Está a ocorrer uma convergência entre o clima e os movimentos de saúde mental, à qual os profissionais do impacto social devem estar atentos. E sem uma acção coordenada e uma integração profunda das respostas a estes dois problemas intrincados, corre-se o risco de se exercer uma pressão insuperável sobre o nosso mundo e sobre a saúde mental e o bem-estar das pessoas, conduzindo a taxas mais elevadas de problemas desta natureza bem como a desordens morais e espirituais. Caracterizar a relação entre estas duas realidades complexas é muitas vezes um desafio, na medida em que os verdadeiros custos das crises de saúde mental e climática são inseparáveis
Traduzido e adaptado por HELENA OLIVEIRA
© Stanford Social Innovation Review
Está a ocorrer uma convergência entre o clima e os movimentos de saúde mental, à qual os profissionais do impacto social devem estar atentos. A nível mundial, os impactos abruptos das catástrofes climáticas (super-tufões, calor extremo, inundações, etc.), bem como os acontecimentos de início lento (por exemplo, subida do nível do mar, derretimento do gelo, etc.), estão a causar angústia e traumas agravados e a deixar as pessoas, em especial os jovens preocupadas com o futuro. Muitas outras pessoas estão a sentir-se angustiadas ao processarem as realidades da perda generalizada dos recursos ambientais e da biodiversidade..
Sem uma acção coordenada e uma integração profunda das respostas às alterações climáticas e à saúde mental, corre-se o risco de se exercer uma pressão insuperável sobre o nosso mundo e sobre a saúde mental e o bem-estar das pessoas, conduzindo a taxas mais elevadas de problemas de saúde mental, desordem moral e espiritual e sistemas de resposta tensos. Caracterizar a relação entre estes dois problemas complexos é muitas vezes um desafio, porque os verdadeiros custos das crises de saúde mental e climática são inseparáveis.
Embora os movimentos em prol do clima e da saúde mental estejam a receber cada vez mais atenção separadamente, um pequeno conjunto de líderes que trabalham nestes movimentos está a dar prioridade e a integrar a defesa da saúde mental e do clima como um esforço unificado. De cientistas do clima a psicólogos, estes actores estão a criar esforços bidireccionais que servem ambas as causas. É importante salientar que estes últimos consideram que estas duas crises globais estão indissociavelmente ligadas, salientando que as pessoas que trabalham nestes movimentos devem integrar estes domínios de acção em vez de trabalharem em silos.
Esta integração pode parecer óbvia devido ao impacto e à ameaça colectivos das alterações climáticas. No entanto, todos os indivíduos na área do impacto social enfrentam um desafio semelhante, quer se trate de questões como a habitação, os cuidados de saúde ou a pobreza. As desigualdades estão muitas vezes directamente ligadas a questões relacionadas com a saúde mental, uma vez que situações como a discriminação ou o trauma afectam a nossa capacidade de alcançar o bem-estar e aumentam a prevalência da depressão e da ansiedade. Do mesmo modo, os impactos negativos das alterações climáticas na saúde mental e o valor da ligação à natureza no apoio ao bem-estar constituem bons motivos para que estas questões se associem.
Além de conferir prioridade à educação e às intervenções em saúde mental nas suas iniciativas, os profissionais de impacto social em todas as áreas enfrentam frequentemente desafios pessoais enquanto dedicam o seu tempo e energia para testemunhar e mitigar as desigualdades do mundo. Nos últimos anos, particularmente à luz da pandemia da COVID-19, muitos de nós ouvimos repetidos apelos ao auto-cuidado face ao que pode ser um trabalho exaustivo e doloroso.
Neste momento crítico da história, aqueles que se dedicam ao impacto social questionam-se sobre a forma de se empenharem neste trabalho difícil, para além dos conselhos clichés sobre o auto-cuidado. Ou seja, como é possível construírem-se ambientes sustentáveis para a defesa de causas, o activismo e a mudança?
Traduzir a emoção em acção
As reacções emocionais às alterações climáticas (por exemplo, angústia, tristeza, raiva, frustração, etc.) são apropriadas e válidas porque as ameaças aos eventos climáticos extremos são reais e já afectam negativamente a vida de muitas pessoas em todo o mundo. As emoções relacionadas com as alterações climáticas são também funcionais. As provas acumuladas mostram que as emoções climáticas estão associadas a um maior envolvimento na acção climática (por exemplo, redução da pegada de carbono individual, activismo climático, apoio às políticas climáticas). E são muitos os jovens de um número substancial de países que são levados a lutar contra as alterações climáticas (ou seja, mudando as suas dietas e estilos de vida, apelando aos governos para que actuem e responsabilizando as empresas privadas) à medida que sentem preocupações e receios quanto ao seu futuro.
Os profissionais de impacto social que lutam por outras causas importantes passam por dificuldades semelhantes ao lidarem com o peso emocional das questões que lhes interessam. Em vez de evitar ou ignorar a forma como eles mesmos e os seus pares são afectados pessoalmente, os profissionais devem criar espaço para validar e processar a realidade das emoções complexas relacionadas com o seu trabalho. Ao fazê-lo, é possível evitar que as pessoas fiquem entorpecidas ou esgotadas e criar formas de as envolver de novo na acção.
Por exemplo, a Climate Mental Health Network, uma organização sem fins lucrativos fundada em 2021 para abordar as consequências das alterações climáticas para a saúde mental, está a utilizar meios de comunicação criativos, como filmes e podcasts dirigidos pela Geração Z e, para além da partilha de experiências vividas, com o objectivo de elevar a forma como os jovens se sentem em relação às alterações climáticas e documentar o que significa lutar pelo direito a um planeta habitável. Estas histórias foram traduzidas para várias línguas e estão a ser vistas em comunidades de todo o mundo para inspirar esperança e acção rápida. Ao elevar as experiências emocionais dos indivíduos na defesa de causas, estes esforços criam espaço para uma expressão autêntica e fornecem pontos de entrada para um envolvimento novo e sustentado, especialmente entre os jovens. Outros líderes de impacto social podem replicar campanhas semelhantes de comunicação criativa e de narração de histórias para trabalhar com as emoções e resolver grandes problemas.
Integrar práticas criativas e rejuvenescedoras
Testemunhar e lutar contra sistemas injustos no mundo pode ser moral e espiritualmente desgastante. Além disso, pode ser cansativo e esmagador estar constantemente exposto a várias formas de sofrimento na sociedade e, no contexto da defesa do clima, à natureza catastrófica das alterações climáticas causadas pelo homem.
O movimento de saúde mental climática está a trabalhar para criar espaço para a integração artística e espiritual neste processo, para que os praticantes de todas as culturas possam curar as feridas internas e externas acumuladas no caminho para um mundo mais justo. Por exemplo, as organizações lideradas por jovens e defensores do clima nas Filipinas começaram a utilizar abordagens artísticas e espirituais para expressar as suas preocupações e a sua defesa contra as alterações climáticas, nomeadamente no festival anual Pintaflores. Em 2018, os grupos religiosos (ou seja, padres católicos e residentes) e artísticos (por exemplo Kanlaon Theater Guild, Kagayon Dance Troupe of Colegio San Agustin-Bacolod, MasKara Theater Ensemble) misturaram ecologia espiritual e artes teatrais étnicas, exibindo trajes étnicos pré-espanhóis coloridos, cânticos e danças, não só como forma de celebrar a festa do santo padroeiro San Carlos Borromeo, mas também como uma forte expressão da sua defesa da protecção das pessoas, de outros seres vivos e do planeta no meio da crise climática. O evento anual continua a sensibilizar para a história ancestral da comunidade e para a sua ligação à natureza, bem como a revigorar para a ligação espiritual das pessoas.
Outro exemplo são os esforços de conservação dos residentes do Mosteiro Benchen no Nepal, que plantaram 1000 árvores em Jampaling Pokhara, um campo de refugiados tibetanos, para comemorar o 17º Karmapa, o seu líder espiritual, que é também um defensor do ambiente. Este esforço poderá não só ajudar a reduzir o carbono na atmosfera a longo prazo, mas também a motivar o público a participar em acções sustentáveis como expressão da sua espiritualidade.
À medida que estamos mais ligados do que nunca enquanto comunidade global, é possível trabalhar em conjunto para aprender e elevar diversas formas de processar as complexidades do mundo. Desde a ligação às linhagens ancestrais até às práticas somáticas, os diversos modos de cuidar de si próprio e dos outros são importantes para todas as questões sociais e podem ser ferramentas para qualquer profissional da área social que procure formas de apoio tradicionais (psicologia e terapia) e não tradicionais (cura culturalmente enraizada e círculos de cura) nas suas comunidades.
Criar espaço para o impacto intergeracional
Embora a geração actual sinta de forma mais aguda os impactos climáticos, este trabalho visa, e como seria de esperar, salvaguardar o futuro de todas as pessoas. No movimento climático, as ameaças claras à saúde das pessoas e do planeta requerem um planeamento a longo prazo e um trabalho coeso para um impacto que se fará sentir, na melhor das hipóteses, daqui a centenas de anos. E é por isso que se torna necessário convidar profissionais que trabalham em todos os sectores, enraizados nos ciclos de concessão de subsídios e no impacto a curto prazo, a começarem a explorar as dimensões intergeracionais a longo prazo do trabalho de mudança social e a constelação de relações necessárias para sustentar esses movimentos.
Este trabalho para honrar e criar benefícios para aqueles que viverão no futuro assenta na construção de sistemas sociais sustentáveis e de sociedades inclusivas, diversificadas e interligadas que valorizam a saúde do planeta, a saúde mental e o bem-estar das pessoas. De facto, o objectivo é ver valores mais centrados na comunidade, relacionais e multigeracionais inerentes às políticas e programas actuais que também têm uma visão clara e inclusiva para o futuro.
Um exemplo disto são os cafés climáticos, um modelo criado para proporcionar um espaço seguro, hospitaleiro e compassivo para as pessoas que tentam processar as realidades complexas das alterações climáticas. Organizações como a Force of Nature, um grupo liderado por jovens sediado no Reino Unido, criaram recursos sobre como organizar um café sobre o clima em comunidades de todo o mundo, tendo já permitido a realização de mais de 150 cafés em 46 países. Este modelo intergeracional assenta no open sourcing e na compaixão, reunindo pessoas de todas as faixas etárias para processar emoções complexas relacionadas com as alterações climáticas em espaços comunitários de apoio. Também podem ser utilizados em todo o lado, especialmente em locais com recursos ou infra-estruturas limitados para abordar estas questões.
Os fóruns públicos para o diálogo e a partilha de experiências vividas são uma forma poderosa de colmatar as clivagens geracionais, o que é necessário para se assistir a mudanças a longo prazo nas questões que a todos interessam. As oportunidades intergeracionais de ligação e sentido de responsabilidade podem ser integradas nas escolas, nas comunidades locais e noutros programas de mudança social para ajudar a colmatar as lacunas e a moldar uma responsabilidade partilhada para com as gerações actuais e futuras.
Conclusão
As lições aqui partilhadas são apenas algumas de uma grande variedade de ideias que podem ser retiradas dos movimentos das alterações climáticas e da saúde mental. Desde sair do desespero e passar à acção até ultrapassar as divisões entre gerações, os participantes destes movimentos podem manter e preservar o seu bem-estar fazendo parte de uma comunidade de apoio que lhes sirva de recurso socio-emocional. Impulsionados pela urgência do “prazo climático” que se aproxima, há muito a aprender com os profissionais que estão na linha da frente destas questões. Ao fazê-lo, tal ajudará a abordar as questões sociais mais importantes do tempo actual e também conduzir ao afastamento de normas e culturas tóxicas que não dão prioridade ao cuidado de nós próprios e dos outros.
Enquanto rede de profissionais que trabalham em várias áreas temáticas, espera-se que estas lições ajudem as pessoas a empenharem-se em acções transformadoras e criativas a longo prazo que rompam as fronteiras disciplinares e sectoriais para conseguir uma mudança positiva no mundo. A criação de um mundo melhor para todos exige não só um compromisso com a nossa própria defesa, mas também o reconhecimento das acções de outros grupos de impacto social e a utilização de conhecimentos provenientes das suas experiências únicas e das suas melhores práticas para impulsionar novas formas de mudança.
AUTORES:
Lian Zeitz, John Jamir Benzon R. Aruta & Kelly Davis
Traduzido com permissão de “Learning From the Climate-Mental Health Convergence”. © Stanford Social Innovation Review 2023

Helena Oliveira
Editora Executiva