Em 317 anos de história da Universidade de Yale, nunca uma aula teve tantos alunos inscritos como a de Laurie Santos. Preocupada com os níveis de ansiedade, tristeza e isolamento da presente geração de estudantes que ensina, esta professora decidiu iniciar o curso “Psychology and the Good Life”, nunca esperando que o mesmo despertasse a atenção de mais de 1200 jovens, batendo todos os recordes da prestigiada instituição de ensino. Tornado viral, o curso de Laurie Santos pode ser agora realizado gratuitamente em ambiente online – são já mais de 400 mil pessoas que o fizeram – e, para os que têm menos tempo, ser seguido em episódios de um podcast denominado “The Happiness Lab”
POR HELENA OLIVEIRA

“A nossa mente mente-nos sobre as coisas que nos fazem felizes”. Quem o afirma é Laurie Santos, professora em Yale e responsável por uma das faculdades da famosa universidade americana, a propósito do curso que lançou na Primavera de 2018, intitulado “Psychology and the Good Life”. À espera que aparecessem 40 ou 50 alunos inscritos, Lauri Santos não conseguia acreditar que, no primeiro dia de aulas, cerca de 1200 pessoas apareceriam para a escutar. A aula teve de ser transferida para uma sala de concertos da universidade e o curso é, nos 317 anos de história da instituição, o recordista em número de alunos participantes.

Sobre a “ciência da felicidade” fala Santos nas suas aulas. E a ideia surgiu-lhe quando se tornou responsável pelo Silliman College, em Yale, e começou a viver mais de perto com os seus alunos no campus. O que Laurie Santos observou deixou-a em choque, na medida em que sentiu que esta geração de estudantes era a mais stressada, deprimida solitária e ansiosa de todas. A nível nacional, e nos Estados Unidos, cerca de dois terços dos estudantes reportam sentirem-se ansiosos, mais de um em cada 10 considerou seriamente cometer suicídio ao longo do último ano e as taxas de depressão duplicaram ao longo da última década. E foi com estes dados e com a sua própria experiência que Santos decidiu iniciar um curso sobre a ciência do bem-estar, com o objectivo de oferecer aos estudantes alguma estrutura para colocar em prática essa mesma ciência.

Com um sucesso que jamais imaginara adquirir, Santos começou a despertar a atenção dos media, nacionais e internacionais, e a ser entrevistada por diversos meios de comunicação social e em diversos países, o que contribuiu ainda mais para que o curso se tornasse viral. Assim, decidiu colocar uma versão do mesmo online, na plataforma gratuita Coursera e, poucos meses passados, o curso online, intitulado The Science of Well-Being já foi realizado por mais de 400 mil pessoas, em mais de 200 países. Mesmo assim, a professora de Yale não parou de receber emails vindos de todo o mundo a instá-la a partilhar os seus conteúdos de uma outra forma. E foi assim que, a partir de sua casa e com a ajuda de alguns dos seus alunos, Santos resolveu fazer um podcast – The Happiness Lab – para os que têm menos tempo e sobre a mesma temática. E coleccionou mais um sucesso.

Mas o que de tão especial tem a mensagem de Laurie Santos que explique toda esta popularidade?

O curso tem como enfoque tanto a psicologia positiva – as características que permitem ao ser humano “florescer”, de acordo com a sua definição – como a mudança comportamental, ou como viver essas lições na vida real, com os alunos a terem que apresentar um projecto de auto melhoramento pessoal no seu final. Os conteúdos programáticos do curso centram-se em particular nas pesquisas e descobertas realizadas na ciência da felicidade ao longo das duas últimas décadas, mas com muitas referências a vários filósofos de eras passadas, como Seneca, Montesquieu ou John Stuart Mill, na medida em que estes e outros pensadores identificaram muitas das mesmas tendências nas quais os investigadores da actualidade estão agora interessados. E um dos grandes objectivos do curso é desmistificar algumas das “verdades absolutas” que consideramos inabaláveis sobre a busca da felicidade.

O cérebro que mente

De acordo com Santos, as nossas mentes apresentam pelo menos duas “falhas técnicas” no que respeita ao que entendemos por felicidade. A primeira tem a ver com a forma como o cérebro se ambienta a coisas às quais é repetidamente exposto, sendo que uma das categorias deste fenómeno é aquilo a que os psicólogos chamam de “adaptação hedónica”. Ou seja, quando conseguimos algo que há muito desejávamos, ficamos exuberantemente felizes. Mas o problema é que nos habituamos a essa mesma coisa muito rapidamente, o que faz com que o sentimento de felicidade sofra uma erosão significativa de forma célere. E isto acontece seja com uma casa nova, com o último modelo do carro dos nossos sonhos ou, como diz Santos, com a própria admissão em Yale [uma das mais reconhecidas instituições universitárias dos Estados Unidos fundada em 1701].

Mas e o que fazer com esta informação sobre a forma como o nosso cérebro funciona? As receitas de Santos não têm nada de extraordinário nem de novidade, mas a verdade é que parecem funcionar e uma delas é traduzida por um dos mandamentos do consumo que habitualmente escutamos: comprar experiências e não coisas. Umas férias num destino que é novidade podem durar apenas uma semana, mas os benefícios – e as memórias – podem ser de longa duração, ao contrário do que acontece ao se conduzir o Porsche dos nossos sonhos que, ao fim de pouco tempo, perde todo o seu significado. Uma outra receita, e também já amplamente partilhada, é a de darmos graças por aquilo que temos. Seja fazê-lo num apontamento diário ou tirar um período para uma breve reflexão, o facto de pensarmos em tudo o que temos – nem que seja a possibilidade de tomarmos um duche quente ou irmos a um dos nossos restaurantes favoritos – confere-nos benefícios grandiosos, afirma, mesmo que este seja um simples acto de “parar para tomar atenção”.

Adicionalmente, a adaptação hedónica tem um outro lado positivo. Se por um lado as coisas que ambicionamos ter para sermos felizes deixam de ter o seu encanto porque nos habituamos rapidamente a elas, a verdade é que este mecanismo também nos torna mais resilientes. Ou seja, pode ser útil quando ficamos próximos de coisas que nos atormentam. Se por acaso temos um acidente, perdemos o emprego ou temos um diagnóstico médico assustador, depois de estas coisas realmente acontecerem – e de nos habituarmos a elas – a dor não é tão intensa quanto possamos imaginar.

A segunda “falha” do nosso cérebro é compararmo-nos continuamente com os outros, considerando sempre que aquilo que temos não é suficiente. E tendemos a avaliarmo-nos através de comparações negativas e não em termos absolutos.

Neste caso, Laurie Santos socorre-se de uma famosa experiência realizada com medalhados olímpicos: os que ganham a medalha de ouro sentem-se obviamente encantados com o seu feito, mas os que ganham a medalha de bronze mantêm os seus níveis de felicidade durante muito mais tempo comparativamente aos que recebem a medalha de prata. E isso tem a ver, de acordo com os psicólogos, com os nossos pontos de referência. Os que ficaram em segundo lugar estavam fixados em ganhar a medalha de ouro e, quando tal não acontece, os seus níveis de frustração são enormes. Já os medalhados com o bronze tendem a pensar que, caso não tivessem obtido o terceiro lugar, não receberiam medalha alguma. E, mais uma vez, as receitas para interromper estes processos são simples. Uma delas é forçarmo-nos, periodicamente, a tentar viver sem alguma coisa importante a que nos habituámos a ter. O exemplo por si dado é o de dormir duas noites sem ar condicionado para que o resto do Verão quente se afigure mais aprazível. Ou seja, privarmo-nos de alguma coisa agradável ajuda a colocar em perspectiva o quão afortunados somos por termos o que temos. E a versão curta deste exercício de privação pode ser realizada em pequenas experiências de pensamento, com questões como : “E se eu não tivesse esta casa?” ou “E e eu estivesse desempregado?”. Esta “visualização negativa” ajuda a apreciarmos a nossa casa ou o nosso trabalho, mesmo com todas as suas falhas.

Assim, o curso ensinado por Santos, ao abordar as características fundamentais do cérebro humano que tornam difícil apreciarmos todas as coisas boas que temos na vida, ajuda a procurarmos um caminho bem diferente daquilo que usualmente consideramos como felicidade.

Feliz na vida ou feliz com a vida

Não é a mesma coisa e está relacionada com as avaliações afectivas do nosso próprio bem-estar (ou seja, estar feliz na nossa vida) e com as avaliações cognitivas da própria felicidade (estar feliz com a nossa vida), explica Laurie Santos a propósito das diferentes partes que integram o nosso bem-estar. E estas podem co-variar, acrescenta também. Por exemplo, é normal os casais que têm filhos recém-nascidos estarem felizes com a vida mas, por estarem muitas vezes cansados e ansiosos, não se sentirem bem na vida. E o melhor que podemos fazer é tentar maximizar ambas as avaliações.

Adicionalmente, são muitas as pesquisas que demonstram ser possível aumentar o nosso bem-estar se fizermos as coisas certas. Mas, para Santos, esta visão viola as intuições das pessoas. São muitos os que acreditam que os níveis de felicidade são intrínsecos ou que dependem de circunstâncias que muito provavelmente não irão mudar. Mas a professora de Yale acredita que podemos sempre fazer melhor, ou seja, que é sempre possível, se bem que difícil, mudar hábitos enraizados que contribuem para níveis menores de felicidade e bem-estar. Todavia, e tal como as ciências sociais têm vindo a demonstrar, a alteração de comportamentos é uma tarefa extremamente complexa. Ou seja, a formação de novos hábitos e o descartar de rotinas arraigadas é algo que exige bastante esforço. Sublinhando mais uma vez que procuramos a felicidade a partir de argumentos errados – quanto dinheiro temos, que coisas conseguimos comprar, etc. – Santos insiste que a felicidade é proveniente dos nossos comportamentos.

Mas e então o que nos ajuda a sermos mais felizes?

São coisas tão aparentemente simples como passar uma quantidade de tempo suficiente com as pessoas de quem gostamos, sabermos quando é a altura de nos desligarmos do trabalho ou dormir um número de horas adequado. Mas é também praticarmos o altruísmo – muitas pesquisas comprovam que investirmos tempo nos outros aumenta os níveis de felicidade mais do que se investirmos em nós mesmos. Muito importante e como já anteriormente mencionado, é optarmos por experiências e não pelo consumo de bens materiais. Ao contrário destes últimos, as experiências não estão sujeitas à adaptação hedónica, contribuindo para aumentar realmente o nosso bem-estar. E uma das outras razões que explicam o seu eficaz funcionamento é o facto de não estarem sujeitas à comparação social, o que ajuda a alimentar os nossos níveis de felicidade. A comparação com os outros, e é importante não esquecer, é o verdadeiro “ladrão” da alegria, assegura Santos.

A gratidão é outra receita aparentemente infalível. E apesar da prática diária aconselhada de “darmos graças pelo que temos” possa parecer de pouca utilidade, a professora de Yale afirma que, de acordo com as estatísticas, passadas duas semanas sobre este exercício, os resultados são visíveis na melhoria do nosso bem-estar.

As relações reais e em tempo real são igualmente imprescindíveis para aumentar os nossos níveis de felicidade. As pessoas felizes tendem a passar mais tempo com os outros e, em particular, com aqueles com quem se preocupam. “Ser socialmente activo pode fazer-nos mais felizes”, assegura Santos. E não são só as ligações sociais que temos com quem conhecemos, pois interacções breves com estranhos – falar com alguém na fila do café, por exemplo – podem igualmente melhorar o nosso estado de espírito.

Por fim, e se tem curiosidade sobre os motivos que levaram mais de 400 mil pessoas a inscreverem-se no curso online de Laurie Santos, pode ter acesso ao mesmo em https://pt.coursera.org/learn/the-science-of-well-being. E se falta de tempo é um problema, pode optar, ao invés, por ouvir os vários episódios já existentes no podcast “The Happiness Lab”. E, pelos comentários a ambos os recursos, conseguirá encontrar novos caminhos para ser mais feliz.

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