O tempo do poder hegemónico terminou. A China irá ultrapassar os Estados Unidos em termos económicos. A guerra pelos recursos básicos intensificar-se-á. Uma nova classe média emergirá. Quanto à Europa, poderá colapsar, crescer lentamente ou renascer. Estas são as principais previsões, comuns nesta época do ano, mas veiculadas pelo National Intelligence Council, com credibilidade suficiente para serem tomadas em consideração pelos decisores globais
POR HELENA OLIVEIRA

O National Intelligence Council (NIC), um órgão consultivo do Governo norte-americano para questões estratégicas, publicou recentemente o denominado Global Trends 2030: Alternative Worlds (GT2030). Um relatório com previsões que tem como objectivo ajudar os líderes mundiais a perceber as alterações mais significativas que o planeta irá sofrer. Como todos os relatórios visionários, vale o que vale e pode ser encarado com menor ou maior cepticismo. Todavia, e por ser publicado pelo NIC, goza de uma credibilidade significativa junto dos decisores públicos e dos políticos, ou seja, junto daqueles que são responsáveis por tomar decisões importantes no que respeita ao futuro do planeta.

As tendências gerais identificadas pelo GT2030 estão já a acontecer, sendo crucial que os líderes globais as compreendam e a elas se adaptem. Por exemplo, quando o GT2030 escreve sobre os conflitos existentes no que respeita ao acesso à água ou sobre os desafios colocados pelas alterações climáticas, e não sendo estas temáticas novas, a verdade é que acabam por ganhar renovada importância na agenda internacional.

O VER leu o relatório e sumariza, de seguida, as principais tendências globais estimadas, em conjunto com as principais previsões para uma Europa fustigada de más notícias ao longo do ano prestes a terminar.

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América proeminente, mas sem hegemonia de poder
Os Estados Unidos da América deverão manter a sua proeminência em 2030, mas um mundo unipolar deixará de existir, sendo que a China, apesar de gigantesca, possui um potencial limitado para substituir a América enquanto líder internacional. Por seu turno, o poder económico sofrerá uma alteração de rota, movendo-se para leste e para sul, sendo que as perspectivas económicas serão cada vez mais dependentes dos poderes emergentes. Esta situação terá como consequência uma provável expansão dos interesses norte-americanos além-fronteiras, à medida que a globalização económica se tornar ainda mais forte. O relatório alerta igualmente para o facto de estes poderes “emergentes” serem, em simultâneo, dotados de muita instabilidade.

No que respeita à China, o relatório prevê que esta não seja, ao longo das próximas décadas, um “concorrente par”. Ou seja, apesar de todas as estimativas apontarem para que permaneça em crescimento num conjunto significativo de factores importantes enfrenta, em simultâneo, vários desafios internos que a inibirão de subir ao pódio dos líderes globais. Mas, longe de ser menosprezada, a China terá um enorme poder regional.

Os tradicionais aliados norte-americanos (Europa e Japão) encontram-se num declínio acentuado no que respeita ao poder e comparativamente aos Estados Unidos. As previsões apontam, contudo, para que a União Europeia saia revigorada do difícil caminho que está a trilhar actualmente e, caso este cenário optimista vingue, poderá vir a ser tão poderosa quanto a China em 2030.

O GT2030 chama igualmente a atenção para um outro relatório recentemente publicado pela Agência Internacional da Energia que afirma que a exploração de reservas de petróleo “light” (Tight light oil – TLO, na sigla em inglês) proporcionarão aos Estados Unidos independência energética a breve trecho, podendo este vir a ser um exportador de petróleo por volta de 2030. Os impactos no preço, estima-se, poderão ter início sensivelmente daqui a um ano, sendo que os seus efeitos serão, com o passar do tempo, muito mais pronunciados. Dependendo da especificidade da previsão, e sendo esta uma boa notícia para o mercado interno norte-americano, a tornar-se verdade, poderá contribuir para uma preocupante destabilização dos países que dependem fortemente dos elevados preços energéticos como a Arábia Saudita, a Rússia, vários estados africanos, entre outros.

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O impacto no sistema global provocado pelas “mega-tendências”
Foram igualmente identificadas quatro grandes tendências globais que terão efeitos significativos em todo o sistema internacional: um empowerment individual, o peso demográfico, a dispersão do poder e um relacionamento mais articulado das questões da energia, da água e da alimentação.

    • Empowerment individual

De acordo com o relatório, a esmagadora maioria da população não sentirá níveis de pobreza mais elevados do que aqueles que existem actualmente, ou seja, espera-se um menor empobrecimento da população mundial. E, à medida que um maior número de indivíduos se “deslocar” para a classe média (apesar de a mesma estar a ser delapidada na Europa), novos valores emergirão. As exigências de alterações sociopolíticas irão aumentar, bem como os bens de consumo. Esta situação não trará segurança às classes médias, nem que seja apenas por causa dos mil milhões de trabalhadores provenientes das economias em desenvolvimento que, estima-se, se juntarão à pool de trabalho global, colocando uma pressão ainda maior no trabalho não especializado e, por consequência, no desemprego.

    • Demografia

O aumento, cada vez mais significativo, da esperança média de vida é um factor a ter em particular atenção e uma tendência que sabemos estar já a ocorrer. O relatório estima igualmente que as mortes globais devido a doenças transmissíveis sofram um declínio na ordem dos 40%. Alguns países, particularmente na África subsaariana e no sul asiático, terão ainda populações jovens, mas o arco instável da demografia sofrerá novos revezes tanto no ocidente como no oriente. Os países envelhecidos enfrentam, entre outros problemas, uma forte possibilidade de declínio no seu crescimento económico. As migrações serão cada vez mais expressivas e disseminar-se-ão pelas potências emergentes. A urbanização crescerá, em média, 60%.

    • A dispersão do poder

A era de um poder hegemónico já passou. O poder será jogado em redes e em coligações do denominado mundo multipolar. Estima-se que a Ásia, no seu todo, ultrapasse o poder global detido tanto pelos Estados Unidos da América como pela Europa, tendo como base o PIB, a dimensão das suas populações, os gastos militares e o investimento tecnológico. A China é vista como o país que, muito provavelmente, terá a maior das economias, ultrapassando os Estados Unidos alguns anos antes de 2030. Adicionalmente à China, Índia e Brasil, players regionais como a Colômbia, a Indonésia, a Nigéria, a África do Sul e a Turquia tornar-se-ão extremamente importantes na economia global, ou seja,  o poder de outros estados não ocidentais ou “a meio da tabela” irá crescer também. E, enquanto grupo, estes países irão ultrapassar a pujança da Europa, do Japão e da Rússia. As previsões apontam igualmente para que a economia da China seja 140% superior à do Japão, sendo que a Índia ultrapassará o Paquistão em 16 vezes. Enquanto alguns países actualmente frágeis, como o Iraque, a Etiópia, a Serra Leoa, a Libéria e a Nigéria, poderão mover-se para uma plataforma de crescimento mais sólida, outros, como o Afeganistão, a Somália ou República Democrática do Congo, permanecerão num estado de extrema vulnerabilidade. Todavia, e como alerta também o relatório, esta mudança em termos de poder nacional será obscurecida por uma alteração ainda mais complexa na natureza desse mesmo poder: “devido às tecnologias de comunicação, o poder irá deslocar-se através de redes multifacetadas e amorfas que serão formadas para influenciar as acções dos Estados e globais. Todavia, os países detentores de alguns dos fundamentos mais fortes – como o PIB, a dimensão populacional, etc. – não serão capazes de aguentar o seu próprio peso a não ser que aprendam a operar em redes e coligações num mundo multipolar”, acrescenta o relatório

    • Maior articulação entre energia, água e alimentação

A procura por recursos irá crescer significativamente devido ao aumento esperado da população mundial, de 7,1 mil milhões de habitantes actualmente para 8 mil milhões em 2030. Estima-se que a procura de alimentos cresça cerca de 50%, sendo que a energia sofrerá um aumento de procura na ordem dos 45% nos próximos 15 a 20 anos. Cerca de metade da população mundial viverá em regiões com sérias dificuldades em prover água potável. Apesar de continuarem a ser os países já identificados como frágeis a sofrer as piores condições, nem a Índia nem a China se livram da vulnerabilidade, devido à volatilidade de recursos cruciais. Dado que serão muitos os países a sentir uma pressão crescente para gerir os seus recursos e para governarem, como resposta, de forma mais eficaz, existem fortes possibilidades de se assistir a uma instabilidade crescente, em conjunto com migrações forçadas. As principais interrogações para fazer face a estes desafios prendem-se com uma gestão mais eficaz, com a ampliação da utilização da tecnologia e com mecanismos de governança mais sólidos.

De sublinhar ainda um último ponto, comum às geografias globais. Apesar de as estimativas apontarem para melhores níveis de vida no geral, a segurança económica permanecerá “esquiva”. E se o terrorismo era percebido até há pouco tempo como resultado da pobreza e da opressão, todos os dados indicam que os núcleos de terrorismo serão, cada vez mais, provenientes de classes médias educadas. Desta forma, previsões de melhorias económicas, em conjunto com uma sociedade mais saudável, mas com défice de recursos, com governos mais fracos, com expectativas crescentes e no meio de uma insegurança generalizada poderão dar lugar a um aumento da violência ideologicamente motivada. Os autores do relatório admitiram até que “a ideologia é um conceito demasiado difuso… difícil de definir… e igualmente difícil de medir” e que não se vislumbram, no horizonte em causa, que haja uma ressurgência dos “ismos”, sejam eles do fascismo ou do comunismo. Todavia, alertam os autores, “pequenas mudanças ‘político-psico-sociais’ que, na maioria das vezes, não são de cariz ideológico, mas comportamental, devem ser cuidadosamente consideradas”.

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Europa: declínio, colapso ou renascimento?

As previsões para a Europa por parte do GT2030 prendem-se não com a desintegração do Velho Continente – que continuará pujante em 2030 – mas sim com as interrogações que persistem face ao poder colectivo dos países que compõem a União Europeia. O relatório traça três possíveis cenários para a UE em 2030: um colapso, um ligeiro declínio ou um ressurgimento.

Como se pode ler no GT2030, “as apostas são particularmente elevadas tanto ao nível económico como político para a Europa, sendo que o futuro da UE é muito incerto”. Apesar de não existir consenso quanto ao seu futuro molde ou papel, os especialistas concordam que “este terá poucas similaridades com a Europa da actualidade”. Com a crise da zona euro no topo das preocupações, a economia europeia está a sofrer de “males estruturais profundos”, avança ainda o relatório, sublinhando igualmente o declínio da produtividade, nos últimos 15 anos, comparativamente a outras economias desenvolvidas, os gastos pouco significativos em I&D, o “enorme peso do Estado” nos governos europeus relativamente à economia e um enorme desequilíbrio etário entre os cidadãos activos e os não activos. Os autores recordam igualmente as reformas e os novos instrumentos introduzidos desde 2010 para fazer face à crise da zona euro, mas sublinham que uma maior integração será estritamente necessária para ultrapassar a crise da dívida e abordar eficazmente os problemas estruturais. De acordo com o relatório, um “passo em frente” genuíno no sentido desta integração irá implicar transferências massivas de soberania para as autoridades centrais, que serão acompanhadas por uma perda significativa de autonomia, algo que é crescentemente impopular junto do povo europeu. O relatório formula então os seguintes três cenários, já anteriormente mencionados.

    • O possível colapso

Apesar de ser considerado como muito pouco provável, o GT2030 alerta para os riscos imediatos que tal cenário teria na comunidade internacional. “Neste cenário, as empresas nacionais e os agregados responderiam a indicações de uma alteração do regime da moeda, acelerando rapidamente a retirada de depósitos em euros das instituições financeiras locais. E, graças ao contágio a outros estados-membros, em conjunto com danos económicos em países cruciais, o euro seria a primeira vítima”, escrevem os autores. Uma possível saída da Grécia da zona euro causaria danos colaterais, oito vezes superiores aos causados pela falência do Lehman Brothers, provocando uma crise sem precedentes para o futuro da UE, de acordo com as estimativas dos analistas. Este tipo de cenário iria, de imediato, catalogar as instituições europeias como “vítimas colaterais”. Em simultâneo, o mercado único e a liberdade de movimentos na Europa seria colocado em risco devido ao restabelecimento do capital e dos controlos fronteiriços. “Mediante este cenário, teria lugar uma desarticulação económica grave e as fracturas políticas conduziriam a um desmoronar da sociedade civil. Se este colapso fosse súbito e inesperado, existiria uma forte probabilidade de despoletar uma recessão global ou outra Grande Depressão”.

    • O possível declínio lento

Num cenário de declínio lento, a “Europa conseguirá escapar dos piores aspectos da actual crise, mas fracassará no objectivo de levar a cabo as suas reformas estruturais”, pode ler-se também no relatório. “Enquanto os estados-membros resistem a anos de fraco crescimento económico, manter-se-ão juntos para evitar grandes disrupções políticas e económicas. As instituições europeias aguentar-se-ão, mas o descontentamento popular manter-se-á elevado. O euro sobrevive, mas não terá força suficiente para fazer sombra ao dólar ou ao yen”. Devido ao somatório de anos com fraco crescimento, a presença internacional da Europa só terá tendência para diminuir e os países ver-se-ão obrigados a renacionalizar as suas políticas estrangeiras.

    • O possível renascimento

De acordo com o 3º cenário, os líderes europeus concordarão em dar um “passo federalista”. Uma Europa mais federal é apenas considerada pelo grupo restrito e principal dos países da zona euro, com alguns países a escolher ficarem de fora e outros a adoptarem políticas de “esperar para ver”. “Com o passar do tempo, e apesar da existência de uma Europa a várias velocidades, o mercado único manter-se-á na sua essência, bem como as políticas de segurança e as políticas internacionais, com elementos aperfeiçoados da democracia europeia. A influência do Velho Continente aumentará, fortalecendo o seu papel e o das suas instituições multilaterais no palco mundial.

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