Neste contexto, os empresários e os gestores das empresas não podem perder tempo a chorar sobre o leite derramado, mas devem interiorizar que nada mudou quanto às suas responsabilidades, porque continuam a ter de trabalhar para gerar valor para clientes, accionistas, colaboradores e a sociedade em geral
POR FILIPE SIMÕES DE ALMEIDA

Vivemos em situação de pânico desde Março de 2020. Ficou claro que os meios de comunicação têm um enorme poder de destruição, sendo os principais responsáveis pela maior catástrofe humana e financeira deste milénio.

Em Portugal, as estatísticas permitem perceber que há muitas mortes evitáveis e que estamos em depressão económica:

  • Segundo o portal da saúde, em Março de 2020 houve menos 185.057 consultas hospitalares, menos 18.253 cirurgias e menos 186.049 urgências do que em Março de 2019. A pandemia deveria exigir mais do SNS, mas a actividade diminuiu.
  • Segundo o Ministério da Saúde, de 16 de Março (dia da primeira morte por Covid-19) até 30 de Abril, houve 16.217 óbitos, sendo 1.007 por Covid-19. No mesmo período de 2019 houve 14.097 óbitos (1). Ou seja, em 2020 houve mais 2.120 mortes do que em 2019, mas a Covid-19 é responsável por menos de metade. Parece que o medo da Covid-19 está a matar mais do que a Covid-19 porque as pessoas deixaram de ir ao médico.
  • Segundo o IEFP, os desempregados aumentaram 8,9% entre Fevereiro e Março de 2020. Esta chaga social é profunda e pode demorar muito tempo a recuperar.
  • Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, estima que 55.000 pessoas passaram a precisar de ajuda para comer nas primeiras três semanas de Abril.
  • Segundo o INE, o indicador de confiança dos consumidores reduziu de -13,7 em Março para -41,6 em Abril, sendo a queda mais abrupta deste milénio (203%).
  • Diversas estimativas de autoridades nacionais e internacionais indicam uma quebra no PIB entre 5% e 20% em 2020.

Tudo por causa de um vírus relativamente inofensivo para a maior parte da população. (2)

A esmagadora maioria das pessoas foi na cantiga dos meios de comunicação. Os governos em geral também foram nessa cantiga, sendo poucos os que não sucumbiram à onda de pânico. Não podendo ignorar a pandemia, os governos deveriam ter considerado quem é contagiado e quem morre devido ao contágio, em vez de se precipitar tomando decisões drásticas com efeitos colaterais muito mais nocivos do que os provocados pela Covid-19.

Em Portugal o Conselho Nacional de Saúde Pública fez essa análise e alertou para as consequências no início de Março, mas foi ignorado. Em vez de procurar uma solução equilibrada, o governo decretou o encerramento quase total da actividade económica, deixando muitas pessoas para trás. É inumano. Mesmo tentando proteger a população, acabou por prejudicá-la provocando mais mortes, pobreza e fome.

Neste contexto, os empresários e os gestores das empresas não podem perder tempo a chorar sobre o leite derramado, mas devem interiorizar que nada mudou quanto às suas responsabilidades, porque continuam a ter de trabalhar para gerar valor para clientes, accionistas, colaboradores e a sociedade em geral.

Para isso têm de desenvolver continuamente as quatro virtudes cardeais: prudência, justiça, temperança e fortaleza. Têm de discernir racional e permanentemente entre o bem e o mal. Têm de compreender o mundo à sua volta, com as suas mutações constantes.

Têm de perceber as certezas:

  • O pânico não vai desaparecer até haver cura ou vacina disponível.
  • Os meios de comunicação vão continuar a alimentar o pânico.
  • O governo vai continuar a gerir a situação de pânico tomando decisões que em alguns casos têm racionalidade económica e noutros não.
  • Continuarão as restrições à actividade económica, com avanços e recuos.

Têm de agir com determinação dentro da normalidade possível:

  • Demonstrar confiança no futuro aos colaboradores, aos clientes e aos fornecedores. Para isso é indispensável reduzir o pânico, havendo razões objectivas para isso. (2)
  • Aproveitar as oportunidades que a nova situação gera. Apesar das restrições, continua a haver clientes, sendo preciso adaptar as ofertas e os meios de promoção, venda e entrega. Quem o fizer melhor e mais depressa será mais competitivo.
  • Decidir tendo em consideração que as pessoas são o activo mais importante da sua empresa, mesmo nos casos em que não é possível mantê-la em funcionamento.
  • Proteger colaboradores, clientes e fornecedores do risco de contágio.
  • Fazer planos de contingência, antecipando cenários em Portugal e no resto do mundo.
  • Ser solidários. Felizmente tem havido diversas iniciativas de solidariedade. Na hora da verdade, as empresas e os cidadãos ofereceram luvas, desinfectantes, máscaras, testes, ventiladores e outros bens, porque sabiam que o SNS não conseguiria responder adequadamente às necessidades da população.
  • Ter uma postura cívica activa, fazendo ver aos decisores políticos que voltar a fechar o país não é a melhor maneira de contribuir para o bem comum.

Em suma, os empresários e os gestores têm de continuar a cumprir a sua obrigação para com os outros. Como diz eloquentemente o Papa Francisco na exortação A alegria do Evangelho, “A vocação dum empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos”. Concisamente, têm de ser instrumento da vontade de Deus.

(1) A média de 2015 a 2019 foi ainda mais baixa: 13.952 óbitos.

(2) Há boas razões para reduzir o pânico:

  • Segundo Maria Manuel Mota, cientista e directora do Instituto de Medicina Molecular, galardoada com o Prémio Pessoa em 2013, o Covid-19 é “relativamente bonzinho”.
  • Segundo a DGS, a idade média das mortes por Covid-19 é de 81,4 anos. Isto significa que a esperança média de vida não diminui por causa do Covid-19 (segundo a Pordata é de 80,8 anos) e são afectados os mais velhos, que não têm actividade profissional. São esses, os mais velhos e os doentes crónicos, que se devem proteger com especial cuidado.