Em 24 países europeus analisados, Portugal ocupa a 17ª posição no Barómetro Bem-estar Financeiro, publicado a 31 de Março último pela Intrum, o qual visa aferir a capacidade relativa dos consumidores europeus para equilibrar os seus rendimentos e as suas despesas mensais, o pagamento das contas domésticas dentro dos prazos estabelecidos e a poupança de uma parte do salário mensal para assegurar o futuro. Só que, e mais uma vez, e ainda na “ressaca” da crise pandémica, o mundo enfrenta novas tormentas provocadas por um conflito sem sentido e abjecto, o qual poderá afectar seriamente a recuperação da economia global
POR HELENA OLIVEIRA

Tal como já revelado em outros estudos realizados pela Intrum, os consumidores espera(va)m que a recuperação financeira que estava já em curso se transformasse numa tendência contínua ao longo de 2022. Ultrapassada a crise pandémica (ou assim se espera), o futuro afigurava-se menos sombrio e “alívio” seria talvez a palavra certa para acompanhar a esperança de melhores dias. No entanto, e como sabemos, ninguém estava à espera que o mundo regressasse ao passado e que, em pleno século XXI, os horrores de uma guerra que sabemos como começou mas que ninguém tem a mínima ideia de como irá terminar, voltasse a desassossegar os cidadãos e a ter um impacto económico ainda pouco previsível a nível global. Como afirmou na semana passada o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, à entrada para uma reunião do Conselho do Atlântico com os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países-membros, “temos de ser realistas e perceber que esta guerra pode durar muito tempo, por muitos anos ou meses”.

Assim, este barómetro espelha já o receio expressado pelos cidadãos dos 24 países europeus auscultados no que respeita a uma nova crise global e às dificuldades que terão novamente de enfrentar num horizonte demasiado próximo. A verdade é que passados cerca de 50 dias após a invasão da Ucrânia pela Rússia e com as sanções económicas do Ocidente a esta última, a incerteza volta a reinar e a fazer-se sentir no comportamento das famílias, que começam a ter alguma dificuldade em cumprir, atempadamente, as suas obrigações financeiras.

Este barómetro baseia-se em dados disponibilizados no último European Consumer Payment Report (ECPR), publicado também pela Intrum em Novembro de 2021, em conjunto com estatísticas publicamente disponibilizadas pelos países auscultados, a fim de permitir a elaboração de um ranking de bem-estar financeiro dos 24 países europeus. Esta classificação assenta igualmente em três pilares por excelência: a capacidade de as famílias pagarem as suas contas domésticas atempadamente, a poupança para o futuro e a literacia financeira. O estudo integra igualmente indicadores-chave que permitem calcular o rácio de endividamento dos consumidores relativamente ao seu rendimento.

Portugal ocupa o 17º lugar no ranking do bem-estar financeiro

Apesar de não ser propriamente famosa a classificação nacional (17º em 24 países), face a 2020 Portugal subiu dois lugares, ficando este ano à frente da Itália, Hungria, Dinamarca, Polónia, Reino Unido, Eslováquia e Grécia, e com a Áustria, a Alemanha e a Suíça a ocuparem respectivamente, as três posições mais fortes no que respeita ao bem-estar financeiro.

Comparativamente a 2020 e em plena pandemia, altura em que os consumidores assistiram a uma quebra significativa na sua estabilidade financeira, o relatório dá igualmente conta de uma recuperação na Europa do sul, se bem que moderada. Com o terrível impacto da Covid-19 no sector do turismo (e em outros), as dívidas das famílias aumentaram, sendo que, e pouco mais de um ano depois, Portugal, Espanha e Itália mostram sinais de alguma recuperação, apesar de serem ainda muitos os cidadãos e empresas que continuam a sofrer os efeitos da crise.

Ainda de acordo com o inquérito ECPR, 48% dos consumidores portugueses relataram sentir-se em pior situação financeira face ao período pré-pandémico, com mais de 75% dos espanhóis a declarar a sua preocupação com o impacto da inflação no seu bem-estar financeiro e com 62% dos italianos a afirmar que, e depois de pagas as contas, ficarem com menos de 20% do seu salário comparativamente a 40% da média europeia.

No que respeita aos três pilares em que assenta o barómetro de 2022, e tendo e já em conta a invasão da Ucrânia, a economista sénior da Intrum, Anna Zabrodzka alerta para o impacto económico negativo que as famílias irão sofrer. O aumento da inflação terá um efeito pernicioso nos orçamentos domésticos, com as famílias a terem de dar prioridade ao pagamento das suas contas e dos bens alimentares, o que e consequentemente, terá impacto no pagamento das suas dívidas. Se esta pressão se mantiver, e para já tudo indica que sim, o incumprimento das obrigações financeiras afectará um número cada vez maior de famílias.

Analisando cada um dos pilares em causa, Portugal continua a sair-se muito mal na fotografia de grupo dos 24 países auscultados no que respeita à capacidade de pagamento atempado das suas contas. Apenas com a Hungria e a Grécia em pior situação, o nosso país está no fim da tabela onde ocupa um preocupante 22º lugar, o mesmo que preenchia no ranking de 2020. Ou seja, nada parece ter mudado neste campo. Já no top 3 dos países mais cumpridores, encontram-se, respectivamente, a Alemanha, a Dinamarca e a Áustria.

No entanto e apesar de ser cada vez mais difícil para os consumidores conseguirem poupar para o futuro, a situação afigura-se um pouco menos negra, com Portugal a posicionar-se no 16º lugar da tabela em causa e indo ao encontro do que sugere a economista sénior da Intrum, ao afirmar que o aumento das taxas de poupança em 2021 poderá estar ainda a funcionar como um amortecedor temporário para as famílias antes que estas incorram novamente numa situação de desequilíbrio financeiro. Os irlandeses, os neerlandeses e os suíços são quem mais consegue poupar, mesmo no ambiente volátil em vivemos.

As boas notícias surgem apenas no pilar relacionado com a literacia financeira, com Portugal a ocupar um honroso 6ª lugar. Apesar de não conseguir ainda competir com a Finlândia, Suécia e Irlanda, os três países mais bem classificados nesta matéria, este resultado comprova e segundo a Intrum, que a literacia financeira é uma temática crescentemente abordada pelas famílias portuguesas, o que não acontece e por exemplo com a Itália e com a França que, neste indicador em particular, posicionam-se no final da tabela.

Perspectivas económicas a curto prazo obscurecidas pela invasão russa da Ucrânia

O Barómetro de Bem-estar Financeiro recentemente divulgado inclui ainda uma previsão, se bem que cautelosa, sobre o impacto económico directo provocado pelo conflito sangrento que se abate sobre a Ucrânia. No que respeita ao comportamento das famílias, este embate está já a fazer-se sentir, traduzido na sua dificuldade em encontrar um equilíbrio entre os seus rendimentos mensais e as suas despesas. Ou, e como todos nós estamos já a testemunhar, os aumentos contínuos e significativos dos preços estão já a afectar famílias e empresas no que respeita ao cumprimento das suas obrigações financeiras.

Para a Intrum, parece ser óbvio contarmos com subidas na inflação nos próximos meses, graças à incerteza causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e pela subida significativa dos preços do petróleo e do gás. No que ao nosso país diz respeito e de acordo com as estimativas publicadas no boletim de Março pelo Banco de Portugal, prevê-se que a inflação suba para 4% este ano, 2,2 pontos percentuais acima dos 1,8% previstos anteriormente, com o pior cenário a apontar para uma drástica subida para 5,9%[de acordo com dados do INE recentemente divulgados, em Março, a variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) atingiu 5,3%, o valor mais alto desde Junho de 1994].

Num momento em que as sanções económicas impostas à Rússia estão a intensificar-se, a verdade é que no que respeita à suspensão das compras de petróleo e gás ao país liderado por Putin, a divisão reina entre os 27 Estados-membros da EU, o que consiste em mais um factor de incerteza global.

Como sublinha também a intrum, a Rússia é o principal produtor e exportador de várias outras matérias-primas, tais como carvão, ferro, alumínio, cobre, níquel e platina. O níquel é, e por exemplo, indispensável para as baterias de veículos eléctricos, enquanto o cobre é extensivamente utilizado no fabrico de produtos de electrónica (a Rússia controla 10 por cento das reservas mundiais de cobre). Por seu turno, a Ucrânia é um importante produtor de gás néon, o qual é essencial na produção de chips. Para além destes factores que, certamente, irão exacerbar as rupturas das cadeias de abastecimento, ambos os países são importantes produtores e abastecedores mundiais de alimentos, em particular de trigo, centeio e milho. E na medida em que os preços destes bens têm vindo a aumentar, as pressões inflacionistas a nível mundial afiguram-se como certas.

Como a situação actual em que vivemos é profundamente incerta, torna-se extremamente difícil fazer previsões no que respeita a quão severas poderão vir a ser as pressões sobre os preços e qual o impacto económico que se espera nas condições económicas globais.

Todavia, e como alerta a Intrum, se o conflito for longo, estaremos novamente perante um conjunto de consequências políticas, sociais e económicas muito complexas, o que resultará em disrupções no comércio mundial e nas cadeias de distribuição. Um agravamento significativo da crise energética na Europa será, também, quase certo.

Assim, e se o cenário mais pessimista se tornar realidade, o aumento acentuado de custos energéticos a par da subida dos bens alimentares, poderá provocar uma brusca aceleração da inflação. Com a extensão do período de pressões inflacionistas e a incerteza a longo prazo a repercutirem-se na economia real, são já muitas as entidades que alertam, Intrum incluída, para o surgimento da estagflação – uma situação onde a inflação elevada é combinada com uma desaceleração económica ou mesmo recessão. Num cenário desta natureza, o qual está a ser encarado como uma forte possibilidade, governos e bancos centrais deverão decidir voltar a implementar os estímulos fiscais e monetários já utilizados durante a pandemia, para apoiar as suas economias.

Seja o que estiver para vir, empresas e famílias deverão estar preparadas para resistir a mais uma tempestade económica, sobretudo para os que ainda não conseguiram erguer-se do tombo causado pela crise pandémica.

E muito importante será o facto de as empresas conseguirem cumprir os prazos de pagamentos aos seus fornecedores, tal como tem vindo a ser proposto pelo programa Compromisso Pagamento Pontual, o qual conta já com cerca de 1800 empresas que se esforçam para inverter a má prestação de Portugal no que a esta matéria diz respeito, e na medida em que o pagamento não atempado pode dar origem a despedimentos, à falência de empresas mais vulneráveis e, consequentemente, ao sofrimento de milhares de famílias portuguesas.

Editora Executiva