Tal Ben Shahar, da Columbia University, procurou numa conferência dada já no período da Covid-19 explicar o que considera serem as cinco chaves para aumentar a nossa capacidade de nos tornarmos anti-frágeis e, portanto, sairmos mais fortes desta pandemia. Seguem-se sumariamente estas cinco chaves para a anti-fragilidade com a convicção que nos poderão dar luzes no meio das dificuldades que possamos enfrentar
POR MARTA LINCE DE FARIA

Num período de constantes desafios e dificuldades como é o que atravessamos atualmente, todos pensamos na importância da resiliência. A resiliência é um termo tomado da engenheira. Um material resiliente é capaz de voltar à sua forma original depois de ser sujeito a uma determinada força. O exemplo mais comum é o da borracha, que volta à forma original depois de sujeita a determinada pressão. O conceito foi adotado pela psicologia para designar as características mentais daqueles que não “partem” ante o stress e a pressão, mas são suficientemente flexíveis para, uma vez passado o evento, voltarem à sua forma inicial.

Nassim Nicholas Taleb, da NYU, criou o termo “anti-fragilidade”. Esta expressão caracteriza aquelas pessoas que, depois de serem sujeitas a um grande stress e/ou pressão, não voltam apenas ao seu estado inicial, mas tornam-se ainda mais aptos, capazes e fortes. Assim como os materiais e pessoas frágeis enfraquecem ao serem sujeitos a uma elevada pressão, as pessoas anti-frágeis tornam-se mais fortes depois destes eventos. A anti-fragilidade foi cunhada como a “resiliência 2.0”.

Tal Ben Shahar, da Columbia University, procurou numa conferência dada já no período da COVID-19 explicar o que considera serem as cinco chaves para aumentar a nossa capacidade de nos tornarmos anti-frágeis e, portanto, sairmos mais fortes desta pandemia. Descrevo sumariamente estas cinco chaves para a anti-fragilidade com a convicção que nos poderão dar luzes no meio das dificuldades que possamos enfrentar.

Primeira chave: conceder-nos a autorização para sermos humanos. Todos experimentamos emoções negativas e momentos de debilidade. Há apenas dois tipos de pessoas que não sentem emoções negativas: os psicopatas e os mortos. Por isso, se sente ocasionalmente emoções negativas, alegre-se, porque está vivo e não é um psicopata. Hoje em dia não nos concedemos o direito de sermos humanos por vários motivos, mas um especialmente importante é o mundo dos social media que através de posts e imagens entusiasmantes e atrativas nos transmitem a sensação que tudo funciona no mundo menos a nossa vida. Situações de pressão envolvem necessariamente emoções complexas e extremas. Os números de pessoas que sofrem de ansiedade aumentaram globalmente durante a pandemia porque aumentou muito a incerteza em relação à situação sanitária e à situação económica. Os níveis de frustração aumentaram tanto para as pessoas que vivem sozinhas, que agora se sentem mais sós, como aquelas que vivem com a família e com quem são forçadas a conviver durante mais horas durante o dia, nem sempre resultando num melhorar das relações. Mas as emoções positivas também nos estão a causar problemas. Há uns dias, falei com uma pessoa com umas ótimas condições materiais em casa e a quem a pandemia permitiu aproximar-se mais dos membros da sua família. A sua primeira reação foi dizer-me: “Sinto-me culpada por estar feliz. Não é justo que me sinta assim quando há tanta gente a sofrer!”

Uma pessoa que aceita plenamente a sua humanidade dá as boas vindas a todas as emoções. Explico um paradoxo que é significativo a dois níveis e que ilustra porque é que não devemos rejeitar as emoções. Em primeiro lugar, quando oprimimos as emoções dolorosas elas aumentam. Quando oprimimos a tristeza, a ansiedade, a ira ainda nos sentimos mais tristes, ansiosos e zangados. Quando dou as boas vindas a todo o tipo de emoções, elas vêm e vão. Quando as rejeitamos aumentamos a sua capacidade de controlar o nosso comportamento. Se rejeito a ansiedade arrisco-me a ser dominada por ela mas se, por outro lado, a aceito e assumo o mais provável é que ela tenda a desaparecer. As emoções não são boas nem más, simplesmente são. As emoções não têm valoração moral, o que pode ser moral ou imoral é o comportamento.

Em segundo lugar, o modo mais comum para bloquearmos as emoções é tornarmo-nos indiferentes às pessoas e aos acontecimentos. Quando bloqueio a melancolia, bloqueio a capacidade para me admirar, quando bloqueio a ansiedade bloqueio a capacidade para me entusiasmar, quando bloqueio a tristeza bloqueio a alegria. “Quem não sabe chorar com todo o coração também não sabe rir,” dizia Golda Meir. Por isso, não compensa bloquear as emoções negativas.

Há três modos através dos quais nos podemos conceder esta autorização e ajudar a que as emoções negativas venham e vão, mas não fiquem. Primeiro, chorar. Não é por acaso que nos sentimos melhor depois de “chorar como uma Madalena”. Segundo, falar da situação com algum amigo. É sempre melhor expressar uma emoção em vez de a suprimir. Terceiro, escrever sobre o assunto. Há muita investigação empírica sobre os benefícios de escrever um diário tanto para pessoas que investem vinte minutos por dia nesta atividade como para pessoas que lhe dedicam dois minutos por dia. Segundo a investigadora Laura King esta prática aumenta a saúde mental e física. Portanto, parece ser que o primeiro passo para a felicidade é aceitar a tristeza.

Segunda chave: aprender a lidar com o stress. Os psicólogos têm estudado cuidadosamente o stress nos últimos 20 anos. Os resultados ultimamente mostram que o stress não é o problema. Nalgumas condições o stress até pode ser benéfico. Utilizemos o exemplo de uma pessoa que faz musculação num ginásio. Os exercícios de musculação colocam os músculos em tensão. Se o exercício físico é feito com intervalos que permitem a recuperação, os músculos vão ficando cada vez mais fortes. Os problemas começam quando uma pessoa não faz pausas entres os treinos e acaba por se lesionar. Fica mais fraca em vez de ficar mais forte. O problema do stress não é o stress em si, mas a falta de recuperação. O ser humano lida e sempre lidou bastante bem com o stress. No passado havia mais tempo para recuperar entre eventos, agora não. No mundo contemporâneo, estamos sempre alerta e não temos tempo para recuperar. As pessoas que melhor lidam com os stress são as que dedicam tempo à recuperação a vários níveis. Existem um nível mais micro de recuperação segundo o qual idealmente uma pessoa deve fazer uma pausa ou mudar de atividade por quinze minutos em cada duas horas. A recuperação de nível médio que pode ser uma noite bem dormida com sete a oito horas de sono, mas também diz respeito à necessidade de termos um dia de folga durante a semana. Finalmente a necessidade de tirar férias mostra que também precisamos de macro períodos de recuperação. J.P. Morgan costumava dizer: “consigo fazer o trabalho de um ano em nove meses mas não em doze.” Caberá a cada pessoa descobrir o que para si funciona como recuperação. Tirar tempo livre pode parecer uma perda de tempo. No entanto, assim como numa corrida de fórmula 1 nenhum dos automobilistas deixa de fazer a pit stop para poupar tempo – porque isso implicaria ficar sem gasolina e aumentar a probabilidade de rebentar um pneu – uma pessoa também não pode abdicar dos seus tempos de recuperação porque ficaria sem energia para continuar em condições.

Terceiro chave: o agradecimento. O agradecimento aumenta os níveis de felicidade e de resiliência. Estudos feitos por Robert Emmons demonstram que escrever entre três a cinco coisas pelas quais estamos agradecidos aumenta a felicidade, melhora a saúde, ajuda a crescer em generosidade e otimismo. Podem ser realidades grandes ou pequenas: uma refeição, um amigo, um pôr-do-sol, Deus. O mais importante é enumerar todas essas coisas boas de forma focada, sem automatismos, considerando cada uma delas com atenção.
O pai da psicologia positiva, Martin Seligman, fazia frequentemente um exercício com os seus alunos que se revelava muito eficaz: a carta de agradecimento. Escrever uma carta em agradecimento a uma pessoa e ler essa carta em voz alta diante dela. Este exercício tem um impacto positivo significativo em quem recebe a carta, em quem a escreve e na relação entre ambos.
É muito importante aprender a apreciar as coisas boas da vida. A palavra apreciar tem dois significados. O primeiro aponta para o agradecimento. De facto, Cícero chamava à gratidão a mãe de todas as virtudes e não é por acaso que muitas religiões recomendam praticar atos de agradecimento. O segundo significado da palavra apreciar é fazer crescer, como quando dizemos que o capital aprecia. Os dois conceitos estão muito relacionados: quando apreciamos as coisas boas da vida, o bem cresce. Infelizmente, quando damos por descontadas as coisas boas, perde-se grande parte do seu valor. Há muito do potencial para a felicidade humana que se perde porque não investimos em apreciar as coisas boas à nossa volta.

Quarta chave: exercício físico regular. O exercício físico regular tem o mesmo impacto no nosso bem-estar psicológico que a medicação psiquiátrica forte, tanto a anti ansiedade como a antidepressiva. O exercício não tem apenas o mesmo impacto mas liberta os mesmos químicos – dopamina, serotonina – que os medicamentos. Um mínimo trinta minutos de exercício aeróbico três vezes por semana tem exatamente o mesmo efeito que um antidepressivo forte. O exercício físico regular também ajuda as crianças a melhorar a concentração e a melhorar a notas. Em princípio, nos momentos de maior stress deveríamos aumentar a frequência com que realizamos exercício físico, não diminuir, do mesmo modo como se aumenta a dose de um medicamento em momentos de maior risco.

Quinta chave: relações profundas. Last but not least! Qual é o indicador que mais aumenta potencial para a resiliência e para a felicidade? Inúmeros estudos empíricos demonstram que são as relações humanas. Podem ser relações românticas ou em contexto de trabalho, relações familiares ou de amizade. São sempre relações com pessoas com quem nos sentimos confortáveis e nos podemos dar a conhecer com confiança. Curiosamente as relações humanas também são indicador que mais aumenta o potencial da saúde física. Os países que constantemente reportam maiores níveis de felicidade são muito diferentes entre si: Colômbia, Costa Rica, Israel, Austrália, Dinamarca, etc. Mas tem tudo algo em comum: a importância das relações, sejam sociais, familiares, de amizade ou em relação com a comunidade. É de facto, importante investir em relações profundas e duradoras.

Professora de Comportamento Humano e Macroeconomia da AESE Business School
Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP

1 COMENTÁRIO

  1. Excecional artigo.
    Parabéns pela assertividade e a fluidez de raciocínio.
    Muito bom, adorei

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