A desconfiança dos cidadãos é generalizada: quase 6 em cada 10 pessoas inquiridas afirmam suspeitar da informação até prova incontestável em contrário. A consequência, ou a origem, uma vez que é uma questão perfeita de ovo-e-galinha, é o facto de as preocupações relativamente às fake news estarem em máximos de sempre. Com a quebra de confiança nos organismos públicos, a caricatura do cidadão que olha à volta sem saber o que fazer será típica de 2021.
POR PEDRO COTRIM

O habitual Edelman Trust Barometer relativo a 2021 traz para a ribalta quem combateu a pandemia nos bastidores. Não falamos dos organismos governamentais, mas dos cientistas. Até Maio de 2020, quando se procurou no estado a liderança para este cenário com tantos nomes que se montou à nossa volta, os governos estiveram bem cotados, mas têm vindo a perder terreno. E neste estudo anual os líderes políticos ficam bastante esborratados, com as figuras da ciência a tomarem o foco.

A desconfiança dos cidadãos é generalizada: quase 6 em cada 10 pessoas inquiridas afirmam suspeitar da informação até prova incontestável em contrário. A consequência, ou a origem, uma vez que é uma questão perfeita de ovo-e-galinha, é o facto de as preocupações relativamente às fake news estarem em máximos de sempre. Com a quebra de confiança nos organismos públicos, a caricatura do cidadão que olha à volta sem saber o que fazer será típica de 2021.

A imagem dos movimentos de anti-vacinação será uma das marcas do ano. Nas democracias mais musculadas não houve espaço para contestação e mesmo na Europa Ocidental temos agora exemplos de vacinação coerciva. Em Portugal, o governo não impõe vacinação, mas sugere um plano. De obrigações anteriores, em concreto de 1962, sobra a vacinação obrigatória contra o tétano e contra a difteria. As restantes fazem «apenas» parte do Plano Nacional de Vacinação.

Uma vez que o barómetro Edelman dá a medalha de ouro à ciência, ouçamo-la:

«As vacinas previnem ou atenuam a doença e salvam vidas. São uma questão de saúde pública.

As vacinas são o meio mais eficaz e seguro de protecção contra as doenças infecciosas. São responsáveis pela prevenção de 3 milhões de mortes de crianças por ano em todo o mundo.

A vacina faz com que o corpo contacte de uma forma controlada com o microorganismo, ou partes dele de modo a que consiga obter a imunidade, ou seja, o desenvolvimento de defesas (anticorpos), mas sem os inconvenientes e perigos da doença. Mesmo quando a imunidade não é total, quem está vacinado tem maior capacidade de resistência no caso de a doença aparecer. Em geral, é preciso receber várias doses da mesma vacina para que esta seja eficaz e algumas necessitam de doses de reforço ao longo de toda a vida.

Em Portugal, administram-se vacinas desde o início do século XIX, nomeadamente a anti-variólica, mas só a partir de 1965, com a criação do Programa Nacional de Vacinação (PNV) é que os ganhos em saúde foram significativos. No final desse ano iniciou-se a vacinação em massa contra a poliomielite (doença conhecida há mais de três mil anos) tendo-se então registado 292 casos da doença e no ano seguinte ao início da vacinação registaram-se apenas 13 casos, o que significou uma redução de 96%.

Em 1966 foi efectuada a vacinação em massa das crianças contra a difteria e a tosse convulsa, registando-se nesse ano 1010 casos de difteria e 973 casos de tosse convulsa e no ano seguinte, após a vacinação, registaram-se apenas 479 casos da primeira e 493 da segunda doença, ou seja, uma redução de 50%.

Desde 1965, em Portugal foram vacinadas mais de sete milhões de crianças e vários milhões de adultos através do PNV, que é universal e gratuito. As doenças abrangidas estão eliminadas ou controladas, tendo-se evitado milhares de casos de doença e centenas de mortes, sobretudo em crianças, que teriam ocorrido na ausência de vacinação.

Outra vitória enorme da vacinação, ainda mais espectacular a nível mundial, foi a erradicação da varíola. Esta doença, que durante muitos séculos matou milhões de pessoas, foi considerada eliminada em 1978 (o último caso ocorreu na Etiópia em 1977) e erradicada em 1980.»

É informação retirada do Colégio da Especialidade. A ciência, que nos permite fazer contas, tem mostrado ser uma ferramenta tremenda. É feita de factos, averiguações, experimentações, redundâncias e tudo o que pode melhorar acertos, como tivemos mais uma prova há poucos dias: os telejornais abriram às 8 da noite com os números que iriam fechar a noite eleitoral. E não dianta arguir que as sondagens anteriores estiveram erradas, pois não houve sufrágios nos dias em que foram efectuadas. Mesas fechadas, números na mesa, apesar de as urnas estarem ainda seladas. É obra, é método, é ciência.

E com as ferramentas da ciência, na elaboração do barómetro Edelman chegou-se às seguintes conclusões: as empresas são a instituição mais confiável, com 61% dos inquiridos a afirmá-lo. Ficaram à frente das ONG, que amealharam 59%, das instituições governamentais, com 52% e dos média, com apenas 50%.

Setenta e sete por cento dos entrevistados, no entanto, confiam em que quem os emprega, enaltecendo a importância desta relação.

Nesta época de mudança rápida, onde cada dia há novidades grandes, os receios avultam-se sobre a crise climática e sobre a manutenção dos postos de trabalho. Vale a pena escrutinar um pouco estes números:

  • 58% dos inquiridos afirmam que consumirão e divulgarão produtos de uma marca com base nos valores da empresa – exige-se que as empresas sejam responsáveis, sustentáveis e socialmente ajustadas
  • 60% dos inquiridos irão optar por um trabalho com base nas suas próprias opiniões e valores
  • 64% irão fazer investimentos com base nas suas opiniões e valores

São números representativos. Convém ainda assinalar que, neste momento, temos o que se segue em relação às empresas:

  • 52% são da opinião que as empresas não estão a fazer o que está ao seu alcance para minimizar os riscos climáticos
  • 49% afirmam que as empresas não estão a ser eficazes no combate à iniquidades económicas
  • 46% afirmam que as empresas não fazem os suficiente para requalificar os seus trabalhadores.

É o que temos nos 28 países que fazem parte do estudo. As empresas estão do topo das expectativas numa era de desconfiança. Uma vez que dão trabalho à maioria da população, estes valores nunca serão sublinhados em demasia. Trabalho é dinheiro é conforto é saúde é bem-estar e tudo o mais. Trabalho gera trabalho e confiança, e este círculo fecha-se sobre si como uma tenaz.

Uma empresa é muito mais que um negócio. É um capital de confiança, um bloco de consolidação social, um agente de transformação e uma garantia de bem-fazer. Já foi percebido por todos os administradores; os que não entenderam provavelmente já não terão empresa para administrar.