Na primeira entrevista como presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACE- GE), António Pinto Leite usa um discurso disruptivo. Numa linguagem pouco habitual nos líderes empresariais, o advogado explica como os princípios cristãos trazem maior competitividade às empresas
Por Bruno Proença

Qual a diferença na abordagem à crise entre um empresário cristão e outros empresários ou gestores?

No último Censos, 90% dos portugueses revelam que são católicos. Assim, nove em cada dez gestores devem ser cristãos. Nesta perspectiva, os valores da doutrina social da Igreja são entendidos e desejados pela maioria dos que dirigem as empresas ou são donos dos negócios. A proposta da ACEGE passa por adoptar o amor ao próximo como critério de gestão empresarial. Pode parecer místico ou ingénuo, mas é um critério de grande solidez operacional e pragmático porque significa tratar os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles.

Concretamente, a que é corresponde em termos operacionais?  
Relativamente aos colaboradores, usar o despedimento apenas como último recurso e pagar o salário mínimo mais elevado possível, de forma a retirar da pobreza todos os que integram a comunidade empresarial. Ainda relativamente aos trabalhadores, fazer o diagnóstico social interno para conhecer as situações familiares dos colaboradores mais carenciados. É uma espécie de sonda confidencial que permite acompanhar essas situações. Há situações de pessoas que ganham acima do limiar da pobreza, mas que enfrentam situações de disrupção familiar graves.

Que outros exemplos concretos pode dar da aplicação do princípio do amor ao próximo na gestão?  
Relativamente aos fornecedores, o pagamento pontual é o mínimo ético empresarial de forma a evitar constrangimentos de liquidez nas outras empresas, nomeadamente nas mais pequenas. Quem entra numa gestão de tesouraria em que atrasa sistematicamente os pagamentos está a contribuir para uma cadeia de sinistralidade empresarial, que leva ao desemprego. Assim, a ACEGE recomenda energicamente que se pague a tempo e horas. Não vale a pena ter políticas de responsabilidade social muito cheias de marketing – como limpar jardins ou pintar paredes de IPSS – se depois não se paga a horas.

E os concorrentes?  
Os concorrentes também são contemplados no princípio do amor ao próximo. Devem merecer o respeito que nós esperamos que tenham por nós. Nesse aspecto, é uma recomendação viva da ACEGE que todos paguemos os impostos, que temos consciência que são desproporcionados, mas que são essenciais. Até porque, se não forem pagos, são um factor de deslealdade na relação entre as empresas.

Mas a diferença na gestão dos empresários cristãos está apenas na abordagem aos problemas ou pretende ser mais profunda e conceptual?
O que está em causa é dirigirmonos à consciência dos líderes empresariais. Não é marketing. O amor pode ser uma técnica de gestão estudada nas universidades. O critério de tratarmos os outros como gostamos de ser tratados é extremamente operacional. Olhando o mercado e as empresas, bem como a sua sustentabilidade e a da economia onde está inserida, à luz deste critério, todos podermos ser mais ricos. Aplicando este critério na gestão empresarial, Portugal seria um país mais rico. Critérios de gestão cristãos fazem as pessoas felizes e pessoas felizes fazem organizações competitivas. É este conjunto que faz uma sociedade. O conceito é inovador e é o óbvio. Se nove em cada dez gestores são católicos, no centro da sua ética tem de estar o amor ao próximo.

O seu discurso é diferente do que é habitual na Igreja, no qual há um aparente divórcio entre os valores cristãos e a produção de riqueza. A Igreja fala muito em distribuição, mas pouco em produção de riqueza.
O papa Bento XVI penaliza, e bem, a obsessão pelo lucro. Veja o chorrilho de asneiras e de riscos em que o mundo entrou devido a essa obsessão. Uma sociedade é mais rica se o for a longo prazo. O despique trimestral da economia de elite trouxe-nos a uma situação de empobrecimento que não fez sentido.

Não sente que está a pregar no deserto, tendo em conta as práticas das empresas portuguesas?  
Não tenho dúvidas de que, para passar esta mensagem, a comunidade empresarial tem de perceber o resultado pragmático. Cristo seria o melhor ‘coacher’ do empresário, mas não podia ser ele a tomar as decisões finais porque haveria muitas que não seriam efectivadas. Mas o ‘coaching’ deste pensamento é para os associados da ACEGE, que já são mais de 1.200, uma forma de descobrir métodos mais eficientes. É interessante verificar quem são os membros da ACEGE e a saúde das organizações que dirigem em termos de sustentabilidade e de solidez dentro da comunidade empresarial. Os valores cristãos podem ser extremamente lucrativos.

AS ACTIVIDADES DA ACEGE
Alargamento da base pelo País
“Criaram-se 16 núcleos regionais dentro da visão estratégica de que o fundamental do País está nas PME. E, por isso, é necessário ir rapidamente ter com as pessoas que estão no nervo central da economia. Duplicou-se também o número de associados para 1.200.”A iniciativa grupos Cristo na Empresa também beneficiou deste alargamento. “Estes grupos nasceram em Lisboa e espalharam-se pelo país. São grupos pequenos (oito a dez pessoas), onde vários líderes da economia portuguesa reúnem com gente mais nova”.

Criação do fundo bem comum  
“É um fundo de capital de risco para apoiar iniciativas empresariais de desempregados com mais de 40 anos. É apoiado pelo Estado, BES, Caixa, Grupo José de Mello, Montepio Geral e Santander. Está em curso e recebem-se dezenas de candidaturas.” Ainda no campo das parcerias, destaca-se o Projecto Igreja. “Com o apoio da McKinsey e da Deloitte, ajudamos a Igreja Católica a reestruturar-se. Já foi entregue o projecto de reestruturação da conferência episcopal e há duas dioceses – Braga e Aveiro – que solicitaram apoio para a sua reestruturação”.

Liderar com responsabilidade  
“A responsabilidade social não deve ficar apenas por discursos e conferências. Definimos um mega-projecto – liderar com responsabilidade -, para o qual somos demasiado pequenos para fazer sozinhos. Por isso, associaram-se a CIP, com o seu mapa de 200 mil empresas, o IAPMEI, com o apoio dos fundos comunitários, e a Apifarma. A preocupação é a competitividade das empresas através de boas práticas. Propomos um compromisso que esperamos que os líderes assinem com algum colaborador dentro da empresas e que coloquem no seu gabinete”.

 

“O fim do euro será igual a uma catástrofe”
António Pinto Leite sublinha a necessidade das empresas pagarem a tempo e horas.Quando se fala com muitos empresários, não se ouve este discurso da ACEGE. O que é que estão a fazer para passar a mensagem?
Há muitos anos que tinha percebido que a ética – não esta ética cristã, mas em geral – era o melhor investimento de longo prazo. Hoje tenho a consciência profunda de que há uma diferença entre o código civil e o Evangelho. E muitos empresários nem sequer respeitam o código civil, nomeadamente o princípio da boa fé, como acontece com o pagamento fora de horas. Esta é uma batalha de muitos anos da ACEGE. O estudo do professor Augusto Mateus mostra que se perderam 72 mil empregos nos últimos cinco anos por este factor, além de uma quebra de 2,8 mil milhões de euros em volume de negócios por ano.Como é que perspectiva os caminhos de saída para esta crise?
O que tem valido à Europa é que ainda não se chegou ao ponto em que se percebe que já perdeu o controlo da situação. Ainda há a noção de que com uma liderança enviesada de Alemanha e França e com algumas soluções, como a ajuda a Portugal, a situação vai sendo controlada. O caso da Itália deixa o nível de preocupação bastante mais acelerado porque poderá ser incontrolável. A implosão do euro e, consequentemente, do projecto europeu, seria para a nossa geração o correspondente a uma catástrofe natural. No plano dos valores cristãos, é necessário sublinhar como teriam sido úteis para os pequenos Estados, que de algum modo faltaram ao respeito dos compromissos internacionais. Portugal, se estivesse no lugar da Alemanha, não faria o que fez. Bem como hoje, a Alemanha terá um comportamento diferente se tentar colocar-se no papel de Portugal, Grécia ou Itália e perceber as necessidades destes povos.Mas que soluções existem?
Há soluções técnicas para resolver estes problemas, nomeadamente com outra actuação do Banco Central Europeu. Há uma teimosia luterana ou uma falta de criatividade latina que está a impedir a aplicação de uma política monetária expansionista. 

Artigo originalmente publicado no Diário Económico

Valores, Ética e Responsabilidade