Portuguesas, arquitectas e sem emprego. Ângela Pinto, Carla Pereira e Joana Lacerda foram as vencedoras de um concurso internacional de arquitectura, que visava a projecção de abrigos para vítimas de desastres naturais ou conflitos. O Cross Hands, pensado para abrigar os refugiados da Síria, foi a estrela da exposição “Resilience by Design”, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, para onde rumaram as três jovens, depois de terem conseguido obter financiamento via crowdfunding para custear a sua viagem. E receberem o seu merecido prémio
Por
HELENA OLIVEIRA

Quem teve a oportunidade de visitar a exposição “Resilience by Design”, que esteve patente na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, entre 1 e 12 deste mês, com certeza não ficou indiferente ao projecto vencedor do concurso internacional criado pela Open Online Academy, que visava a construção de abrigos para vítimas de desastres naturais e refugiados. De origem 100% nacional, e entre uma série de painéis que ilustram vários tipos de abrigos para civis desenhados para situações de emergência como desastres naturais ou conflitos, o projecto Cross Hands, pensado para abrigar os refugiados da sangrenta guerra na Síria, da autoria de três jovens arquitectas portuguesas, foi o grande vencedor.

Ângela Pinto, Carla Pereira e Joana Lacerda, todas elas licenciadas pela Universidade Lusíada do Porto, decidiram participar num curso (e posterior concurso), ministrado pela Open Online Academy (OOAc), uma organização sedeada em Nova Iorque que oferece formação gratuita, online, nas áreas do design e outras relacionadas. Em conjunto com a concorrência feroz de arquitectos de todo o mundo que resolveram aceitar o desafio proposto pela OOAc – sob a temática “Designing Emergency Shelters” – as três jovens portuguesas, desempregadas e unidas por uma visão comum – a de que a arquitectura pode e deve ser uma forma de promover a dignidade humana – meteram literalmente mãos à obra e conceberam aquele que seria o projecto vencedor.

Como já anteriormente referido, o objectivo do curso online do OOAC consistia em projectar abrigos através de estratégias acessíveis e propostas fáceis de construir, com a finalidade de, posteriormente, os mesmos serem implementados por alguns organismos da ONU como o Office for Coordination of Humanitarian Affairs, o Office of the United Nations High Comissioner for Refugees (o Alto Comissariado para os Refugiados presidido por António Gutteres), pelo World Bank Group, e por outras organizações internacionais de renome, particularmente dedicadas aos refugiados climáticos e às vítimas de conflitos armados.

18122014_AsJovensQueMeteramMaosAobraComo explicam as três premiadas – ou a Cross Hands Team – e ao longo do processo de idealização do projecto, a ideia era que o mesmo promovesse a “dignidade na habitação para cada ser humano” e que pudesse, de alguma forma, “devolver a felicidade e o espírito de pertença aos que estão a passar por situações de emergência”. Mas, para si mesmas, a ideia era “provar que, no âmago da nossa profissão, reside a capacidade de mudar a vida dos mais necessitados”. E se bem o imaginaram, melhor o “construíram”: “toda a proposta surgiu a partir da intenção de se adaptar o projecto às diversas condicionantes que um campo de refugiados tem. Assim, surgiu a pertinência da aplicação do conceito de flexibilidade como fio condutor, uma vez que o número de pessoas por abrigo varia com frequência; há necessidade de exercer diferentes funções no seu interior e o mesmo deve adaptar-se às diferentes estações do ano”.

Em declarações à Rádio ONU, Joana Lacerda, uma das premiadas, sublinhou que a flexibilidade e a utilização de materiais recicláveis na construção do abrigo em causa constituíram os principais elementos diferenciadores do trabalho apresentado, e, consequentemente, a sua eleição como o vencedor do concurso internacional promovido pela Open Online Academy.

“O conceito de flexibilidade estende-se não só a nível da forma, porque esta pode-se ampliar ou encolher conforme as necessidades, como também ao nível do interior e da fachada”, explicou a arquitecta portuguesa. “Utilizámos materiais pré-fabricados para ser mais fácil e rápido de construir. E todo o revestimento do abrigo é feito com materiais reciclados, ou seja, com o lixo que está nos campos de refugiados”, acrescentou ainda. Apesar de ser concebido para abrigar três a cinco pessoas, a sua possibilidade de se “estender”, pode dar tecto e dormida a cerca de 12 pessoas e, “ao permitir a agregação de diversos materiais, reutilizados e encontrados no local em causa, cada família tem a possibilidade de dar identidade à sua nova casa”, o que significa que nunca existem dois abrigos iguais.

Ao longo de 2013, a OOAc financiou, em regime de crowdsourcing, projectos para escolas mais resilientes e abrigos de emergência localizados em áreas em reconstrução afectadas por desastres naturais ou conflitos armados. O evento nas Nações Unidas, marcado não só pela exposição dos projectos a concurso, mas também por uma conferência que reuniu arquitectos de todo o mundo, assinalou igualmente o primeiro aniversário da passagem do tufão devastador Haiyan, que assolou as Filipinas e ali deixou uma destruição generalizada, causando cerca de sete mil vítimas mortais e cerca de 600 mil desalojados. A exposição e a conferência visaram igualmente enfatizar a necessidade de soluções sustentáveis em resposta aos cada vez mais frequentes efeitos climáticos extremos. A OOAC goza de uma ampla e poderosa comunidade online e as soluções que desenvolve são adoptadas por governos, pelo sector privado, por variadas organizações internacionais e ONG, o que vai ao encontro da sua missão de uma arquitectura mais resiliente que possa dar abrigo às mais vulneráveis comunidades do mundo.

Do Porto para Nova Iorque

Apesar de afirmarem que são pessoas com personalidades bem distintas – o que também contribuiu para o equilíbrio e fortalecimento das suas capacidade na criação do Cross Hands – Ângela, Joana e Carla parecem ter mais o que as une, do que o que as divide. Todas na casa dos vinte anos, frequentaram o curso de arquitectura na Universidade Lusíada do Porto e, com excepção de Carla, natural do Funchal, tanto Ângela como Joana nasceram na Cidade Invicta. Os temas que escolheram para dissertação de final de curso indiciam já a eleição de uma arquitectura com “carácter humano”, com preocupações sustentáveis e dedicada aos mais vulneráveis.

Na sua tese, Ângela Pinto “uniu” a arquitectura às questões ambientais, elegendo a construção em terra como uma possibilidade viável em países desenvolvidos, mas também nos mais carenciados. Joana Lacerda, por seu turno, optou por dissertar sobre a “função social do arquitecto”, enquadrando-a nos desafios originários das transformações económicas, sociais e climáticas, em conjunto com a pobreza, a exclusão social, o direito à habitação e os direitos humanos no geral. Já Carla Pereira, actualmente a residir em Londres, parecia antever o desafio que lhe havia de ser apresentado pelo próprio (com)curso da Open Online Academy: com enfoque na “arquitectura de emergência”, dedicou-se às várias questões ambientais, económicas e sociais dos países em desenvolvimento, em particular na África subsaariana.

Quando, a 24 de Setembro último, souberam que tinham vencido o 1º prémio deste concurso internacional, um novo desafio surgiu-lhes de imediato: angariar os fundos necessários para custear a sua ida a Nova Iorque para apresentarem o seu projecto e receberem o prémio. Desempregadas mas persistentes, recorreram à plataforma portuguesa de crowdfunding PPL, expuseram a sua batalha e conseguiram angariar o dinheiro necessário para rumarem a Nova Iorque.

No último dia 12, as três jovens portuguesas foram homenageadas na sede da ONU e já estão de regresso a casa.

A exposição seguirá para a Asia Society, em S. Francisco e, em paralelo, o seu projecto estará bem visível numa publicação da área, com o destaque merecido. Afinal, pode ser que o carácter humanitário e social que teimam em “embutir” na sua profissão, lhes possa trazer o tão ambicionado emprego.

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