Pela sua “representatividade e motivação”, o programa AconteSer tem um papel chave na criação de um movimento que antecipe mudanças já consagradas no plano da “Troika”, gerando massa crítica para uma mudança comportamental das empresas portuguesas. Os estrangulamentos causados por má gestão de tesouraria, recordistas no que ao Estado diz respeito, só podem ser resolvidos com “a adopção de incentivos, um enquadramento legal penalizador de práticas incumpridoras e uma visão inovadora de compromisso dos líderes”, conclui o recente estudo dedicado a pagamentos pontuais, coordenado por Augusto Mateus
POR GABRIELA COSTA

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O atraso no pagamento de facturas a fornecedores destrói anualmente catorze mil postos de trabalho. Por ano, Portugal perde cerca de seiscentos milhões de Euros, equivalentes a 0,4 por cento do Produto Interno Bruto, já que cerca de 48 mil milhões de Euros circulam com atraso entre as empresas. No acumulado dos últimos cinco anos, este incumprimento retirou 2,8 mil milhões de Valor Acrescentado Bruto (VAB) e liquidou 13,3 mil milhões de Euros da actividade económica portuguesa.

Acresce que os prazos derraparam para oitenta dias em 2011, mais doze, em média, desde 2006. São estas as principais conclusões do estudo Compromisso de pagamento no prazo acordado – «Uma cultura de pagamentos atempados», apresentado esta semana, no Porto.

Classificando o documento de “chocante e entusiasmante”, o presidente da ACEGE, associação que encomendou este relatório à Augusto Mateus & Associados (AM&A), no âmbito do novo Programa AconteSer (lançado em Setembro pela Associação Cristã de Empresários e Gestores, CIP, IAPMEI e APIFARMA), manifesta-se preocupado pela confirmação da “destruição de riqueza e emprego” que emana do estudo, mas sugere que “há solução, firmada numa mudança de atitude e num compromisso de boas práticas de líderes e gestores”.

Exemplo dessa mudança seria fazer do pagamento a horas um critério na atribuição de prémios de excelência às empresas, ideia defendida por António Pinto Leite: o pagamento aos fornecedores no prazo acordado é o mínimo ético empresarial”. A este nível, o Estado “dá um péssimo exemplo”, acusa, já que as entidades públicas, “as mais relapsas” na hora de pagar, “pagam 23 por cento sobre valores que só vão cobrar quarenta dias depois”.

A recomendação da Troika para que os prazos de pagamento não excedam os sessenta dias (extensível às entidades estatais) abre caminho, no entender de Pinto Leite, para que se inicie um novo ciclo na cultura de pagamentos, em consonância com o compromisso para pagamento pontuais da ACEGE. Este compromisso que faz parte no kit Liderar com responsabilidade, integrado no Programa AconteSer, será divulgado na entre 24 e 28 de Outubro um pouco por todo o país, através de cinquenta sessões que visam motivar 750 gestores e líderes para uma cultura de rigor, boas práticas e responsabilidade social, a bem da competitividade do país.

Uma agenda para a mudança
A partir dos resultados apurados, o estudo coordenado por Augusto Mateus sugere um conjunto de desafios para “ajudar a criar uma mudança na cultura de pagamentos vigente, mudança essa que poderá gerar, como apontam as conclusões, “um impacto fortemente dinamizador na economia portuguesa”.
O relatório propõe uma agenda de iniciativas que dêem resposta a estes desafios, a três níveis: no âmbito da parceria para o Programa Aconteser; no contexto da actuação das associações empresariais; e ao nível do Estado.

Tendo em consideração “as motivações e o papel” que cada um destes interlocutores pode – e deve – desempenhar, no que concerne um compromisso alargado para o pagamento das facturas no prazo acordado, as medidas de actuação recomendadas pelo estudo coordenado por Augusto Mateus incluem a elaboração de um Código de Conduta, por parte das entidades parceiras do AconteSer, a quem deverá caber a responsabilidade de disseminar boas práticas em matéria de cumprimento deste compromisso, junto dos seus associados.

A dinamização de uma rede de empresas aderentes, que a ACEGE vem desenvolvendo no âmbito da iniciativa Compromisso Pagamento Pontual, a qual reúne já mais de oitenta signatários, é outro desafio essencial para “criar um movimento e um ciclo virtuoso que mude a circunstância actual e melhore a economia em que vivemos”, como defende António Pinto Leite. Participar no processo de certificação de boas-práticas de gestão de tesouraria e assumir um papel privilegiado enquanto plataforma interlocutora do Estado na definição e implementação de medidas relacionadas com esta temática são também abordagens essenciais, que os quatro promotores do Programa AconteSer devem impulsionar no sentido de participarem activamente numa agenda para a mudança, conclui o estudo.

“O elevado número de falências que se mantém porque as empresas não pagam ‘entre’ si, constitui uma chaga que, ao nível do Estado, resulta de um problema congénito que é imperioso combater” – António Pinto Leite, presidente da ACEGE .
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Para o presidente da ACEGE, o elevado número de falências, principalmente em pequenas e médias empresas, que se continuam a verificar “porque as empresas não pagam ‘entre’ si, exportando o problema de umas para as outras”, constitui “uma chaga” que, ao nível do Estado, resulta de um “problema congénito” que é imperioso combater.

No que respeita as associações empresariais, o documento coordenado por Augusto Mateus recomenda que estas preparem os seus associados para a implementação da Directiva 2011/7/CE, de Fevereiro, que prevê um prazo máximo de sessenta dias para pagamento de facturas, e que deverá ser transposta para a legislação nacional em Março de 2013.

Promover o Código de Conduta elaborado pela ACEGE, CIP, IAPMEI e APIFARMA, garantir arbitragem negocial em caso de incumprimento, e criar uma entidade reguladora independente ou, em alternativa, atribuir funções à entidade que supervisione o cumprimento do Código de Conduta, divulgue os aderentes e promova um relacionamento privilegiado com os instrumentos financeiros de gestão de tesouraria, são outros desafios a que as associações empresariais devem dar resposta, aponta a AM&A.

Por último (embora se tratem de medidas prioritárias face à situação recordista de mau pagador que o Estado continua a liderar), o estudo recomenda ao sector público: que prepare a introdução da Directiva Comunitária; que promova, também ele, o Código de Conduta sobre pagamentos no prazo acordado; que alargue a lista actual de prazos médios de pagamentos das instituições do Estado a todos o níveis da Administração Pública, incluindo a Local; que crie procedimentos de reversão do IVA quando o Estado se atrasa no pagamento das facturas; e, finalmente, que reforce as medidas de apoio à tesouraria envolvendo o IAPMEI e as entidades do sistema financeiro (banca, sociedades de Garantia Mútua, seguradoras de crédito, etc.).

“AconteSer é chave para movimento de compromisso”
Promover condições para o crescimento da economia nos próximos anos requer um novo paradigma competitivo, capaz de “corrigir desequilíbrios estruturais e voltar a colocar o país numa trajectória de crescimento económico sustentado que possibilite a criação de riqueza, de emprego e de bem-estar social”, lê-se no estudo coordenado por Augusto Mateus. A correcção das práticas de gestão de tesouraria baseadas no sistemático atraso nos pagamentos é emergente, já que “constitui uma debilidade que afecta transversalmente as empresas portuguesas (especialmente em alturas de crise) e representa uma limitação competitiva face à realidade de outros países do espaço europeu”.

Por outro lado, dinamizar a economia portuguesa “requer novas capacidades de investimento que alicercem estratégias de crescimento orientadas para a inovação e internacionalização, só possíveis de alcançar com a resolução dos problemas de liquidez e da generalização do acesso ao crédito a custos competitivos”, conclui o documento, sublinhando que tais capacidades “têm vindo a ser comprometidas ao longo da última década”.

Face a um contexto tão exigente, o Programa AconteSer assume “um papel determinante na gestão da mudança de comportamentos”, acreditam os responsáveis pelo estudo: as mudanças de atitude em favor de novos paradigmas de comportamento e de novas práticas de gestão empresarial requerem a adopção de incentivos, um enquadramento legal penalizador de práticas incumpridoras e uma visão inovadora de compromisso de empresas líderes, que consagre novas abordagens de gestão de tesouraria, sublinham.
Assim, “pela sua representatividade institucional e motivação”, a parceria que tornou realidade o projecto AconteSer, “pode desempenhar um papel chave na criação de um movimento que antecipe mudanças já consagradas no plano da Troika e na Directiva Comunitária, gerando massa crítica para iniciar um movimento generalizado de mudança comportamental das empresas portuguesas”.

Defendendo a oportunidade da iniciativa, num momento em que “as empresas estão bastante despertas para as dificuldades que lhe são causadas pelos atrasos nos recebimentos de produtos e serviços que já venderam”, a equipa da AM&A alerta que a adesão a um projecto desta envergadura “requer o envolvimento de um conjunto alargado de stakeholders e um processo comunicacional adequado que evidencie os ganhos para a sociedade da adopção de novas práticas”.

Nesse sentido, medidas como a criação de um Código de Conduta e de uma certificação de boas-práticas de gestão de tesouraria “podem constituir projectos mobilizadores desta iniciativa”, cuja dinamização deve envolver um conjunto mais alargado de actores institucionais, que alargue a representatividade da proposta e assegure a sua qualidade técnica (o que deverá passar pelo envolvimento da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e da Associação de Bancos Portugueses, por exemplo).

Paralelamente, deverá ser apresentada uma ‘agenda para a mudança’ dinâmica, que consagre o envolvimento cada vez mais alargado das empresas, das associações empresariais e do Estado, sugere o estudo. Esta filosofia de actuação insere-se “numa nova abordagem” de resolução dos problemas estruturais da sociedade portuguesa, em que “o Estado participa na solução mas a liderança das transformações é assegurada pelos actores económicos privados”.

Quinze dados a reter
1
Metade dos pagamentos é feito com atraso

No universo empresarial português, cerca de 44% da facturação é paga em atraso. Nas PME, cerca de 47% dos pagamentos são feitos depois do prazo acordado.2
Os prazos degradaram-se 12 dias desde 2006, de 68 para 80 dias

O agravamento dos prazos médios de pagamento nos últimos cinco anos representam um desvio de capital disponível da função investimento para a função de apoio à tesouraria. É um travão aos ciclos de negócio que retarda a actividade económica e quebra a confiança nas transacções entre empresas.3
O impacto acumulado dos atrasos desde 2006 equivale a 2% do PIB

O efeito acumulado do agravamento dos prazos ao longo dos últimos cinco anos equivale a quebras superiores a 13,3 mil milhões de euros do valor bruto da produção e a 2,8 mil milhões de euros do valor acrescentado bruto.4
Atrasos destroem mais de 14 mil empregos por ano

O efeito acumulado do agravamento dos prazos de pagamento/recebimento ao longo dos últimos cinco anos equivale a uma quebra de 72 mil empregos. Desde 2006, a quebra média anual supera os 14 mil empregos.5
Potencial da aplicação da nova Directiva supera 120 mil empregos

A redução imediata do prazo de pagamento das transacções comerciais para os 60 dias impostos pela nova Directiva pode gerar mais de 120 mil empregos, 22 mil milhões de euros do valor bruto de produção e 4,8 mil milhões de euros do valor acrescentado bruto, o que representa 3,24% do PIB.

6
O volume de pagamentos em atraso atinge um terço da produção

Os atrasos nos pagamentos representam um terço do PIB Português de 2010 e três quartos do total do montante de assistência financeira União Europeia/FMI a
Portugal.

7
O sector público é o que mais paga atrasado

O sector público é o principal catalisador do alargamento dos prazos médios de pagamento, com destaque para Itália (180 dias), Espanha (153 dias) e Portugal
(139 dias).

8
O investimento encolheu 23% na última década

Entre 2000 e 2010, a Formação Bruta de Capital Fixo caiu 23% em Portugal, traduzindo a evidente deterioração das expectativas do meio empresarial quanto à evolução da procura interna e externa, a elevada incerteza e o risco associados às decisões de investimento e às condições mais restritivas de acesso ao crédito.

9
Dificuldades no acesso ao crédito estão a asfixiar as PME

O crédito às empresas caiu em 2010, o que não sucedia desde 2002. Está em marcha uma profunda reavaliação das condições de acesso ao crédito que, aliada a outras condições conjunturais, sufoca as pequenas e médias empresas.

10
Os incobráveis aumentaram 14% no último ano

Os créditos que não serão recebidos atingiram €4.000 milhões, equivalendo a 80% da mais recente tranche da assistência financeira União Europeia/FMI a Portugal.

11
O número de empresas insolventes aumentou 23% desde 2009

Nos primeiros oito meses de 2011 o número de empresas insolventes ascendeu a 3.000, o que compara com 2.400 no mesmo período de 2009.

12
Os pagamentos em atraso geram estrangulamentos financeiros

34% das empresas inquiridas necessitam de recorrer a crédito bancário e outros instrumentos financeiros, 29% paga com dificuldades a fornecedores e 24% cai em situação de estrangulamento operacional.

13
Os pagamentos em atraso bloqueiam o emprego e o investimento

A estratégia de gestão de tesouraria de mais de metade das empresas inquiridas passa por adiar a contratação de recursos humanos e possíveis investimentos.

14
A cultura empresarial privilegia a manutenção da relação comercial com o devedor

Quatro em cada cinco empresas inquiridas não cobram juros de mora aos clientes que pagam em atraso.

15
Os pagamentos em atraso geram um círculo vicioso

Dois terços das empresas inquiridas (63%) apontam o recebimento em atraso dos clientes como causa do pagamento fora do prazo acordado aos seus fornecedores.

Fonte: Compromisso de pagamento no prazo acordado – «Uma cultura de pagamentos atempados» – Augusto Mateus & Associados