Com uma carreira profissional e académica sempre associada à actividade bancária, Jorge Soley afirma que o principal desafio a atingir neste sector tão necessário, quanto malquerido é “alcançar os níveis de rentabilidade que existiam antes de 2007, pois se não se ganha dinheiro, não se pode reformar nada”. Em entrevista, o Professor de Gestão Financeira do IESE fala sobre os princípios éticos que devem orientar a banca e das principais questões que afectam o sector na actualidade
POR HELENA OLIVEIRA

Afirmou numa conferência que “a aplicação da ética em qualquer actividade humana, inclusivamente a curto prazo, é rentável”. Por que motivo é que continua a ser tão difícil aplicar a ética ao sector bancário?

A ética nos negócios, num sentido muito estrito, concretiza-se na implementação dos princípios do “bom administrador”, embora e por vezes, os princípios éticos não sejam visíveis a curto prazo. A longo prazo, qualquer actividade, incluindo a bancária, sem estes princípios, está condenada ao fracasso. Mas na minha opinião está a exagerar-se a crítica à banca. É verdade que no sector bancário se realizaram actividades que podem ser definidas como não éticas.

Mas e tal como se passa em todos os sectores, existem banqueiros, a grande maioria, que estão a fazer um grande trabalho de fomento da economia de cada país. Adicionalmente, o sector bancário tem sempre as suas actuações sob uma lupa, devido à sua importância na economia.

Num estudo (entre tantos outros) realizado em 2017 nos Estados Unidos, a banca aparecia como o 3º sector (em 20) que gerava maior desconfiança entre os consumidores, sendo apenas superado pelo da indústria do marketing e publicidade (2º) e pelo sector da gasolina e petróleo, que reina no pódio da suspeita. E o cenário não é muito diferente na Europa. Porque persiste esta visão tão pobre de um sector que é tão importante?

É verdade que as classificações sobre a reputação do sector bancário têm sido, nos últimos tempos, pouco brilhantes. No entanto, já nos últimos exercícios, a sua classificação tem vindo a recuperar.

E é curioso que nos países com um grande desenvolvimento económico, como por exemplo, no Leste asiático, a banca se encontre melhor classificada do que nos Estados Unidos e na Europa. E também sabemos que a crise de 2007 do Lehman Brothers, as hipotecas subprime, a crise imobiliária e as actuações de alguns dirigentes bancários em muito contribuíram para esta situação.

[quote_center]Os salários dos altos executivos estão em consonância com a realidade de serem dirigentes de grandes empresas que têm riscos certos e rentabilidades escassas[/quote_center]

De qualquer forma não estranho que o sector bancário não tenha muito apoio na imprensa. Recordemos o tratamento dos prestamistas na Idade Média e, por exemplo, os ataques de Hitler contra a banca, as finanças internacionais e os judeus. É uma actividade muito sensível e sobre a qual todos os grupos políticos e sociais querem dar a sua opinião.

Mas a verdade é que parece que pouco mudou mesmo depois da inqualificável falta de ética que contribuiu para a crise financeira de 2008. E apesar dos escândalos, os bancos têm continuado a registar lucros substanciais e os banqueiros, que deviam ter ganho juízo, continuam a ser principescamente pagos, a receber bónus vergonhosamente avultados, não se registando grandes mudanças de atitude. Como é que esta situação continua a ser uma realidade?

Na minha opinião e mais uma vez, considero que estes juízos não são objectivos.

A banca é uma actividade que está obrigada a ter lucros de grande envergadura. Caso contrário, teria problemas de solvência. Investiria uma pessoa as suas poupanças numa entidade bancária com “apenas lucros”? Este é o drama: o de que se tem de ganhar dinheiro e que muitas pessoas não estão dispostas a reconhecer a necessidade dos bons resultados bancários. Os salários dos altos executivos estão em consonância com a realidade de serem dirigentes de grandes empresas que têm riscos certos e rentabilidades escassas.

O tema dos títulos vai sendo corrigido no sentido de que não dependam de resultados a curto prazo, mas de longo prazo.

E o que precisava a banca fazer para aumentar os níveis de confiança perdidos e melhorar a sua reputação?

A resposta é clara. Actuar sob critérios éticos, actuar como um bom “administrador” dos recursos que lhes foram concedidos. As aventuras financeiras não deveriam ser o seu objecto de actuação.

O problema actual é que as entidades bancárias, quase na sua totalidade cotadas na Bolsa, dependem muito dos mercados financeiros. Com rentabilidades baixas, por vezes cai-se na tentação de realizar operações com maiores riscos, mas que podem afectar a solvência da entidade.

[quote_center]Infelizmente, a mente humana pode ser mais rápida do que a regulamentação e, portanto, não existe solução se os dirigentes não mantiverem critérios éticos exigentes[/quote_center]

Com as regulamentações bancárias de Basileia III, está regulada a sua actividade bancária, tanto no seu activo, como no seu passivo.

Infelizmente, a mente humana pode ser mais rápida do que a regulamentação e, portanto, não existe solução se os dirigentes não mantiverem critérios éticos exigentes.

Este foi precisamente o motivo da realização recente do “Seminário Ética Empresarial: aplicações no Sector Financeiro” na AESE Business School, onde se insistiu em sensibilizar o dirigente sobre a necessidade de actuar com critérios éticos.

Que principais desafios enfrenta a banca nesta segunda década, quase a terminar, do século XXI?

Para mim, o primeiro desafio é alcançar os níveis de rentabilidade que existiam antes de 2007. Se não se ganha dinheiro, não se pode reformar nada.

Para além disso, a banca sofre já o impacto da digitalização com novos “modelos de negócio”, os quais têm necessidades de novos perfis de pessoal, focados na resolução dos problemas dos seus clientes e na luta contra a morosidade, cancro de qualquer entidade bancária.

Como encara o imenso potencial das FinTech e até que ponto está a ser posto em causa o modelo tradicional do sector bancário?

Com efeito, as Fintech serviram para “despertar consciências” na banca tradicional. No entanto, pelas suas próprias características, as start-ups fazem com que a sua actividade se converta cada vez mais numa actividade complementar bancária, aproveitando as suas claras vantagens de inovação.

Mais perigosa para a banca é a actividade das denominadas G.A.F.A. (Google, Armazon, Facebook, Apple), que têm uma enorme capacidade financeira para desenvolver algumas das actividades bancárias, em especial, os meios de pagamento.

Em termos éticos, poder-se-á ganhar alguma coisa com a automatização de certos processos?

Para mim, são coisas diferentes. A automatização de processos é independente da ética. E é evidente que por muitas normas, muitos procedimentos, muitas melhorias que se façam, estes esforços não servirão para nada se os critérios do Conselho de Administração e da Alta Direcção não se basearem em critérios de actuação éticos.

Um outro desafio que é referenciado quando se fala no sector da banca é que a mesma tem cada vez mais dificuldade em atrair novos talentos. Os jovens sentem-se atraídos por empresas cujos valores estejam alinhados com os seus próprios. O que é o mesmo que dizer que o “propósito” é importante para esta nova geração e que a banca tem de enfatizar também qual o propósito que persegue. Acha que existe noção desta barreira a transpor?

É verdade que a banca necessita de atrair o talento profissional como acontecia há uma década. A recuperação da reputação e os grandes desafios da digitalização tornam mais atraente a entidade bancária. Não se deve subestimar que a entidade bancária é, para muitos, um símbolo capitalista com o qual pretendem acabar, não querendo assumir de que sem banca não há actividade económica.

Ao longo de toda a sua carreira, profissional e académica, esteve sempre ligado à actividade bancária. Como encara o movimento de “banca ética” ou “solidária” de que é exemplo o Triodos Bank?

Em princípio, considero que toda a actividade bancária deve ser ética e é mau se for preciso criar entidades especializadas com princípios que deveriam ser partilhados por todos. Já o referi ao longo desta entrevista.

Num encontro do sector bancário, proferiu duas ideias que peço para comentar: a de que “os bancos são solventes, mas não rentáveis” (…) e que “se fosse para a rua dizer que os bancos não ganhavam o suficiente, lhe atirariam pedras, mas que essa é a verdade” (…)

A banca tem uma solvência inferior a dois dígitos. Portanto, interrogo-me sobre quem está disposto a investir em entidades bancárias, quando o pode fazer noutros sectores como a Saúde, com taxas de lucro de 30 % anuais.

A solvência é defendida pelas regulamentações de Basileia III, mas a curto prazo, se não existir rentabilidade, a solvência ver-se-á afectada.

(…) E que “a banca é muito aborrecida, e se não é aborrecida, é perigosa”.

Esta frase foi pronunciada por Rafael Termes, um dos fundadores do IESE e durante muitos anos Presidente da Asociación Español de Banca (AEB) e Administrador-Delegado do Banco Popular. Deve ser entendida no sentido de que o banqueiro tem de ser um bom “administrador” do dinheiro que recebeu e evitar operações e actividades que, mesmo podendo ser inovadoras, afectem o risco da actividade.

Editora Executiva