Já “ninguém precisa que sejam os governos a impor ou a demonstrar que a economia verde é o futuro”. Agora são as empresas que “exigem que as estratégias de desenvolvimento dos países sigam o princípio da eficiência no consumo de todos os recursos”. No âmbito da sua vocação para a cidadania empresarial, o GRACE reforçou a presença portuguesa na Cimeira RIO+20, comprovando que as organizações estão mais conscientes do papel diferenciador da RS para o seu sucesso, como nos dizem, em entrevista, a presidente do Grupo, Conceição Zagalo e o especialista climático, Gonçalo Cavalheiro
POR GABRIELA COSTA

O GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial assinala em 2012 doze anos de actuação em prol de uma cidadania empresarial promotora da Responsabilidade Social, como factor diferenciador do desenvolvimento sustentável das organizações sociais e das empresas.

Fazendo o balanço da actividade desenvolvida por esta associação sem fins lucrativos nesta última década, Conceição Zagalo sublinha ao VER que, se existe ainda (e sempre) um longo caminho a percorrer nesta matéria, também já muito foi feito em Portugal, e “com muita seriedade”. Defendendo que o GRACE é disso “um bom paradigma”, a sua presidente congratula-se com a crescente consciência, quer individual quer colectiva, e o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido nas áreas social, ambiental e económica, crucial para o sucesso das organizações.

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Conceição Zagalo, presidente do GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial
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O GRACE tem por missão reflectir, promover e desenvolver iniciativas de RS das empresas, dinamizando um conjunto de actividades com a sua rede de associadas há já 12 anos. Que balanço faz da actuação desta associação vocacionada para a cidadania empresarial?
Ao longo de mais de uma década é-nos muito grato constatar que a evolução do número de associados GRACE espelha também a evolução e a relevância que a temática da responsabilidade social empresarial tem vindo a assumir em Portugal.

E se é verdade que há ainda um longo caminho a percorrer, também já muito foi feito, e com muita seriedade. O GRACE é disso um bom paradigma. No final de 2006, éramos 26 empresas, actualmente (em Agosto de 2012), o GRACE é composto por quase uma centena de organizações (96). Temos aqui um excelente exemplo de que o número de empresas a desenvolver acções de RS e a relevar esta temática tem vindo a aumentar.

Acima de tudo, é de louvar a maior consciência, quer individual quer colectiva, e o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na área social, ambiental e económica, pois não duvidemos que a intervenção nestes três pilares é um factor diferenciador e crucial para o sucesso das organizações.

Que importância têm, na prática, as inúmeras acções que realizam a nível social – desde o programa regular de voluntariado G.I.R.O aos projectos desenvolvidos com os vossos associados e parceiros?
O espectro de intervenções GRACE na área social é um claro paradigma da importância e do sucesso que o binómio pessoas/parcerias tem vindo a assumir neste mundo da Responsabilidade Social Empresarial. O impacto é grande e contagiante. Prova disso é a sensibilização, o envolvimento, o comprometimento que registamos acção a acção. As pessoas querem fazer mais e melhor para mais pessoas. Estas iniciativas são um energizador para a consciência executiva, política e decisora.

É bonito registarmos que a cada iniciativa desenvolvida, a união faz a força, inter e intra empresas. Falo de uma união que no final de cada acção se transforma num forte contributo que multiplica resultados.

Defendeu recentemente que “nas empresas, há cada vez mais espaço e razão para partilha de conhecimentos. No actual contexto socioeconómico, como está o meio empresarial português a desenvolver esta cadeia do conhecimento que fundamenta o princípio da gestão sustentável?
Fundamentando-nos nas práticas desenvolvidas pelas empresas associadas do GRACE, podemos afirmar que é crescente o número de intervenientes e decisores que desenvolvem programas de partilha de conhecimento e competências.

Por outro lado, é muito interessante registar o cada vez maior número de pessoas que, muito por via dos programas e da pedagogia que têm vindo a ser desenvolvidos nas universidades, chegam às empresas e querem continuar a partilhar conhecimentos. Fazem questão de partilhar massa cinzenta em cenários de exclusão, e é essa vontade que também está a contaminar decisores, contribuindo para que a cadeia do conhecimento não pare de crescer, mesmo num contexto socioeconómico mais difícil.
Não nos esqueçamos que partilhar conhecimento constitui uma oportunidade para crescermos e prosperarmos. É fazermos parte da solução e não do problema, e o GRACE não duvida que as empresas já perceberam isso.

O Grito de Ipiranga
Um dos grandes momentos do GRACE em 2012 foi a sua participação, em Junho, na Cimeira RIO+20, onde marcou presença no Parque dos Atletas, um espaço com 44 pavilhões dedicados ao desenvolvimento sustentável,  e também no grande evento “Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental”, iniciativa que “marcou os acontecimentos em torno da Cimeira”, já que nela um conjunto alargado de pessoas e movimentos da sociedade civil discutiram e prepararam declarações escritas que fizeram chegar à Cimeira dos Chefes de Estado.

O especialista em matérias climáticas e membro da Direcção do GRACE, Gonçalo Cavalheiro, foi o representante deste Grupo dedicado à cidadania empresarial no evento das Nações Unidas. Em entrevista ao VER, Cavalheiro explica a importância da mobilização da sociedade civil nas questões primordiais da economia verde, e como o caminho para o crescimento sustentável depende também hoje, em grande escala, das empresas e organizaços, e não só dos governos. Até porque “não existem troikas para concederem apoio externo” ao Planeta Terra…

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Gonçalo Cavalheiro, especialista em matérias cliátiicas e membro da Direcção do GRACE
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O que destaca da participação da participação do GRACE na Cimeira Rio+20?
A Cimeira do Rio+20 foi um mundo todo numa cidade. Muitas outras cidades receberam já cimeiras das Nações Unidas, mas nunca uma cimeira das Nações Unidas foi tão diversa e por isso, nunca participaram nelas gentes com interesses tão distintos.

Se dentro da cimeira oficial propriamente dita, tínhamos stakeholders de todos os quadrantes, do ambiente à saúde, da agricultura às finanças, da economia à água, nas cimeiras da sociedade civil (como a Cúpula dos Povos) podíamos encontrar aquelas pessoas, aqueles grupos que, representando as raízes das mais distintas sociedades do mundo, se encontram normalmente excluídas das cimeiras oficiais por, nos respectivos países, se encontrarem genericamente arredadas dos círculos do poder.

É neste contexto que o envolvimento especial do GRACE nos eventos fora da cimeira oficial se revestiu de uma importância especial. O GRACE pauta-se por ser uma organização empresarial com uma missão de abertura à sociedade e comunidade muito ampla. É por isso que aproveitámos esta oportunidade para perceber a oposição de muitas das organizações de base, de raiz, em particular dos países em desenvolvimento, ao conceito de economia verde, conceito esse que o GRACE apadrinha e promove. Ficámos a saber que muitas organizações temem que o conceito de economia verde venha a significar um conjunto de regras que impeça o acesso dos produtos dos países em desenvolvimento aos mercados dos países desenvolvidos. Ficámos também a saber que as empresas portuguesas, que se esforçam cada vez mais para aceder aos mercados externos, podem ter aqui um papel a desempenhar, demonstrando, pelo seu exemplo, que a eficiência no consumo de (todos) os recursos – na realidade, o princípio base da economia verde – é o caminho para o crescimento e para a sustentabilidade.

Em que medida sentiu que esse receio pelos efeitos da economia verde sobre a exploração dos recursos pelas grandes corporações se estende às organizações que representam os povos indígenas brasileiros, que considerou terem uma “completa repulsa” pelo conceito?
Face a essa repulsa do conceito da economia verde pelas organizações não-governamentais, nomeadamente as representantes dos povos indígenas, acredito que estamos perante uma questão de construção de confiança. Actualmente existem já diversos mecanismos precursores da economia verde, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, em que os grandes lucros são feitos nos intermediários financeiros, normalmente agrupados na imagem da “City de Londres.”

O que se pretende com o protesto contra a economia verde é chamar a atenção para a necessidade de se garantir que os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas são pagos a quem deles trata, a quem os protege ou a quem depende deles para sobreviver. E esta é uma questão que extravasa em muito a relação países ricos – países pobres. É algo extremamente importante em qualquer país. Em Portugal, esta questão pode claramente identificar-se na relação interior-litoral. As pessoas e as empresas do interior do país têm uma relação de protecção/dependência do ambiente mais estreita do que as pessoas e empresas do litoral ou, em particular, das grandes cidades. São temas fundamentais para discutir e considerar no desenho de um futuro sustentável.

Que outros temas destaca do debate realizado no RIO+20, incluindo “o papel das religiões rumo ao desenvolvimento sustentável”?
Sem me querer alongar muito, o papel das religiões é crucial. Estas chegam “religiosamente” a casa e ao coração de milhares de milhões de pessoas todos os dias (no caso dos cristãos, pelo menos ao Domingo). Chegam a estas pessoas pelos meios de comunicação social e, mais importante, pessoalmente. Que outras organizações têm este poder? Na Cúpula do Povos ouvi as religiões reconhecerem este seu poder e a necessidade de se posicionarem na construção do ‘Futuro que Nós Queremos’.

As organizações religiosas não podem, por isto, deixar de ser encaradas como um parceiro fundamental nestas matérias.

Com que sentimento deixou a Cimeira, depois de uma “morte anunciada” pela ausência dos principais líderes mundiais (como Obama e Merkel), do anúncio da não criação de uma agência das Nações Unidas para o ambiente, de uma Declaração Final já criticada pelos ambientalistas como sendo “vaga e sem ambição”, e depois de uma sociedade civil altamente mobilizada ter considerado que o Encontro ficou “muito aquém das expectativas”?
Não é fácil responder a esta questão. Toda a gente queria mais desta cimeira. Toda a gente gostaria que desta cimeira tivessem saído tratados, compromissos, metas, financiamentos, agências mundiais de ambiente… Mas infelizmente vivemos num mundo que não é perfeito. Até porque as metas ideais para um português serão certamente diferentes das metas ideais para um indonésio. Até porque um chinês achará que o português deve pagar porque já é desenvolvido e um português acha que o chinês deverá pagar porque ele é que polui muito agora e ele é que tem o dinheiro.

O resultado da Cimeira do Rio+20 foi devidamente comedido pela Real Politik. Pelo menos não andámos para trás e apontaram-se algumas agendas para o futuro.

Importante agora é a mobilização da sociedade civil e das empresas, em particular. Pegar no que se conseguiu e no que não se conseguiu no Rio de Janeiro e seguir em frente, rumo à economia eficiente.
Nós, portugueses, mais que qualquer outro povo na actualidade, sabemos bem o resultado de vivermos (enquanto país) acima das nossas possibilidades, de gastarmos mais do que ganhamos, de consumirmos mais do que produzimos. É isso que está a acontecer no planeta. Mas uma coisa é certa: não existem troikas fora do Planeta Terra para nos concederem apoio externo…

Que leitura faz de, apesar de a generalidade dos políticos presentes ter considerado o evento “positivo”, terem sido as empresas e a sociedade civil a dar os maiores passos, face a um compromisso efectivo com o Clima, através de iniciativas de desenvolvimento sustentável?
Significa que estamos no caminho certo… que a sociedade civil está cada vez mais desperta e consciente dos seus direitos, dos seus deveres e do seu papel. A sociedade civil é muito mais livre, muito mais criativa para agir, para arriscar… Acho que no Rio de Janeiro foi dado mais uma vez o Grito de Ipiranga… a sociedade civil libertou-se dos grilhões, da imobilidade, dos governos!

“O resultado da Cimeira do Rio+20 foi devidamente comedido pela Real Politik. Pelo menos não andámos para trás e apontaram-se algumas agendas para o futuro” – Gonçalo Cavalheiro, especialista climático .
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Esse é um dos principais resultados da Cimeira Rio+20?
Sem dúvida: chegou a era da sociedade civil, a era das empresas. Já ninguém precisa que sejam os governos a exigir, a impor ou a demonstrar que a economia verde é o futuro. Agora são as empresas que exigem que as estratégias de desenvolvimento dos países sigam os princípios da economia verde, o princípio da eficiência no consumo de todos os recursos.

Face a essas conclusões, o que se perspectiva para o tecido empresarial português em termos de RSE?
O ano de 2012 não é certamente o melhor para, empiricamente, tirar um retrato das empresas portuguesas no futuro. Mas algo é encorajador: o feedback que temos dos nossos associados não demonstra uma redução do esforço e do empenho em SER… demonstra antes profissionalização, um alinhamento com os objectivos e com o core business e uma maior eficiência na aplicação e recursos, também em matéria de SER.

Com que objectivos é que o GRACE preparou e entregou a Declaração GRACE Rio+20 ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e ao Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, tendo em conta as especificidades do nosso País face à definição da estratégia nacional para uma economia verde?
O GRACE pretendeu, com a entrega da Declaração – que sabíamos altamente ambiciosa -encorajar o governo português a fazer-se ouvir na defesa de temas tão fundamentais para nós, como o são os oceanos, a biodiversidade e as energias renováveis.

Quais são próximos desenvolvimentos previstos no âmbito deste “manifesto” que apela à consulta e participação das empresas e comunidades na definição dessa estratégia?
O GRACE e os seus associados estão prontos para colaborar com o governo e a nossa administração naquilo que sejam os próximos passos que estes definam. Quanto a nós, vamos continuando a trabalhar em prol do ‘Futuro que Nós Queremos’.

Que expectativas tem o GRACE perante a possibilidade de obter evoluções positivas na implementação dos sete pontos que recomenda e insta o Governo português a adoptar, neste Documento?
Os pontos incluídos na Declaração GRACE são fundamentais para Portugal, para o nosso futuro. Também sabemos que nos próximos anos estaremos certamente concentrados num “desvio” face a esse futuro, mas estamos confiantes que esse desvio nos leve rapidamente ao entroncamento onde poderemos seguir a estrada em que a energia que consumimos é produzida no nosso território, em que percebemos como podemos extrair – de forma sustentável – mais riqueza dos oceanos, em que a nossa biodiversidade é valorizada e protegida (em que é na protecção que reside o valor da biodiversidade), em que as alterações climáticas não se fazem sentir de forma especialmente gravosa nos nossos ecossistemas (incluindo nos ecossistemas humanos).

Temos noção que Roma e Pavia não se fizeram num dia e que, tal como na Cimeira do Rio o momento não foi o mais propício para resultados espectaculares, também este não é o momento para achar que Portugal se vai focar – apesar desse ser necessariamente o caminho – na construção de um mapa para essa estrada.

Como encara o GRACE a criação de um fórum para o desenvolvimento sustentável, anunciada na ocasião por Pedro Passos Coelho?
O GRACE está pronto para colaborar, como dizia antes. Por muito que às vezes pareça uma forma de escamotear a não acção, estes fóruns, comissões e outros órgãos são uma necessidade. Desde que realmente não sirvam para atirar areia para os olhos.

Causas sociais e ambientais em G.I.R.O 2012
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© DR
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A maior acção de voluntariado empresarial em Portugal está de volta no mês de Outubro para a sua sétima edição. No âmbito do Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações, o G.I.R.O (Grace, Intervir, Recuperar e Organizar) vai privilegiar as questões ambientais enquanto ponte entre gerações, além da já habitual requalificação de espaços pertencentes a instituições de solidariedade social, defesa dos animais e inclusão desportiva.

De 12 a 26 de Outubro, em cada uma das sextas-feiras, Lisboa, Cascais, Porto, Gaia, Santa Maria da Feira, Amarante, Braga, Faro, Coimbra e Ponta Delgada são as dez localidades que recebem a intervenção e o empenho de voluntários das empresas associadas que, ao aceitarem o desafio do GRACE, trocam o seu local de trabalho por um dia de voluntariado em prol da comunidade envolvente. De sublinhar que os Açores se estreiam nesta iniciativa.

Em seis edições, o G.I.R.O reuniu já mais de 3100 voluntários, cujo trabalho no terreno permitiu beneficiar mais de cinquenta instituições e 13 mil pessoas em todo o país.

 

Calendário G.I.R.O. 2012
12 de Outubro @ Lisboa e Cascais
. CerciLisboa
. CascaisAtlântico – Dive for All
. Jantar Comunitário Sem Abrigo
. Operação Nariz Vermelho19 de Outubro @ Porto, Gaia, Santa Maria da Feira, Amarante, Braga
. Associação Portuguesa para as Perturbações do desenvolvimento e Autismo (APPDA Norte)
. Aldeias SOS Gulpilhares – Gaia
. Habitat for Humanity – Remodelação de uma escola em Braga26 de Outubro @ Coimbra, Ponta Delgada e Faro
. Obra Casa do Gaiato – São MiguelO GIRO vai colaborar com diversas outras instituições, a divulgar.

Fonte: GRACE