Num mundo em mudança, um dos desafios mais prementes ao nível de sustentabilidade é acabar com “um erro de base na gestão: não definir o valor de recursos como a água ou o CO2”, para integrar o seu custo na estratégia. Esta foi uma das muitas ideias partilhadas na “Tertúlia das Entradas”, que assinalou no passado dia 14 de Janeiro o arranque de “um resiliente 2013”, com o anúncio do novo posicionamento da Sair da Casca (SdC), e o debate sobre as principais ameaças que o contexto de crise representa para o desenvolvimento sustentável
POR GABRIELA COSTA

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Lançando um debate que visou discutir as ameaças que o contexto de crise representa para o desenvolvimento sustentável, o evento reuniu, no Espaço Chiado 8 do Edifício da Fidelidade Seguros, em Lisboa, o responsável máximo pela Direcção de Sustentabilidade e Ambiente, António Neves de Carvalho, o presidente da Ipsos APEME, Carlos Liz, e a directora do Departamento de Emprendedorismo e Economia Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCM), Maria do Carmo Pinto, com uma plateia representativa “dos projectos que juntam os stakeholders”.

No arranque da iniciativa, que visou antes de mais constituir um espaço de partilha de ideias, Nathalie Ballan, partner da Sair da Casca, sublinhou que a empresa de consultoria em desenvolvimento sustentável quer assinalar o arranque do novo ano com optimismo, comunicando o seu novo posicionamento que aposta em “projectos com impacto”, desenvolvidos com um conceito assente em partilha de conhecimento, acção e inovação.

Partindo do recente discurso do presidente do WBCSD – World Business Council for Sustainable Development, Peter Bakker, a respeito de uma necessária revolução cultural sobre o modelo capitalista, Nathalie Ballan questionou as tendências que estão a emergir, ao nível da sustentabilidade, lamentando a postura de algumas empresas que reduzem drasticamente os seus orçamentos nesta área, devido à crise.

Ameaças e estratégias
Aberto o debate, a partner da SdC quis saber quais são as prioridades para as empresas, ao nível da sua estratégia de sustentabilidade. Para Neves de Carvalho, e a propósito do apelo de Peter Bakker para que se faça uma “revolução do capitalismo”, quarenta anos depois de ter sido lançada a discussão sobre desenvolvimento sustentável, o mundo não está a fazer progressos suficientes, como também defende o presidente do WBCSD.

Tal como proferiu na sua intervenção no Prince’s Accounting for SUstainability Forum, a respeito do papel que a comunidade financeira e de accounting desempenha para uma economia global capaz de fazer face aos desafios do futuro, o presidente do WBCSD defende que actualmente a necessidade de acção é “mais urgente do que nunca”, e que a “liderança visionária, por si só, não chega”. O que importa agora, afirma, é “que se implementem soluções de negócio em escala”.

Defendendo que o ‘business as usual’ não é opção para uma economia válida no futuro – já que o modelo convencional do capitalismo integra demasiados negócios e estratégias que dependem de uma ideia “ingénua”, a de que os actuais princípios económicos são estáticos –, Bakker explica que o apelo para uma mudança que reconheça que “o capitalismo requer um novo sistema operativo e precisa de ser reiniciado, se queremos evitar uma recessão extrema, ou pior, um colapso total”, é hoje incontornável.

Não podendo deixar de concordar, Neves de Carvalho admite que “a situação é insustentável”, já que, como bem nota Bakker no seu discurso, “a pobreza não foi erradicada, a falta de equidade social aumentou, a fome e a subnutrição ainda são responsáveis pela morte de uma criança a cada seis segundos”. Acresce que existem hoje 1,8 mil milhões de pessoas sem acesso a água potável ou a condições sanitárias, e 2,3 mil milhões que não têm acesso a electricidade. Um drama que se agrava com as ameaças crescentes impostas pelas alterações climáticas, lembra o presidente do WBCSD.

Enquadrando estes números, o director de Sustentabilidade e Ambiente da EDP recorda que actualmente, dos 7 mil milhões que constituem a população mundial, apenas uma percentagem reduzida habita nos chamados países desenvolvidos. E a verdade é que nestes “ditos países civilizados, com o mal dos outros podemos nós bem”. Ainda.

Exemplo disso é a indiferença global sentida face a realidades que já não deviam existir: “ao dia de hoje existem 1300 centrais a carvão em desenvolvimento no mundo”. Isto “apesar de estar mais do que ultrapassada a discussão teórica sobre sustentabilidade ambiental”, conclui.

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Sustentabilidade ‘humana’
A pergunta já não devia ser feita, mas impõe-se perante este contexto: “afinal o que é sustentabilidade?” Aplica-se o conceito à garantia de preservação dos recursos da Terra, numa perspectiva estritamente ambiental? “A natureza tudo aguenta”, e se há recursos naturais que “demoram milhões de anos a renovar-se”, certo é que se renovam. Portanto, a sustentabilidade visa “a renovação dos recursos necessários à sobrevivência humana e não à do Planeta”, recorda Neves de Carvalho.

É por isso que o verdadeiro conceito de crescimento sustentável implica “a valorização efectiva de todos os bens e serviços que se utilizam”, efectivamente, incluindo aqueles – como os recursos minerais – que “não tínhamos em consideração no passado, e que temos de passar a ter”.

Acresce que, face a uma pegada ecológica média, calculada hoje em uma vez e meia o que custa regenerar os recursos utilizados num ano a nível global, “há países e países”, ou seja, consumos e consumos: apesar da já longa discussão em torno da globalização e da sustentabilidade, “os desequilíbrios continuam muito acentuados”, sublinha o especialista, com países como os EUA a consumirem 9,4 planetas, países europeus como Portugal a gastar 2,5 e a China, por exemplo, a registar uma pegada ecológica de apenas 0,8, pelo menos por enquanto, explica Neves de Carvalho.

É que vivemos “um panorama económico global em mudança”, marcado pela tendência para que países emergentes como a China, a Índia e o Brasil cheguem, até 2050, à posição de líderes globais, como é sabido. E não devemos esquecer que nos países em desenvolvimento “as pessoas vêem na televisão a crise que gostavam de estar a viver” – a vontade de chegarem às nações desenvolvidas é algo “viral e imprescindível”, conclui.

Em conclusão, na opinião de Neves de Carvalho, os vectores imprescindíveis para uma mudança sustentável incluem, desde logo, o fim de “um erro de base na gestão: não definir o valor dos recursos para avaliar o seu custo – recursos como a água ou o CO2 têm de ser calculados.

As empresas nunca devem descurar as suas estratégias de sustentabilidade, mesmo que tenham de regredir nos seus investimentos devido à actual conjuntura económica. Devem antes procurar alternativas, como a criação de sinergias com outras empresas, para partilha de recursos, conclui. É ainda significativo “estimular o empreendedorismo, premiando ideias novas e inovadoras”.

Uma mudança com impacto positivo requer Aida que, em equilíbrios com a satsfação das necessidades elementares, ao nível da saúde, educação, etc., se “resolva o problema do desperdício na alimentação, que atinge hoje, a nível mundial, “mtde do que se produz”.

“É preciso desmaterializar o nosso bem-estar, alterando o conceito de qualidade de vida e de felicidade” – Neves de Carvalho, Director de Sustentabilidade e Ambiente da EDP .
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Outro vector estratégico, para Neves de Carvalho, é a mobilidade, que “tem de se fazer com ordenamento e eficiência energética”.

Finalmente, e num âmbito que nos remete para a revolução cultural que coloca em causa o modelo convencional do capitalismo de que fala Peter Bakker,é preciso “desmaterializar o nosso bem-estar”, alterando “o nosso conceito de qualidade de vida e de felicidade,isto é, revisitando-o nos seus valores fundamentais – a família e o trabalho, por exemplo. Para tanto, “é necessário investir seriamente na educação”, alerta o director de Sustentabilidade e Ambiente da EDP.

Empresas têm de arriscar
Sendo a Inovação Social “o motor do empreendedorismo, pois não se empreende o que já está feito”, como afirma a directora do Departamento de Empreendedorismo e Economia Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCM), que soluções são mais prementes, questiona Nathalie Ballan.

No entender de Maria do Carmo Pinto, o que é necessário, “e difícil, é atribuir sustentabilidade aos projectos de inovação social”.

Com quinhentos anos como instituição ao serviço dos mais desfavorecidos, a SCM “é uma sobrevivente”, diz, que integra hoje como “consequência lógica do seu lema de “assistência directa, diária e contínua” uma área de empreendedorismo.

Nesta matéria, acredita a responsável, é preciso receber que “durante cinquenta anos estivemos adormecidos, porque o Estado dava resposta a tudo, mas tivemos de acordar de repente, pois o Estado já não tem recursos para prover a essa assistência”.

É com esta consciência que o programa de apoio ao empreendedorismo da SCM fomenta projectos de auto-emprego e soluções empresariais (para desempregados, por exemplo), de uma forma que garanta “modelos de negócio replicáveis e sustentáveis”, conclui.

Em conjunto ou não com as organizações da sociedade civil, “as empresas têm um papel social cada vez mais reconhecido pelos consumidores”, adianta Carlos Liz, presidente da Ipsos APEME. O conceito de sustentabilidade “está muito bem percebido, e os consumidores têm interesse nele”, identificando na comunicação que leva ao consumo (como a publicidade) a divulgação de informação útil”, a par da oportunidade de promoções, “hoje muito valorizadas”, devido à crise.

Num mundo em mudança onde “está em curso uma conversão quanto ao olhar das pessoas sobre o conceito de qualidade de vida”, “o terreno está bem preparado para a sustentabilidade”, defende Carlos Liz. Num estudo da empresa de análise e estudos de mercado, tendências e comportamentos dos consumidores, a percepção sobre “as entidades mais activas na promoção da sustentabilidade recai, por esta ordem, no meio científico e académico; escolas; ONG e demais entidades da sociedade civil; empresas; Igreja e, por fim, no Estado.

As empresas terão vantagem em “falar a linguagem do consumidor e não apenas a do cidadão”, acredita o presidente da APEME, que recomenda a todas que “empreendam a sua vocação para a inovação”, arriscando na “desconstrução e no experimentalismo”.

“Make it Happen”
Em 2012, a Sair da Casca apresentou uma nova imagem e posicionamento, “assumidamente virados para a acção e para a necessidade de inovação”. O posicionamento assumido na nova marca para as ideias de construção e implementação integra “o impacto positivo que a preocupação com o desenvolvimento sustentável tem nos consumidores, na comunidade, na cadeia de valor e dentro das próprias empresas, quando gera mudança de comportamentos”, como explica em declarações ao VER a partner da SdC, Nathalie Ballan.Criada em 1994, a Sair da Casca foi a primeira empresa em Portugal de consultoria em desenvolvimento sustentável e Responsabilidade Social. Fazendo a ponte com o contexto do Rio + 20, a SdC acredita que as empresas são o motor para construção da “green economy no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”.

Para a consultora, “o ovo é muito mais do que a representação de um nome, tem também uma simbologia que se une ao que faz mover a Sair da Casca”, já que “é do ovo que nascem as coisas novas”. Assim, e com a missão de estimular a mudança e acelerar a transformação, através de ações focadas em resultados e impactos; dinamizar a cooperação entre as empresas e a sociedade, como reforço da confiança entre as diferentes partes interessada; e criar competências, educar e mobilizar para a sustentabilidade, “a essência da Sair da Casca é fazer acontecer”.

“Make it Happen” é a promessa da Sair da Casca em” fazer acontecer e em gerar real valor”, consciente que “hoje em dia, muito se fala, muito se estuda e muito se discute”. Mas “por vezes os resultados práticos ficam longe do desejado. Perdem-se pelo caminho, nem sempre são facilmente mensuráveis por todas as partes interessadas, incluindo a sociedade”.

“Das palavras aos actos vai um grande passo e a Sair da Casca sabe como estar no terreno para dar esse passo, conclui Nathalie Ballan, garantindo: “queremos provocar, estar presentes no terreno e desenvolver processos de criação entre as empresas e as suas partes interessadas. Com optimismo e criatividade”.

Entre as estratégias desenhadas para 2013, a partner da Sair da Casca destaca três temas abrangentes: o consumo sustentável, a inovação social e o combate à pobreza, e a educação para a acção – “em ano da cidadania activa as empresas continuam a ser parceiros incontornáveis da comunidade educativa para chamar a atenção para temas como a mobilidade, o consumo, o empreendedorismo ou o voluntariado”, diz.

Ao nível de acções, estão previstas, entre outras, a manutenção do acompanhamento ao grupo de reflexão da APAN sobre a comunicação responsável; o lançamento de um projeto multistakeholder sobre o consumo sustentável; a progressão na compreensão do que pode ser o papel da empresa como investidor e empreendedor “social”, coincidindo com a comemoração dos dois anos do Action Tank; o acompanhamento da concepção de um projecto de negócio inclusivo em Moçambique, em colaboração com ONG, Fundações e empresas e, finalmente, a elaboração de um workshop com John Elkington sobre os dilemas entre a visão de curto prazo e a necessidade de uma perspectiva de longo prazo, coerente com os objectivos do desenvolvimento sustentável.

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