É o resultado que mais se destaca no Edelman Trust Barometer 2019, que avalia os níveis de confiança global nas diferentes instituições que compõem a sociedade: 75% dos respondentes elegeram o “seu empregador” como aquele em que depositam maior confiança para liderar a mudança urgente, num mundo em que o pessimismo é rei. Governos e media são os menos credibilizados e uma em cada cinco pessoas afirma que o “sistema” não está a funcionar a seu favor
POR HELENA OLIVEIRA

A edição de 2019 do Edelman Trust Barometer, que avaliou a percepção de 33 mil pessoas em 27 mercados face ao nível de confiança que depositam nas diferentes instituições revela uma alteração profunda relativamente aos resultados dos anos anteriores: 75% dos respondentes elegeram o “meu empregador” como a instituição em que mais confiam, mesmo que os índices de confiança nas empresas não ultrapassem os 56%. Este ano e mais uma vez coube aos media a medalha de menor confiança depositada, com 47% (mesmo assim, apresentando uma ligeira subida face ao último par de anos), com apenas menos um por cento que os governos (48%) e com as organizações não-governamentais a obterem 57% de confiança a nível global.

Como comenta o presidente e CEO da Edelman, Richard Edelman, se na última década assistimos a uma queda de confiança nas figuras tradicionais de autoridade e nas instituições no geral, mais recentemente as pessoas estão a perder confiança nas plataformas sociais, as quais durante um tempo considerável propiciavam a confiança entre pares. Ou e em suma, as pessoas estão a dirigir os seus níveis de confiança para relacionamentos que lhes estão mais próximos e que são mais passiveis de ser controlados, como aqueles que têm com os seus empregadores.

Nas últimas duas décadas, e muito graças à Grande Recessão, os medos relacionados com a imigração, com a deslocalização provocada pela globalização e pela automação, contribuíram para uma destruição progressiva da confiança nas instituições societais. O poder tradicional atribuído às elites foi também desacreditado, com os CEOs e os chefes de Estado a sofrerem na pele esse mesmo descrédito, ao mesmo tempo que as plataformas de media se assumiam como a “fonte” de confiança que, de uma orientação do topo para as bases, passou a eleger a horizontalidade onde pares e especialistas eram os mais facilmente ouvidos. Com a era da pós-verdade e com as fake news a apresentarem-se como um dos grandes fenómenos da actualidade, essa confiança “horizontal” acabou por cair por terra e são aqueles que mais perto estão de nós que mais confiança parecem merecer em 2019.

Uma outra conclusão deste mais recente barómetro diz respeito a um contexto de níveis significativamente divergentes de confiança no que respeita às massas (49%) e à população mais informada (65%) – o qual atingiu um fosso recordista de 16 pontos -, sendo que esta mesma disparidade é igualmente sentida entre géneros, com as mulheres a apresentarem níveis mais profundos de desconfiança face aos seus pares masculinos, em particular no que respeita às empresas.

Os níveis recordistas de confiança expressos pelo público menos informado fazem eco, segundo o barómetro em causa, da profunda divisão ideológica que é visível em mais de dois terços dos mercados analisados – com uma preponderância no Reino Unido – e que nos remete para o aumento do nacionalismo, do proteccionismo e do ressurgimento dos movimentos populares. De acordo com o responsável global pela área de Reputação da Edelman, Stephen Kehoe, estes níveis divergentes entre o público mais e menos informado no que respeita ao futuro assinalam um “apodrecimento” inerente na estrutura da sociedade. “Apesar de nem toda a gente ir para as ruas, os dados demonstram as razões devido às quais os protestos como os dos Coletes Amarelos em França, as marchas de mulheres na Índia e as greves que tiveram lugar nas grandes empresas tecnológicas se podem tornar cada vez mais comuns”, afirma.

Devido à frustração sentida pela inaptidão dos governos e pela incapacidade de se sentir efeitos positivos através dos processos eleitorais tradicionais, existe um sentimento cada vez mais contagiante de que “são as pessoas que devem tomar o poder nas suas mãos”. As demonstrações públicas dos Gilet Jaunes em França representam um clamor claro contra as elites, o movimento #MeToo chegou às empresas causando o afastamento do CEO da CBS Les Moonves e cerca de 20 mil empregados da Google entraram em greve para demonstrar o seu descontentamento face às normas comportamentais da empresa. Por seu turno, milhares de empregados da Amazon, da Microsoft, da Google e de outras empresas tecnológicas de Silicon Valley demonstraram publicamente uma inquietaçãopartilhada sobre vários contratos assinados com o governo dos Estados Unidos e o risco de alguns dos funcionários governamentais utilizarem a sua tecnologia – nomeadamente na área da Inteligência Artificial – para violar direitos humanos básicos.

Todos estes factores comprovam a existência de um forte sentimento de necessidade de mudança, expresso também no desejo de informação factual e no aumento em 22% do consumo e partilha de notícias e informação. A confiança nos mediatradicionais (65%) e nos motores de busca (62%) ascendeu a níveis recordistas históricos, em particular nos mercados desenvolvidos. Pelo contrário e como já anteriormente enunciado, a confiança nos media socais mantém-se baixa, especialmente também nas regiões mais desenvolvidas, e com fossos consideráveis de confiança entre os media tradicionais e os media sociais, com os Estados Unidos e o Canadá a acusarem um gap de 31 pontos e a Europa a obter 26 pontos de diferença neste indicador.

Em termos gerais, os resultados do Barómetro de Confiança para 2019 demonstram igualmente de que forma é que o pessimismo se encontra generalizado: apenas uma em cada cinco pessoas acredita que o sistema está a trabalhar a seu favor, sendo que em 14 dos mercados auscultados pertencentes aos países desenvolvidos, um em cada três respondentes consideram que, a haver melhorias para si e/ou para as suas famílias, estas só se farão sentir num prazo de cinco anos. Os temores relacionados com a perda de postos de trabalho entre a população geral permanecem igualmente elevados, sendo explicados ou pela ausência de requalificação ou pela escassez de competências (59%) ou directamente “por culpa” da automação e da inovação (57%). Um dado curioso é o facto de mais de metade dos inquiridos (54%) considerar que o ritmo da inovação é demasiado rápido e 21%, pelo contrário, a encará-lo como demasiado lento.

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Empregadores tornam-se parceiros para a mudança

Descrentes face ao poder dos governos para imprimirem alguma mudança que contribua para melhorar as suas vidas – e sem esquecer que os mesmos constituem a segunda instituição com menores níveis de confiança, com 48% – as pessoas estão mesmo a voltar-se para os líderes das empresas em que trabalham e a elegê-los como os potenciais “fazedores” da mudança para uma vida e mundo melhores. A confiança no “meu empregador” é, de longe, o melhor resultado apurado pelo barómetro, sendo este um “fenómeno” global: com os níveis de confiança nos 75%, na esmagadora maioria dos mercados auscultados a confiança nos CEOs aumentou e, em todos os mercados, os empregadores são mais dignos de confiança do que de descrédito.

De acordo com os responsáveis pela avaliação dos resultados do Edelmen Trust Barometer, e analisando este fenómeno em maior profundidade, este aumento de confiança deve-se a uma necessidade de as pessoas sentirem que a sua relação com os mesmos é mais “certa” do que a incerteza generalizada que as demais instituições transmitem. E é de sublinhar que esta confiança não está apenas relacionada com questões de excelência operacional ou com decisões com impacto no trabalho que executam. Pelo contrário, os contributos das organizações para a sociedade, os seus valores e a sua visão para o futuro prevalecem sobre as decisões operacionais em termos de ganhos de confiança.

A verdade é que à medida que as pessoas desejam ver a mudança – para melhor, claro – acontecer, estão crescentemente a voltar-se para os líderes das suas empresas e a colocar nas suas mãos as esperanças para que tal seja uma realidade, seja no que respeita à equidade nos salários, aos preconceitos, à discriminação, ao assédio sexual ou à formação para o contexto laboral do amanhã.

E se esta realidade é uma boa notícia para os CEOs, a mesma não deixa de representar, por outro lado, uma enorme pressão que recai sobre os seus ombros. Ou tendo em conta esta intensificação de expectativas que acaba por significar que estes têm de preencher o vazio da confiança deixado pelos governos, passa a ser sua função e responsabilidade “oferecer” um sentimento de certeza, de segurança e confiança não só no que respeita aos seus empregados como ao público em geral, o que não é tarefa fácil. Esta percentagem significativa de CEOs que obteve os maiores níveis de confiança por parte dos respondentes e que foi escolhida para liderar a mudança (76%), em vez de contar com os governos para o fazer, aumentou 11 pontos em apenas um ano.

Como sugere o Barómetro, as empresas deverão continuar a projectar uma imagem de liderança calma, colectiva e adequada, particularmente numa altura em que se começa a sentir um abrandamento da economia. Na edição de 2018, as expectativas depositadas nos CEOs para se fazerem ouvir e liderarem os caminhos para a mudança já se tinham feito sentir, com os níveis de confiança a atingirem igualmente uma percentagem recorde de 65%. E, já na altura, o conselho da Edelman era claro: retirar vantagem deste momento para projectar a liderança e maximizar os benefícios para os negócios ao fazê-lo.

Confiança no “meu CEO” não significa um cheque em branco passado a todos os CEOs

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Se alguns CEOs têm levado a sério este “chamamento” para a mudança, como é o caso de Paul Polman, da Unilever, com a sua iniciativa para organizar uma resposta empresarial às alterações climáticas ou o apoio de Satya Nadella, da Microsoft, à não separação das famílias com o seu projecto DREAMers, este ano a chamada para a acção parece ser ainda mais urgente. O que significa que dar passos pró-activos se reveste de importância redobrada. Mas, e como sublinha a análise ao barómetro, se os dados globais demonstram que existe uma vantagem de 19 pontos para a relação de confiança depositada no “meu CEO” (75%) versus a que é devotada às empresas no geral (56%), a mesma vantagem de confiança é de apenas sete pontos quando se compara a credibilidade no “meu CEO” (54%) quando a dos “CEOs em geral” (47%). Ou e por outras palavras, a confiança demonstrada pelos respondentes não pode ser assumida como um cheque em branco passado a todos os CEOs.

Mas o que precisam os líderes empresariais fazer para aumentar ainda mais estes níveis de confiança? Para os responsáveis pelo Barómetro existem várias pistas nos dados encontrados.

A primeira é a de reconhecer que apesar de existir uma esperança depositada nos CEOs para que façam o que é certo, as pessoas sentem-se e na generalidade, infelizes. O pessimismo é bastante perceptível, com a maioria das pessoas a acreditarem que só estarão melhores daqui a cinco anos.

A segunda visa sublinhar que é particularmente importante, por parte dos actuais e futuros empregados, que os líderes empresariais estejam acima de qualquer suspeita no que à verdade diz respeito. Honestidade e transparência constituem elementos cruciais para o cimentar da confiança, em conjunto com expectativas elevadas de que os CEOs irão incorporar os valores e missão das organizações que lideram.

Como já anteriormente sublinhado, o sentimento de incerteza que caracteriza o mundo continua a ser elevado e apesar de todos os índices de confiança terem aumentado ligeiramente face a anos anteriores, os mesmos são distribuídos de forma não igualitária entre o público mais informado e aquele que não o é. E se as expectativas relativamente aos CEO constituem um resultado desta divisão, nem todos eles estão posicionados de forma a vencer o desafio. Não só no que respeita à confiança no geral, mas também em termos dos benefícios provenientes dos próprios negócios, os quais são adicionados aos empregadores que são avaliados como alguém que trata bem os seus trabalhadores numa era de fragmentação e desigualdade.

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A importância de se trabalhar para quem faz o bem

Se é verdade que este aprofundamento de relacionamento entre empregadores e empregados se assume como a grande novidade do Barómetro de Confiança de este ano, esta confiança em muito depende de quão disposta está a empresa em ir mais além do “business as usual”. A comprovar esta tendência estão os resultados apurados junto dos empregados face às mudanças societais levadas a cabo pelas empresas em que trabalham.

A título de exemplo, 67% dos inquiridos recusa-se a trabalhar – ou espera um ordenado mais elevado – numa organização que não partilhe dos seus valores ou que não ofereça a oportunidade para abordar problemas societais e 74% afirmam não desejar trabalhar numa empresa em que não se sintam parte do “processo de planeamento” ou numa organização cuja cultura não seja movida a valores ou que não seja inclusiva.

Por outro lado, os dados apurados ditam também que os empregados que têm maior confiança nos seus empregadores têm uma probabilidade maior de se envolverem em acções benéficas que representem a empresa (+ 39%), de demonstrarem níveis mais elevados de lealdade (+38) e de compromisso (+31) face aos seus pares que demonstram cepticismo no que respeita aos líderes das suas organizações. Ou e em suma, as acções societais levadas a cabo pelos empregadores criam melhores níveis de confiança, o que por sua vez estimula uma força laboral mais produtiva e comprometida.

O Barómetro conclui assim que as acções que vão mais além da excelência operacional constituem as novas expectativas para os negócios. E, na verdade, o Edelman Trust Barometer para 2019 assistiu a um aumento de novo pontos no número total de respondentes (73%) que concorda que uma empresa pode realizar acções específicas que contribuam para aumentar os lucros e, em simultâneo, melhorar as condições sociais e económicas das comunidades onde operam.


Outros dados para 2019

  • A confiança aumentou em 12 dos 15 sectores auscultados, com a tecnologia a permanecer como o mais credível (785), seguido pelo manufactureiro e automóvel (ambos com 70%), este último a registar a maior subida (sete pontos) face a 2018. Os serviços financeiros, que subiram dois pontos para 57%, continuam a ser os mais descredibilizados a nível global. 
  • As empresas sedeadas na Suíça e na Alemanha (71%), no Canadá (70%) e no Japão (69%) são as que merecem maiores níveis de confiança, com as menos credíveis a situarem-se no México (36%), na Índia e no Brasil (40%) e na China (41%). 
  • Mais mulheres (+ 22 pontos) do que homens (+20) pertencentes ao público mais informado tornaram-se em “amplificadoras” de notícias e informação. 
  • Setenta e um por cento dos empregados acreditam ser crucialmente importante que os seus CEOs respondam aos desafios impostos pela era em que vivemos.

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