Os dados “apontam sempre para quase um terço de crianças com excesso de peso ou obesidade”, lamenta, em entrevista ao VER, a NHW Manager da Nestlé Portugal, empresa que promove há mais de uma década uma alimentação saudável entre os jovens portugueses, através do Programa Apetece-me.  Para Ana Leonor Perdigão, “é de esperar que a situação económica actual possa pesar negativamente no estado nutricional da população portuguesa”
POR GABRIELA COSTA

.
.
© Nestlé Portugal
.

Como podem as empresas contribuir para responder às problemáticas de saúde? O Programa Apetece-me, lançado pela Nestlé Portugal em parceria com o Ministério da Educação e a Organização Mundial de Saúde (OMS) há mais de dez anos, é um projecto de educação que promove estilos de vida saudáveis. Envolvendo todos os agrupamentos de escolas do país (1.º, 2.º e 3.º ciclos), bem como os Centros de Saúde, a iniciativa abrangeu, no ano lectivo 2010/2011, perto de 2.700 escolas, envolvendo cerca de 505 mil alunos.

Com o objectivo de incentivar hábitos alimentares saudáveis e a prática do exercício físico, reforçando a auto estima dos mais novos, a iniciativa constitui uma ferramenta, na prática, para combater os preocupantes números da prevalência de excesso de peso entre os mais jovens: 32 por cento, segundo os mais recentes dados avançados pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a Plataforma Contra a Obesidade da Direcção-Geral da Saúde e a Administração Regional de Saúde (ARS), em colaboração com a Direcção Regional de Saúde de madeira e dos Açores (ver Caixa).
No corrente ano lectivo, o “Apetece-me” chega também ao pré-escolar, num projecto-piloto inédito: foram contactadas quinze escolas da área metropolitana de Lisboa, que, após adesão, recebem os materiais gratuitamente pela mão de um animador/formador “Apetece-me”. Este visita os estabelecimentos para uma acção de formação com educadores e crianças sobre a temática da “Alimentação e Estilos de Vida Saudáveis” e sobre como utilizar e tirar o maior proveito dos materiais pedagógicos.

Tendo como base o conhecimento adquirido por parte das crianças entre os quatro e os cinco anos de idade no seu dia-a-dia, foram desenvolvidos materiais didácticos e pedagógicos que têm por base o reconhecimento, a leitura e a interpretação de imagens.

Pedagogia transversal
Este programa concebido “para se adequar à reorganização curricular do ensino Básico e às necessidades em termos de educação alimentar”, segundo a Nestlé, assenta numa metodologia cedida pela OMS que, como se sabe, considera a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública, a nível global. O projecto, que conta desde a sua criação com a consultoria da Sair da Casca – Sustainability Consulting, passou a integrar em 2010 o Nestlé Healthy Kids Global Programme, juntamente com outros programas escolares de vários países dedicados às temáticas da nutrição, saúde e bem-estar.

E se aos alunos recomenda a consciencialização para a importância de uma alimentação equilibrada e variada, associada à actividade física; o desenvolvimento de uma capacidade de escolha adequada e a apreensão de conceitos-chave relacionados com os estilos de vida saudáveis, aos professores orienta na construção de um projecto relacionado com os estilos de vida saudáveis, abordando-os de forma transversal e pluridisciplinar e fornece um enquadramento metodológico ao tema e pistas para a realização de actividades dinâmicas.

Já aos pais e encarregados de educação a Nestlé procura fornecer conteúdos que consciencializem para a importância de ter uma alimentação equilibrada e um estilo de vida saudável.

Com uma estratégia pedagógica “pioneira em Portugal”, este é “um dos raros projectos educativos a seguir uma abordagem transversal, que integra todas as matérias curriculares”. Após a adesão ao programa, cada escola recebe os kits pedagógicos com os materiais preparados para cada ano lectivo, que servem de base ao desenvolvimento de um projecto transversal e independente, ao longo de todo o ano.

“A relação inversa entre nível socioeconómico e obesidade deve-se mais à falta de informação sobre o que deve ser uma alimentação saudável do que à falta de disponibilidade económica para a aquisição dos alimentos essenciais” .
.

No ano lectivo passado foram enviados os seguintes materiais pedagógicos: ao 1º ciclo, o Dossier “Apetece-me Estar Bem” (um guião para ajudar os professores a abordar os temas da alimentação, do crescimento e do bem-estar com informação geral, propostas de actividades, fichas de trabalho, material para recortar, entre outros); e aos 2.º e 3.º Ciclos, o Dossier “Apetece-me Saber Mais e Construir”, incluindo um manual de nutrição para os professores que transmite conhecimentos básicos para a saúde e bem-estar e um guião também para os docentes que permite uma abordagem transversal do tema da alimentação e que propõe orientações para desenvolver projectos no âmbito deste tema.

Ainda no ano lectivo 2010/2011 foi lançado o Concurso “Apetece-me… tomar o pequeno-almoço”, dedicado a esta refeição e à sua importância para uma alimentação saudável. Foram criados dois desafios para cada um dos ciclos abrangidos pelo Programa, que ganharam expressão por parte do alunos em formatos como o desenho, peças de teatro e de fantoches, contos, Banda desenhada e campanhas de comunicação.

Quanto a resultados relativamente ao universo escolar abrangido, aderiram este ano lectivo ao Programa Educativo “Apetece-me” 2.036 escolas do 1.º Ciclo e 428 escolas dos 2.º e 3.º Ciclos. No total, o programa contou com a participação de 184.809 alunos do 1.º Ciclo (37,9% do total do país) e 322.613 alunos dos 2.º e 3.º Ciclos (40,6% do total). A iniciativa conta já com 129 escolas inscritas, divulga a Nestlé. O projecto-piloto para o pré-escolar conta com a participação de quinze escolas e um total de 946 alunos entre os quatro e os cinco anos de idade.

De que importância se reveste este programa que visa combater a obesidade, tantas vezes relacionada com falta de informação e pobreza, face ao crescimento da obesidade infantil em Portugal?
O programa educativo “Apetece-me” existe desde 1999 e resulta de uma parceria entre a Nestlé e a Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação.

O grande objectivo da Nestlé ao lançar esta iniciativa foi, exactamente, poder contribuir para um maior conhecimento e sensibilização das crianças para a importância da alimentação saudável. Mais recentemente, a empresa passou a enquadrar este programa no seu conceito de responsabilidade social corporativa – a Criação de Valor Partilhado.

Com o programa educativo “Apetece-me” acreditamos que podemos ajudar os professores a tratarem os temas da nutrição e estilos de vida saudável com os seus alunos, ajudando-os a tomar consciência dos seus hábitos alimentares e promovendo a adopção de comportamentos mais saudáveis, quer por parte das crianças quer indirectamente pelas respectivas famílias.

Como avalia os números da prevalência de excesso de peso e obesidade entre as crianças e adolescentes portugueses?
Os estudos são sempre escassos e pouco abrangentes, mas os dados mais representativos (estudo da professora Cristina Padez e também o estudo COSI) colocam-nos no topo da tabela quando falamos de excesso de peso e obesidade infantil.

Os dados apontam sempre para quase um terço de crianças com excesso de peso ou obesidade. É realmente um problema grave de saúde pública que pode retirar anos de vida às gerações mais jovens e que, com toda a certeza, lhes tirarão qualidade de vida. Torna-se ainda mais difícil explicar esta situação quando reclamamos para nós o padrão alimentar mediterrânico, agora também considerado Património da Humanidade pela UNESCO, e temos o privilégio de ter um clima com muitas horas de sol por ano, que convida a desfrutar do ar livre.

De que modo esta realidade se poderá agravar num contexto de crise socioeconómica?
São vários os estudos que encontram relação inversa entre nível sócio-económico e excesso de peso/obesidade, tanto em adultos como em crianças. No entanto, penso que esta situação se deve mais à falta de informação sobre o que deve ser uma alimentação saudável do que propriamente à falta de disponibilidade económica para a aquisição dos alimentos essenciais que devem compor um padrão alimentar equilibrado.

Seguindo este raciocínio, é de esperar que a situação económica actual possa pesar negativamente no estado nutricional da população portuguesa, não apenas relativamente ao excesso de peso, mas principalmente em relação ao surgimento ou agravamento de carências nutricionais específicas, nomeadamente de algumas vitaminas e minerais.

Estas situações aparentemente opostas convivem muitas vezes quando a alimentação, além de desajustada do ponto de vista calórico, é monótona e pobre em alimentos frescos como a fruta e os hortícolas.

.
.
© Nestlé Portugal
.

Face a esse contexto social que poderá diminuir a qualidade da alimentação dos nossos jovens, que mais valia traz a edição deste ano lectivo do Apetece-me?
Em 2012 o programa educativo pretende chegar a mais crianças e às suas famílias e por isso está a renovar o seu website, permitindo um acesso mais generalizado aos conteúdos desenvolvidos. Além dos materiais dirigidos aos professores e alunos passará a ter também uma área específica para pais, de forma a conseguir um envolvimento maior das famílias.

Temas como a importância dos hortícolas, o equilíbrio do dia alimentar ou o papel do pequeno-almoço para um dia mais produtivo continuam a ser chaves neste trabalho junto das crianças e adolescentes.

Que iniciativas inclui esta edição e quais são as perspectivas, em termos de abrangência do Programa?
A nova plataforma de comunicação com professores, alunos e pais vai permitir uma interacção maior e também um maior acompanhamento às iniciativas de cada professor. É ainda possível desenvolver actividades mais dinâmicas e cativar as crianças e suas famílias para actividades regulares que permitam a interiorização dos conceitos, de forma a transformá-los em atitudes e comportamentos mais saudáveis.
Por termos consciência do valioso trabalho que as escolas em geral desenvolvem com as suas comunidades educativas, e para garantir visibilidade a estes projectos e permitir a sua eventual adopção por outras escolas, lançamos também este ano o Prémio Apetece-me, ao qual se pode candidatar qualquer escola aderente ao programa.

Que balanço faz da edição anterior do programa?
A edição 2010-2011 foi particularmente positiva e gratificante para nós, uma vez que ultrapassámos a barreira dos 500 mil alunos directamente envolvidos no programa, com idades compreendidas entre os seis e os quinze anos de idade. Este número representa cerca de 40% do universo escolar dessa faixa etária.

Foi integrado um novo tema dedicado à importância do pequeno-almoço pela relevância que esta primeira refeição do dia tem no rendimento físico e intelectual das crianças. Este novo tema foi alvo de um concurso no qual participaram mais de quatro mil alunos, de aproximadamente duzentas escolas de todo o país.

Por outro lado, outra das conquistas de 2010-2011 foi o alargamento ao pré-escolar, na faixa dos 4-5 anos. Os estudos dizem-nos que quanto mais precoce a intervenção ao nível dos hábitos alimentares, mais eficaz se torna. Assim, começar a incutir bons hábitos alimentares desde a idade pré-escolar foi um objectivo concretizado no passado ano lectivo, com a realização de um projecto piloto com cerca de mil crianças. Com essa aprendizagem e a opinião dos educadores e pais envolvidos iniciámos o alargamento a partir do passado mês de Setembro, com o objectivo de chegar a cerca de cinco mil crianças destas idades até final de Junho.

45 milhões de crianças obesas
A obesidade infantil apresenta-se como um dos mais sérios problemas de saúde publica, quer no espaço Europeu, quer no resto do mundo. A taxa de crescimento desta doença tem-se mantido constante, acrescentando 400 mil crianças por ano aos já existentes 45 milhões com excesso de peso.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), no seguimento da aprovação da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade, lançou uma iniciativa a pedido dos Estados-Membros da Região Europeia com a intenção de instalar um sistema de vigilância da
obesidade infantil.

O WHO – European Childhood Obesity Surveillance Initiative, constitui o primeiro Sistema Europeu de Vigilância Nutricional Infantil. Portugal assumiu a coordenação Europeia desta iniciativa e implementou-a, a nível nacional, sob a designação “COSI – Portugal”.

Este Sistema de Vigilância desenvolvido no nosso país por uma equipa conduzida por Ana Rito (Instituto Nacional de Saúde, Dr. Ricardo Jorge; Plataforma Contra a Obesidade da Direcção-Geral da Saúde) e João Breda (ARS do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo e Algarve e Direcção Regional de Saúde da Madeira e dos Açores) tem como principal objectivo criar uma rede de informação sistemática (a cada dois anos) e comparável entre os países da Europa, sobre as características do estado nutricional infantil de crianças dos seis aos dez anos.

No primeiro ano de avaliação (2008/2009) participaram 13 países dos 22 que integram esta iniciativa. Em Portugal foram avaliadas 3847 crianças do 1º ciclo do Ensino Básico
de 185 escolas, constituindo uma amostra representativa nacional. A metodologia aplicada seguiu o protocolo comum a todos os países participantes, tendo as crianças sido avaliadas através de parâmetros antropométricos (peso e estatura). Foram ainda aplicados dois questionários compreendendo variáveis relativas à família e ao ambiente escolar.

Para a classificação do estado nutricional, foi utilizado o Índice de Massa Corporal
(IMC) em relação aos Percentis 85 e 95 das tabelas do Center for Diseases Control and
Prevention (CDC), aquelas que se encontram no Boletim de Saúde Infantil, sendo que valores superiores a estes percentis são considerados de pré-obesidade e obesidade, respectivamente.

Os resultados mostraram uma distribuição por género semelhante (47,9% de raparigas)
bem como a média de idade, que foi idêntica entre rapazes e raparigas (7,5 anos). Os rapazes eram, em média, mais altos e mais pesados que as raparigas, sendo a média da estatura de 122,4 centímetros nas raparigas e de 124,3 nos rapazes; no que diz respeito ao peso, este era de 26,6 quilos nas raparigas e de 27,3 quilos nos rapazes. Com base nos critérios do CDC, a prevalência de pré-obesidade foi de 18,1 % e a de obesidade de 13,9%, somando uma prevalência de 32% de excesso de peso.

O excesso de peso foi maior nos rapazes (32,9%) do que nas raparigas (31,0%). Ainda
segundo este critério de avaliação, a região que mostrou maior prevalência de pré-obesidade e obesidade foi a dos Açores (21,7% e 20,7%, respectivamente) e a que revelou menor prevalência de pré-obesidade e obesidade, foi a do Algarve (10,7% e 6,8%, respectivamente).

Fonte: Estudo COSI Portugal