Parece fácil, mas não é. Na verdade, quando alguém é promovido a “patrão”, está longe de imaginar que tal salto é tão complexo como mudar de carreira. Em entrevista exclusiva ao VER, Lowell K. Lineback, co-autor com Linda A. Hill, do livro Being the Boss, explica os três imperativos necessários para que um gestor noviço se torne num chefe de excelência. Um aviso aos mais apressados: esta é uma jornada de anos e, na verdade, são poucos os que a conseguem terminar
POR HELENA OLIVEIRA

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Está a ser um dos grandes sucessos editoriais de 2011 e foi já considerado como um dos cinco melhores livros de gestão de carreira pelo The Wall Street Journal. Com a chancela da Harvard Business School Press, o livro Being the Boss: The 3 Imperatives for Becoming a Great Leader, escrito por Linda A. Hill e por Lowell Kent Lineback, autor do best-seller The Monk and the Riddle, explica como evitar o pior dos destinos: ser um mau “patrão”.

Apesar de um aspirante a chefe considerar que liderar os outros constitui apenas mais um passo na sua carreira estelar, a verdade é que, para se vir a ser um líder eficaz, é necessário iniciar uma dolorosa e complexa viagem: feita de tentativas e erros, de esforços intermináveis e no meio de uma teia de expectativas conflituosas por parte de subordinados, supervisores, pares e clientes. Como afirmam os autores, “são muitos aqueles que nunca terminam a viagem”. Na melhor das hipóteses, vão aprendendo com os erros que vão cometendo; na pior, transformam-se em péssimos líderes. Em entrevista exclusiva ao VER, Lowell Kent Lineback, fala das principais armadilhas que os aspirantes a líderes de excelência encontram, os desafios que têm de ultrapassar e traduz os três imperativos que devem seguir se quiserem ficar na história como “bons patrões”.

Escreve, no seu livro, que quando alguém é promovido a gestor, tal exige uma transformação da identidade profissional. Qual o significado desta afirmação?
Os gestores geralmente começam as suas carreiras como performers individuais cujas identidades têm como base o trabalho que eles próprios desenvolvem. Mas quando se tornam gestores, esse deixa de ser o caso. A partir desse momento, o seu contributo é determinado pelo trabalho de outros e não mais pelos seus esforços directos. Este facto requer uma profunda mudança na forma como os gestores pensam sobre si mesmos e como respondem às seguintes questões: “qual é a fonte do meu contributo?”  e “como é que eu acrescento valor?” Muitos gestores tentam evitar esta alteração simplesmente olhando para os outros que trabalham para eles como se estes fossem uma extensão de si mesmos – um conjunto extra de braços, por assim dizer – em vez de serem encarados como indivíduos separados e distintos que eles têm, de alguma forma, de gerir.

E porque exige uma transformação pessoal muito complexa, o processo para alguém se tornar num bom gestor demora muito tempo. Para a maioria de nós, é uma viagem de anos, e não de semanas ou meses, uma jornada de esforço contínuo e de aprendizagem a partir da nossa própria experiência. E esta é a razão devido à qual a maioria dos gestores que entrevistámos para o livro simplesmente deixou de melhorar. Normalmente, fazem progressos até um determinado ponto, sem terem consciência de que têm ainda um longo caminho a percorrer, ignorantes no que respeita ao seu destino (o gestor que devem vir a ser) e, talvez, relutantes, para fazerem as mudanças pessoais exigidas.

O livro que escreveu em co-autoria com Linda A. Hill apresenta três imperativos para se vir a ser um líder de excelência: saber gerir-se a si próprio, saber gerir a sua rede de contactos e saber gerir a sua equipa. Que questões mais importantes estão inerentes a cada uma destas premissas?
Um gestor é alguém que é responsável pelo trabalho de outros. Para levar a cabo essa responsabilidade, o gestor tem de saber influenciar os outros – imprimir uma diferença naquilo que fazem e até nos pensamentos e sentimentos que conduzem as suas acções. Desta forma, a questão chave para um gestor é como influenciar os outros mediante formas que os torne mais produtivos, tanto individualmente como em grupo. Acreditamos que as alavancas chave da influência – e, consequentemente, os elementos chave do trabalho de um gestor – podem ser sumarizados em três imperativos.

1. Gerir-se a si mesmo. A gestão é uma actividade social. Diz respeito a pessoas a lidarem com outras pessoas. Assim, a gestão começa em si mesmo enquanto pessoa, em particular na medida em você se revela a si mesmo através dos relacionamentos que cria com os outros – incluindo os que consigo trabalham, mas não só. Muitos gestores acreditam que é na sua autoridade que reside a principal fonte para a influência, ou seja, a sua capacidade para dizer aos outros o que têm de fazer. “Faça isso porque eu estou a mandar!”, dizem. Apesar de útil, e por vezes, indispensável, a autoridade é, na melhor das hipóteses, um meio incerto de influência, especialmente no longo prazo. Outros gestores tentam influenciar os seus colaboradores criando relações pessoais com eles. “Faça isto porque somos amigos”, dizem também. Contudo, esta abordagem também raramente funciona. Fazer o que está certo enquanto se é “patrão” significa avaliar as pessoas com base na sua performance e não no relacionamento que esta tem com o seu superior hierárquico. E isso poderá, mais cedo ou mais tarde, fazer com o que o “amigo” se sinta traído. Os relacionamentos dos chefes devem ser calorosos, intimistas e atenciosos, mas sempre com base no trabalho realizado.

Assim, a forma mais adequada para um gestor influenciar os outros a um nível pessoal é através da confiança. As pessoas aceitam a influência do chefe se acreditarem que podem contar que ele faça o que está correcto. E a confiança abrange duas componentes: a competência e o carácter. As pessoas acreditam que você é competente se souber aquilo que tem de fazer. As pessoas acreditam que você tem carácter se perceberem e aceitarem as suas intenções – os seus valores, padrões e objectivos. A confiança é absolutamente crucial em tudo o que um chefe faz. E a confiança consiste nos fundamentos de todos os tipos de influência, ao contrário da coerção.

2. Gerir a sua rede de contactos. Para ser eficaz, um chefe tem de saber gerir não só o grupo de colaboradores que a ele reporta, mas também o contexto organizacional no qual esse grupo trabalha. Esta questão assume particular importância na medida em que nenhum grupo trabalha isoladamente e o seu sucesso dependerá sempre da cooperação e apoio de muitas outras pessoas exteriores ao grupo em causa. Assim, o gestor tem de gerir – influenciar – estes outros de igual forma, mesmo que não os controle directamente. E como é que pode fazer isto? Através da criação de uma rede de contactos de relacionamentos contínuos, com base em benefícios mútuos, com aqueles de quem depende e com os que dependem deles próprios. Os bons chefes identificam, de forma consciente, todas essas pessoas e, de forma proactiva, conseguem alcançá-los e trabalhar com eles com benefícios para ambos. E são muitos os gestores que odeiam este trabalho. Limitam-se a lidar com os seus pares apenas quando existe um problema e essa e a pior forma possível de criar um relacionamento de trabalho produtivo.

3. Gerir a equipa. Esta premissa é aquela que a maioria das pessoas relaciona imediatamente com a gestão – gerir as suas pessoas. Todavia, esta é apenas uma parte do trabalho de um gestor, mas é também a parte que, geralmente, os gestores pior percebem. Os bons chefes transformam os grupos com quem trabalham em verdadeiras equipas. Mas o que é uma “verdadeira equipa”? É um grupo de pessoas empenhado num propósito comum e com objectivos que se baseiam nesse mesmo propósito. Devido ao seu empenho e envolvimento comum, os membros de uma equipa pensam acerca de si próprios como “nós” e acreditam genuinamente que todos irão ser bem-sucedidos ou fracassar em conjunto. Assim, e porque as equipas são mais do que a soma das suas partes, elas são mais produtivas e inovadoras do que grupos de pessoas que simplesmente cooperam entre si. Numa verdadeira equipa, o chefe influencia as pessoas através da equipa – “Faça x porque a equipa está a contar consigo” em vez de “Faça x porque é o seu trabalho”. É uma forma muito mais poderosa de influência. Assim, o trabalho do chefe não é dizer à equipa o que ela tem de fazer, mas assegurar-se de que todos os ingredientes –o propósito, os objectivos, os papeis bem clarificados, as responsabilidades, e assim por diante – estão no lugar adequado para transformar um grupo numa equipa. Claro que, por outro lado, o gestor não se pode esquecer da individualidade de cada um dos membros. Todos nós desejamos um sentimento de pertença e sermos vistos como indivíduos. Mas um bom gestor gere sempre os membros individuais no contexto da equipa e do seu contributo para com esta.

Quais são as principais diferenças e desafios entre ser um chefe no século XXI e, digamos, nos anos 80 e 90 do século passado em que se idolatrava o estilo de gestão de, por exemplo, Jack Welch?
Acima de tudo, a gestão é muito mais difícil. As organizações são mais fluidas, e as linhas hierárquicas e as distinções muito mais ténues; algumas organizações já nem sequer tentam manter um quadro organizacional formal. Os relacionamentos estão em constante mudança. São formados grupos e tarefas, que servem determinado propósito e depois desaparecem. Por outro lado, muitas relações são quase exclusivamente virtuais. Muitos dos nossos colegas já não estão na sala ao lado ou do outro lado do edifício. As relações interculturais, agora absolutamente comuns, significam que todos nós temos de ser capazes de nos acomodar a diferentes atitudes, valores e pontos de vista no que respeita ao trabalho e às expectativas de cada um. A multiplicidade de gerações no local de trabalho significa também que cada grupo contém atitudes diferenciadoras no que respeita à autoridade e à forma como as coisas “deviam” funcionar.

No passado, mais ao menos até ao final do século XX, era possível fazermos interpretações sobre o trabalho e sobre os nossos colegas porque todos tendiam a ser como nós. E qualquer diferença poderia ser trabalhada, no dia-a-dia e nas interacções contínuas face a face que mantínhamos uns com os outros. Actualmente, toda a gente tem que trabalhar no sentido de fazer as coisas acontecerem. E com isto queremos dizer que os gestores têm de ser muito mais explícitos e resolutos. Muito do que escrevemos no livro relativamente ao que os gestores têm de fazer acontecia naturalmente, em maior ou menor escala, ao longo de um curso normal de gestão de uma organização. Mas agora, pelas razões já apresentadas, os chefes têm de fazer, de forma consciente e proactiva, aquilo que é necessário para exercerem a sua influência. Têm de dar os passos que construam a confiança. Têm de alcançar novos horizontes, criar e manter uma rede de relacionamentos chave em toda a organização e também no seu exterior. E têm proactivamente de colocar no lugar e manter os elementos que dão origem a uma verdadeira equipa. E têm de continuar a fazer tudo isto, ponderadamente, enquanto o mundo e as organizações mudam à sua volta. Ou seja, as coisas certas já não acontecem simplesmente ou caem no lugar certo.

A diferença entre gestão e liderança continua a ser uma questão importante no mundo dos negócios. Com a sua experiência enquanto executivo e a de Linda Hill como professora, consideram que esta distinção ainda faz sentido e, se sim, de que formas?
Tanto no título, como muitas vezes no interior do nosso livro, referimo-nos ao “patrão” (boss). E fazemo-lo por duas razões. Por um lado, é um termo que atravessa as várias gerações. Toda a gente o utiliza. E, em segundo lugar e mais importante, é exactamente porque evita a distinção entre “gerir” e “liderar”. Claro que, intelectualmente, percebemos essa distinção. E é possível argumentar que cada uma delas é uma actividade com objectivos relacionados mas também diferenciados.

Contudo, do ponto de vista da pessoa, o patrão, aquele que é responsável pelo trabalho dos outros, essa é uma distinção que nem sempre é útil. E duvidamos que sejam muitos os patrões que vão para o trabalho e pensem: “Hoje vou gerir, mas amanhã vou liderar”. Ou seja, os patrões fazem todos os dias, a toda a hora, aquilo que é preciso fazer para que haja progressos. Por vezes, esse trabalho envolve mudança e inovação e, noutras alturas envolve estabilidade, execução e continuidade. Um bom patrão é capaz de realizar ambas as coisas e de mudar facilmente de uma para outra, sempre estimulado pelas necessidades do grupo e do seu trabalho. Para o patrão que trabalha, é tudo uma só peça. E esse foi o ponto de vista que decidimos imprimir no livro. No fundo, quisemos regressar aos tempos em que “gerir” incluía liderar, em conjunto com tudo o que é necessário para fazer o trabalho que tem de ser realizado.

É possível nomear alguns exemplos de excelentes patrões no século XXI?
É-nos pedido que o façamos muitas vezes mas, honestamente, é uma questão que nos provoca grande desconforto. Enquanto podemos admirar acções e posições específicas tomadas por alguns líderes, preferimos não nomear ninguém como especialmente exemplar.

Editora Executiva