Já existe tecnologia, inovação, processos e materiais que contribuem para uma economia com menos emissões de CO2. Já existem investidores interessados nos retornos que uma economia dessa natureza vai trazer. Já existem compromissos internacionais e nacionais. Já existem exemplos de política pública e de gestão empresarial sustentável. Para conseguirmos, de facto, mudar o paradigma para uma economia verde, falta apenas que as pessoas, com poder de tomar as decisões, efectivamente o queiram fazer
POR SOFIA SANTOS

As alterações climáticas são sem dúvida um dos principais temas da agenda mundial. Já existe tecnologia, inovação, processos e materiais que contribuem para uma economia com menos emissões de CO2. Já existem investidores interessados nos retornos que uma economia dessa natureza vai trazer. Já existem compromissos internacionais e nacionais. Já existem exemplos de política pública. Já existem exemplos de gestão empresarial sustentável. A China é actualmente dos países que mais investimento faz nas energias renováveis, tendo em vigor uma primeira fase de mercado de licenças de emissões de CO2. A Índia também tem fortes compromissos em baixar a sua dependência do carvão. Apenas Donald Trump parece não acreditar na ciência.

No entanto, e de forma a que consigamos, de facto, mudar o paradigma da economia para uma economia verde, falta apenas que as pessoas, com poder de tomar as decisões, efectivamente o queiram fazer. Só dessa forma, os exemplos serão tantos que se transformarão na realidade existente.

No dia 6 de Julho o tema das alterações climáticas foi debatido no Coliseu do Porto aquando da realização do Climate Change Leadership Summit 2018. O programa permitiu transmitir, a muita da elite empresarial e política presente, os fundamentos científicos que consubstanciam os problemas e as oportunidades que as alterações climáticas nos trazem a todos nós; a ligação entre alterações climáticas e o património da humanidade; o potencial económico de se apostar numa economia verde e a necessidade de se reconstruir um modelo democrático da sociedade capaz de explicar, a todos os cidadãos, a verdadeira informação sobre as coisas.

[quote_center]O Climate Change Leadership Summit 2018 transmitiu à elite empresarial e política os fundamentos científicos que consubstanciam os problemas e as oportunidades das alterações climáticas[/quote_center]

O programa teve lógica, o racional subjacente foi devidamente pensado e foi dada uma relevância exemplar à importância da ciência na discussão deste tema. Foi também interessante trazer para o debate a ligação entre os serviços dos ecossistemas e a cultura através do património da humanidade, uma vez que as alterações climáticas constituem a principal ameaça à manutenção desse mesmo património. E é esse património que está na origem da existência de muita da actividade empresarial existente nesses territórios.

Mohan Munasinghe apresentou e explicou a ciência dos dados associados às alterações climáticas, ajudando assim todos os presentes com menos conhecimento sobre o tema a compreender a causa e as consequências que o aumento das emissões de CO2podem ter na sociedade e nas empresas. Enfatizou também a importância dos valores no processo de decisão. Para Mohan Munasinghe, valores societais errados levam a um desenvolvimento insustentável e, como tal, ele defende ser essencial que cada cidadão consiga ser um “well balanced person” capaz de encontrar um equilíbrio entre o seu ego, a mente e o corpo. Só dessa forma cada um de nós conseguirá implementar um estilo de vida sustentável, que se evidenciará nas tomadas de decisão que fazemos diariamente nas várias facetas da vida.

Irina Bokova mostrou que as alterações climáticas podem destruir algum do património da humanidade, devido a subidas da água do mar, devido a desastres ambientais que degradam a paisagem e a harmonia existentes e que estão na base de várias actividades económicas, desde turísticas a agrícolas e vinícolas, por exemplo.

Juan Verde apresentou o potencial económico da economia verde, com base em dados do banco mundial, Bloomberg e outras referências relevantes, defendendo que uma economia verde é apenas uma nova economia com potenciais novos investimentos em projectos que podem ter uma elevada rentabilidade, e como tal a aposta é clara e evidente.

Por fim, Baraka Obama, entrevistado por Juan Verde, deu a sua opinião sobre vários temas da actualidade, tendo, a meu ver, deixado quatro mensagens fortes:

  1. O mundo actualmente está numa luta bipolar entre um modelo de sociedade fechado e nacionalista e um modelo de sociedade aberto, multicultural e dinâmico;
  2. Existem soluções técnicas para muitos dos problemas mundiais, quer ao nível da produção agrícola quer ao nível do combate às alterações climáticas, mas são as instituições e a dinâmica entre elas que bloqueia a implementação dessas soluções;
  3. É urgente conseguir-se caminhar para uma sociedade em que se consiga explicar a todos os cidadãos a verdade das coisas de forma simples e clara;
  4. Os jovens são, por natureza, mais multiculturais e cidadãos do mundo, e como tal há que lhes dar mais espaço para que eles influenciem as instituições e a dinâmica da sociedade.

Do discurso de Obama, sempre cauteloso e com cada palavra pensada e ponderada, pode-se deduzir que o problema para a resolução de muitas situações está simplesmente nas pessoas e no sistema. Quando Obama diz que há soluções tecnológicas para o combate às alterações climáticas, mas que a sua implementação implica dialogar com várias instituições, e que aí o processo encrava, penso que podemos afirmar que Obama identifica as pessoas do sistema como o principal problema. Uma afirmação dura e que nos leva a questionar a dimensão das mudanças que terão de ser realizadas para que consigamos, de facto, passar para uma economia de baixo carbono. Daí que a solução de Obama seja uma aposta nas gerações mais novas, ainda sem vícios e com sonhos humanistas, e que sejam capazes de comunicar com toda a sociedade e explicar de forma simples e clara a verdade das coisas.

[quote_center]Para Obama o mundo actualmente está numa luta bipolar entre um modelo de sociedade fechado e nacionalista e um modelo de sociedade aberto, multicultural e dinâmico[/quote_center]

Uma das grandes mais-valias deste evento foi conseguir reunir várias pessoas que, possivelmente, de outra forma não iriam ouvir falar de alterações climáticas com este nível, nem iriam ouvir ilustres referir a importância da consciência de cada um de nós neste processo de mudança. E isso foi óptimo.

Várias têm sido as críticas que na última semana se escreveram à volta do tema, nomeadamente o valor cobrado por Obama para falar nesta conferência e o almoço servido aos participantes. Não vejo mal nenhum que Obama cobre o valor que se afirma ter cobrado, pois calculo que esse valor irá para a sua Fundação e para outras actividades com impacto social positivo, e é esse o papel de um antigo presidente dos Estados Unidos. Não vejo mal que empresas portuguesas tenham pago essa quantia, desde que a coerência das suas actividades seja efectiva e que este patrocínio não tenha sido sentido, pelas empresas, como apenas uma actividade de comunicação com retorno mediático.

Existem no entanto melhorias a realizar. Há que explicar com mais detalhe e de forma mais transparente o conteúdo efectivo do “Porto Protocol”; há que explicar se esta iniciativa se centra apenas no sector dos vinhos ou se é alargada ao sector agro-florestal ou outros; bem como quem são efectivamente as empresas que subscreveram o “Porto Protocol”. É fundamental que estes pontos sejam rapidamente comunicados de forma simples.

No próximo evento, que irá ocorrer dia 6 e 7 de Março de 2019 no Porto, sobre “Solutions for the wine industry”, é essencial que a coerência da logística do evento seja acautelada. Não vejo problema nenhum que seja servido um almoço ligeiro e simples, de forma informal entre os participantes VIP da conferência. Este almoço não pode é voltar a ser o mesmo que foi proporcionado no dia 6 de Julho. Não é possível num evento desta natureza e com esta dimensão financeira, política e mediática o almoço ser distribuído em embalagens de plástico com talheres de plástico. Numa altura em que existe um conjunto de políticas europeias para se eliminar os plásticos do nosso dia-a-dia, e onde se defende uma economia circular, estes eventos têm obrigatoriamente de dar esse exemplo. Fica mais caro não o fazerem, pois perdem legitimidade. E é isso que não pode acontecer.

Mas como considero a iniciativa louvável e meritória, acredito que estas melhorias podem e serão realizadas brevemente. Basta as pessoas quererem. Basta as pessoas com poder para decidir terem consciência.

CEO da Systemic