabalho quotidiano de todos os que se esforçaram para atingir este feito do que um propósito vagamente declarado de “ciência avançada”.

Como explica também o paper, e comparativamente à retórica abstracta (por exemplo, aspirar à excelência), a retórica com base em imagens envolve as emoções dos empregados e oferece um ponto de referência partilhado com o qual os subgrupos se conseguem coordenar. Ao retratar vividamente um evento ou resultado que um dia a organização possa vir a alcançar, a retórica com base na imagem reflecte a noção de que a visão é um “retrato” de um futuro ideal e sublinha a própria essência da palavra “visão” – a capacidade para ver.

Mas e apesar das razões claras que estão subjacentes a esta capacidade, muitos líderes tendem a comunicar a partir de uma retórica abstracta, um fenómeno denominado pelos autores como “enviesamento da visão desfocada”. Este enviesamento tem geralmente a sua origem na realidade que as pessoas tendem a imaginar de forma abstracta quando avaliam o futuro distante. E tendo em conta essa perspectiva dominante na comunicação da visão, assume-se que os líderes podem aperfeiçoar a sua visão a partir de uma selecção criteriosa de palavras, sendo essa a solução para a tal “visão desfocada”. Todavia, as conclusões relatadas no paper em causa não são consonantes com esta “facilidade”.

Como também afirma Carton na entrevista já citada e questionado sobre quais as técnicas que os líderes podem utilizar para ultrapassar esta tendência, o professor de gestão da Wharton School of Management afirma que não é de todo suficiente os líderes estarem armados com o conhecimento de que as imagens visuais tornam as suas declarações de visão mais poderosas. Como responde, “quando se diz às pessoas para se concentrarem na utilização de diferentes tipos de palavras, elas estão, e na verdade, a usar a parte da sua mente que envolve o pensamento analítico e lógico em vez de usarem a região da mente que simula o mundo em termos gráficos – por exemplo, a mesma parte da mente que é responsável pelas memórias vívidas que a maioria de nós tem da nossa infância”.

Deixar a mente viajar no tempo

O estudo sublinha assim que quando as pessoas focam a sua atenção directamente na linguagem, estão a activar o sistema baseado no significado, responsável por considerar conceitos abstractos (por exemplo, “serviço ao cliente superior”) e não o sistema com base na experiência, responsável pelo processamento de informação sensorial sobre o mundo exterior e que estimula mentalmente experiências da vida real (“observar os sorrisos dos clientes quando jantam nos nossos restaurantes”).

Quando os líderes não têm uma imagem em mente, é natural que sejam menos propensos a utilizar a retórica com base em imagens nas suas visões. E, segundo os resultados do estudo, mesmo aqueles que deliberadamente tentam concentrar-se em visões com base em imagens mentais continuam a ter tendência para elaborar e comunicar visões abstractas.

Assim, e para procurar um antídoto para esta visão desfocada e indefinida, os autores estabeleceram uma ligação entre a comunicação do líder e o processamento cognitivo dual. E examinaram uma táctica – projectar-se mentalmente para um momento distante no futuro, semelhante a uma viagem no tempo mental – que tem como alvo o sistema baseado na experiência e não o que é baseado no significado. Em vez de se contemplar o futuro distante de uma forma abstracta, a táctica estimula os líderes a imaginarem o futuro com detalhes nítidos, como se estivessem a observar directamente um cenário futuro.

Como explica melhor Carton na sua entrevista à Knowledge@Wharton, esta “viagem no tempo mental “ faz-se pedindo às pessoas que se projectem psicologicamente “para a frente no tempo” e se imaginem a sair de uma máquina do tempo, olhando para o mundo que as rodeia. Deverão então formular algumas questões: “de que forma é que o mundo mudou depois de as pessoas terem sofrido um impacto pelo produto ou serviço criado?” “O que mostram os rostos das pessoas?” “Que movimentos é que sobressaem?”. “Pintar” um quadro desse dia no futuro em que o trabalho árduo gerou frutos é a sugestão do professor da Wharton.

Como remata também o paper, os líderes são capazes de promover uma acção individual e colectiva através de um sentido vívido de como será o futuro. A retórica apoiada em imagens é um veículo que permite aos líderes atingir este propósito, mas os autores alertam para o facto de estes terem uma maior tendência – e sendo aconselhados a fazê-lo – a utilizar tácticas retóricas que resultam numa comunicação vaga e em descrições pouco apelativas e convincentes do futuro. Ao invés, a projecção temporal poderá ajudar eficazmente os líderes a transmitir visões de elevada qualidade. Segundo os autores, a projecção temporal coloca os líderes numa lógica que explora o geralmente negligenciado recurso da imaginação, o que se traduz depois num retrato que captura a atenção e inspira a acção.

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