Apesar de ter sido muito pouco divulgado pelos media, um relatório publicado pela Fondazione Finanza Etica em Itália conclui que, desde o deflagrar da crise financeira em 2008 e até 2018, os bancos éticos e sustentáveis da Europa tiveram uma performance três vezes superior comparativamente aos seus congéneres tradicionais. Utilizando uma metáfora do desporto, a verdade é que as instituições financeiras “normais” podem ganhar um sprint, mas não são capazes de correr e ganhar a maratona
POR HELENA OLIVEIRA

De acordo com as contas feitas pela Fondazione Finanza Etica (Itália) e em colaboração com a sua homóloga espanhola, Fundacion Finanzas Éticas, desde o colapso do Lehman Brothers, a 15 de Setembro de 2008, que os países europeus gastaram 654 mil milhões de euros para salvarem dezenas de bancos da falência. Como sabemos, estas instituições investiram quantias astronómicas em empréstimos hipotecários de alto risco, prática que acabaria por arrastar vários bancos para uma situação de insolvência, o que acabou por se repercutir fortemente sobre as bolsas de valores de todo o mundo. E, de acordo com o segundo relatório publicado pelas duas entidades acima referidas, intitulado Ethical and Sustainable Finance in Europe, nos dez anos que se seguiram a este terramoto financeiro nem um cêntimo foi gasto para salvar nenhum dos 23 bancos éticos e sustentáveis sediados na Europa. As razões para esta resiliência são explicadas no relatório acima enunciado, o qual compara a estrutura, o crescimento e a rentabilidade dos bancos éticos europeus com a dos grandes “bancos sistémicos” e é sobre o mesmo que versa este artigo.

A principal e mais surpreendente – ou não – conclusão deste estudo apresentado em Janeiro no Parlamento Europeu, mas sobre o qual muito pouco se falou, diz respeito ao facto de a banca ética ter atingido uma performance três vezes superior à da banca sistémica (no relatório, os bancos pertencentes ao sistema tradicional são apelidados de SIBs – Systemical Important Banks), motivo mais do que suficiente para que o relatório fosse tema de abertura de telejornais, algo que não aconteceu. Mas vejamos os principais resultados deste relatório que escrutinou declarações financeiras, bases de dados e séries históricas de 23 bancos éticos e sustentáveis e de 15 SIBs.


Bancos éticos não ganham nos 100 metros, mas ganham a maratona

No período entre 2007 e 2017, os bancos éticos e sustentáveis registaram rendimentos três vezes superiores aos da banca tradicional, com uma rentabilidade anual média (em termos de ROE) de 3,98% contra 1,23%. Até 2006-2007, os bancos mais sistemicamente importantes gozaram de um clima financeiro bastante favorável, acumulando lucros vertiginosos. Mas e como é sabido, a festa acabaria por chegar ao fim. Os bancos éticos, que souberam resistir à tentação de comprarem acções e obrigações “exóticas” com retornos astronómicos, foram assim recompensados. Os autores do estudo utilizam uma boa metáfora para definir a situação: a de que as instituições sistémicas mais importantes ganharam no sprint dos 100 metros, mas foram os bancos éticos que acabaram por ganhar a maratona.

Mais ainda e durante a crise, o crescimento dos maiores bancos europeus abrandou dramaticamente, tendo sido vários os que puseram fim às suas operações. E, em simultâneo, os activos, depósitos, empréstimos e os capitais própriosdos bancos éticos e “alternativos” aumentaram em cerca de 10% anualmente. Por exemplo, no período entre 2007-2017, os activos (e, consequentemente, os investimentos totais, os empréstimos e a liquidez) destes últimos aumentaram em média em 9,66% ao ano, comparativamente à performance anual de menos um por cento dos bancos sistemicamente importantes.

Ainda ao longo da última década, a diferença estrutural entre os bancos éticos e os seus pares tradicionais manteve-se mais ou menos constante. O relatório alerta para o facto de se estar a falar de dois tipos diferentes de instituições: enquanto os bancos éticos se comportam como bancos no sentido “normal” da palavra, aceitando depósitos e concedendo empréstimos, os seus “concorrentes tradicionais” focam-se em outros tipos de operações, tal como o investimento em acções e obrigações e a oferta de vários serviços financeiros, muitos deles ruinosos. Em 2017 e em média, os bancos éticos e sustentáveis emprestaram 77% dos seus activos totais contra 40,52% por parte dos bancos tradicionais.

Fundos socialmente responsáveis chegam aos 600 mil milhões de euros

Na segunda parte do relatório – e publicada pela primeira vez em colaboração com a Fundación Finanzas Éticas de Espanha -, são igualmente fornecidos dados actualizados sobre os fundos socialmente responsáveis, aqueles que investem em acções de empresas cotadas e em obrigações do Estado que foram seleccionadas com base numa série de critérios sociais e ambientais.

E, tal como demonstra o relatório, também para este subgrupo do vasto universo que compõe a banca ética e sustentável, os números estão também a crescer. Entre 2015 e 2017, os activos investidos em fundos éticos “best in class” (ou seja, aqueles com critérios mais rigorosos) aumentaram em média 9% ao ano, ascendendo a quase 600 mil milhões de euros. E o compromisso e envolvimento dos accionistas está a tornar-se cada vez mais disseminado: um número crescente de accionistas dialoga agora com os gestores das suas empresas, participando criticamente nas reuniões gerais anuais ou exigindo informação detalhada sobre as estratégias de desenvolvimento relativamente a temas díspares como as questões ambientais ou os direitos dos trabalhadores. No que a esta temática diz respeito, em 2018 foi lançada a Shareholders for Change (SfC), uma nova rede europeia de investidores “comprometidos”, os quais representam mais de 22 mil milhões de euros em activos investidos.


O desinvestimento em combustíveis fósseis ascende aos 7,2 biliões de euros

Na medida em que os bancos éticos são estruturalmente diferentes dos seus congéneres tradicionais, tendo provado a sua resistência face à crise, existe hoje uma necessidade urgente de aprovação de regulamentação que reconheça e recompense esta diferença tanto a nível nacional, como europeu. E a terceira parte do relatório em causa é dedicada aos progressos já alcançados nesta matéria, analisando as mudanças sofridas no sistema financeiro ao longo dos dez anos desde o deflagrar da crise. Os autores examinam também até que ponto é que os lóbis financeiros continuam a influenciar as decisões políticas, sem esquecer as muitas oportunidades de reforma perdidas ao longo dos últimos anos.

E, finalmente na 4ª parte do relatório, é feita uma análise aprofundada acerca de um aspecto relacionado com os investimentos socialmente responsáveis que está a tornar-se crescentemente crucial: o desinvestimento no sector dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás). Actualmente, mais de mil instituições em todo o mundo – bancos, fundações, ordens religiosas, universidades municípios, seguradoras e fundos de pensões – já desinvestiram, mediante formas variadas, nos combustíveis fósseis, e num total muito próximo dois 7,2 biliões de euros, uma soma colossal e equivalente a quase 40% do PIB europeu.

Todavia, e apesar do movimento “livres de combustíveis fósseis” estar a atrair cada vez mais membros e a estimular um compromisso crescente no que respeito ao seu desinvestimento, a verdade é que, e como alerta o relatório, existe um número considerável de fundos que se auto-intitulam como “éticos”, mas que continuam a investir nestas matérias perigosamente poluidoras.


Banca ética: crescimento rápido, maior solidez e mais orientada para a economia real

O relatório analisou igualmente todas as tendências de crescimento mensuráveis, confirmando que, em média, os bancos éticos e sustentáveis cresceram mais do que os seus homólogos tradicionais na última década. Os primeiros emprestaram muito mais dinheiro (+11,35% vs +0,94%), obtiveram mais poupanças em termos de depósitos (+11.18% vs +2.29%), cresceram a um nível mais elevado (aumento nos activos totais de 9,66% vs um decréscimo de 1% por parte dos bancos sistemicamente importantes) e melhoraram a sua solidez financeira de uma forma mais significativa, expressa em termos de capital líquido (+9.85% vs +4.06%). Ao longo do período de dez anos analisado, os lucros acusaram um decréscimo para ambos os tipos de instituições mas, e mais uma vez, os bancos éticos foram capazes de conter este declínio abaixo do um por cento (-0.37%) face ao valor bem mais significativo de -5.42% sofrido pelos SIBs.

Como sublinham os autores, no “fim do jogo” entre bancos éticos e sustentáveis europeus e os bancos sistemicamente importantes do Velho Continente, os primeiros apresentam-se como muito mais orientados para a oferta de serviços para a economia real do que os segundos, são mais sólidos, em média, do ponto de vista financeiro e apresentam uma maior rentabilidade, tanto em termos de ROA (Return on Assets) como de ROE (Return on Equity).

Assim, os bancos éticos excederam, em termos de rentabilidade, os bancos sistémicos que, e depois do colapso de 2008 (o ano mais difícil da crise), não foram capazes de repetir os níveis de performance alcançados no período pré-crise. Pelo contrário, os seus congéneres éticos preservaram níveis de rentabilidade quase constantes sem sofrerem repercussões significativas nos períodos em que a crise foi mais agressiva, demonstrando uma enorme resiliência. Por último, e como os números falam por si, os bancos éticos cresceram em todos os níveis avaliados pela pesquisa ao longo da última década. Como sublinha o relatório, este é um forte sinal de que as finanças éticas estão a ser “descobertas” por um número crescente de pessoas, em particular num período de séria incerteza na banca europeia e no sector financeiro.

NOTA: Pode ler o relatório na íntegra e em inglês aqui.

Editora Executiva