Não há amante da Sétima Arte que não conheça Denzel Washington; aliás, não precisa sequer de ser devoto das salas ou do streaming. É um dos grandes actores da nossa geração e a sua postura de serenidade deveria ser tão fulcral como o «todos nós temos Amália na voz» que Variações cantou. Contudo, e porque nem tudo é o que parece, o nosso Denzel lê-se «Denz[è]l», por oposição ao pai, também Denzel Washington, que atendia ao nosso aportuguesado «D[ê]nzel». Recordemo-lo quando dissemos que vimos um filme com o actor. Como nem tudo é o que parece, faz-se aqui mais uma revisão da literatura sobre inflação
POR PEDRO COTRIM

Tida como o inimigo económico número um desde a década de oitenta, tornou-se para muitos especialistas a via da salvação das economias ocidentais, mas os seus efeitos negativos são bem conhecidos. A inflação elevada desestabiliza os preços, interrompe as decisões económicas e alimenta os conflitos sociais. Desencadeia uma redistribuição de valor pouco ortodoxa, degradando o poder aquisitivo daqueles cujos rendimentos não são indexados e desvalorizando o património dos que poupam, cada vez mais numerosos em sociedades envelhecidas. Uma vez estabelecida, a inflação elevada é difícil de combater e tende a permanecer. Parece portanto haver excelentes argumentos a favor da inflação baixa.

A questão é complexa. Se a inflação é prejudicial, a deflação é igualmente perigosa. Esta última incentiva os agentes económicos a esperarem por amanhã para comprar mais barato, o que reduz a procura e a actividade. Aumenta o peso da dívida em relação à quebra dos rendimentos. Há ainda o factor envelhecimento demográfico, esmagador em Portugal e noutros países ocidentais. Será um erro pensar apenas no peso das reformas e no impacto dos sistemas de previdência de que uma grande parte da população é beneficiária; há ainda a questão dos trabalhadores que atrasam a sua saída do mercado de trabalho. Mais velhos, menos produtivos. É o bicho humano a desgastar-se.

O crescimento da produtividade fica amortecido à medida que os trabalhadores mais velhos perdem eficiência. Por outro lado, os trabalhadores no final das suas carreiras estão menos expostos ao desemprego, mas os que estão em tal situação dificilmente dela saem. Por esta razão, dão mais importância à manutenção do emprego do que ao aumento dos seus salários. É o reverso económico do aumento da longevidade e sabemo-lo há muito.

Uma inflação mais elevada reduz o peso das dívidas em relação ao aumento dos rendimentos, o que seria refrescante para famílias e estados que abusaram das dívidas, mas este raciocínio pressupõe duas condições muito importantes: que os rendimentos aumentem ao mesmo ritmo que os preços (o que não é o caso se a inflação for apenas ‘importada’, através de um aumento das matérias-primas, como sucede na Europa), e que as taxas de juros sejam imóveis.

Esta última suscita-se o como plausível para famílias endividadas a taxas fixas, mas complicada para os Estados, extremamente dependentes dos mercados para o se financiarem e tornarem a financiar. É pouco provável que os investidores reparem num aumento da inflação sem exigir taxas de juros mais altas como compensação. E, se a inflação cair, a reacção exagerada dos mercados corre o risco de abafar o crescimento. A situação é muito diferente da que prevaleceu nos anos do pós-guerra. O papel desempenhado pela inflação na absorção pela da dívida pública não é necessariamente reproduzível.

A acção dos bancos centrais provavelmente não teria tido o mesmo sucesso sem o impacto desinflacionário da globalização, e a actividade dos principais países emergentes aumentou consideravelmente a capacidade de produção a nível global. O fluxo de produtos asiáticos nos mercados ocidentais pressionou os preços, enquanto a concorrência dos trabalhadores de países de baixo salários limitou o poder de negociação dos trabalhadores das economias avançadas.

Mas se nos concentramos nas causas monetárias ou estruturais da desinflação, dois pilares de moderação parecem enfraquecidos. Desde o início da crise, as políticas monetárias mudaram de rumo. A luta contra a inflação tomou deixou de ser prioritária, sendo apagada pela ameaça de deflação. Os Bancos Centrais reduziram os juros dos depósitos a prazo para um valor próximo de zero, mas implementaram igualmente um arsenal de medidas não convencionais, impensáveis há alguns anos, criando dinheiro maciçamente para tornar a comprar activos financeiros privados e públicos.

É evidente que esta versão contemporânea da impressora de Gutenberg não cria automaticamente inflação, uma vez que exigiria que o dinheiro emitido pelo BCE fosse transformado, via bancos, em empréstimos para o resto da economia, o que não é o caso no momento, e também especialmente porque o contexto global também se altera com rapidez. Como grandes fornecedores de produtos baratos para exportação, os países emergentes da Ásia estão a enriquecer pela via da procura. E depois de ter tido um impacto muito desinflacionário, a dinâmica chinesa está a tornar-se numa grande fonte de inflação.

A longo prazo, os países emergentes deverão redireccionar a sua produção para o mercado interno, e à medida que a sua população cresce e envelhece, espera-se que as exigências salariais se intensifiquem, que a produtividade aumenta e que os seus custos também aumentem. A moeda talvez se valorizes, mesmo que apenas para aliviar as pressões inflacionárias internas. Estes factores poderiam aliviar a pressão competitiva que este país exerce; para os países «ocidentais», significaria o fim da desinflação importada e um equilíbrio de poder menos desfavorável aos assalariados.

Mas em que horizonte? As economias ocidentais enfrentam problemas urgentes. O cenário de uma solução através do retorno da inflação parece, por enquanto, muito distante para proporcionar um resultado plausível.

Estudando quase um século de dados britânicos, o neozelandês Alban W. Phillips encontrou, há apenas sessenta anos, uma relação inversa bastante robusta entre a taxa de desemprego e as alterações salariais: maior o desemprego, mais lento o aumento dos salários. Esta observação empírica é facilmente explicada: quando o número de pessoas sem trabalho é grande, muitos estão dispostos a aceitar um salário baixo por um emprego; outros, por medo de perder, os empregados restringem as suas exigências salariais ou chegam a aceitar uma redução da sua remuneração.

Mas à medida que a economia se aproxima do pleno emprego e os candidatos a emprego se tornam mais escassos, os empregadores são mais propensos a aceitar aumentos salariais, tanto para recrutar melhores funcionários como para os reter: a taxa de desemprego tem impacto no equilíbrio de poder entre empregadores e empregados.

Apesar do desemprego e da actividade reduzida, os salários médios não desceram durante os períodos recessivos, porque foram principalmente os trabalhadores menos qualificados e mais mal pagos a perder os empregos; durante a recuperação, são estes mesmos trabalhadores a regressar ao trabalho, que vez implica uma parte dos salários médios.

A taxa de desemprego também pode não ser um bom indicador das tensões no mercado de trabalho. Quando as perspectivas de emprego são sombrias, os desempregados acabam por ficar desencorajados e param activamente de procurar emprego; os trabalhadores aceitam o trabalho em part-time, desesperados por encontrar um emprego em tempo integral, e pessoas inactivas atrasam sua entrada na vida profissional, como por exemplo os jovens que prosseguem os estudos.

O fraco crescimento dos salários ajuda certamente a explicar a razão de a inflação ter permanecido tão baixa e estável nos últimos anos, mas a relação prossegue na direcção oposta: como a inflação é baixa, empregados, empregadores e parceiros sociais antecipam um aumento limitado dos preços durante as negociações salariais, que implica aumentos salariais. Além do mais, e uma vez que alguns salários são mais ou menos indexados à inflação, esta reflecte-se em baixos aumentos salariais. Uma grande questão do ovo e da galinha, portanto.

Se as empresas também estão relutantes em aumentar os salários, é também porque têm menos ganhos de produtividade para distribuir. Além do mercado de trabalho lento, o baixo crescimento da produtividade que os países desenvolvidos têm vivido desde o começo do milénio também pesa nestas contas. Pode ver-se aqui o efeito de grandes tendências, como a desaceleração da inovação ou a mudança da procura para sectores que geram emprego de baixa produtividade. Mas também podemos detectar as cicatrizes da crise recente: a recessão desincentivou as empresas a investir, os desempregados de longa duração que encontram um emprego perderam habilidades e muitas mais.

Chega hoje o Outono, chega daqui a três meses o Solstício. Renasçamos na rentrée com um olho nas necessidades e com outro na cautela.

Imagem de capa de Marco Meniero e reproduzida com a sua permissão. Muito apreciamos e agradecemos o seu trabalho, que recomendamos em

https://www.meniero.it/astrofotografia


Bibliografia

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CARTER, Zachary D., The Price of Peace: Money, Democracy, and the Life of John Maynard Keynes, Nova Iorque 2021
FISHER, Irving, The Debt-Deflation Theory of Great Depressions, Saint Louis 1933
KABORET, Azaria, La politique de rémunération : Moteur de Performance: Politiques de rémunération : Principes généraux et impact sur la performance des travailleurs, Paris 2020
MAURICE, FLAMANT, L’Inflation (Que sais-je), Paris, 1981
KINGS, HARRY, Inflation Guide, Londres, 2022
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