É o que diz o presidente da ENDESA que, com a visão empresarial que tão bem o caracteriza, acrescenta ainda que sem estímulos económicos, políticas fiscais, de penalidades e estímulos, não é possível orientar o mercado para a promoção de uma economia verde. Ribeiro da Silva reconhece igualmente que, por causa da crise, as empresas estão mais preocupadas em salvarem o mês do que propriamente em meterem-se em novas “cavalarias”
POR HELENA OLIVEIRA
© GRACE, 2012

Como classificaria ou descreveria a actual política ambiental em Portugal?
Obviamente que a política ambiental está condicionada por todo um ambiente mais geral que o país vive e, portanto, tem sido perceptível a ênfase, em primeiro lugar, numa restruturação dos serviços da máquina do ambiente e que não é negligenciável. Porque, obviamente, toda a restruturação que está a existir dos serviços tem, como consequência, que haja menos tempo para os decisores políticos tratarem dos aspectos, digamos substantivos, da política. Por outro lado, resulta também do facto de a legislação e os procedimentos em vigor terem dificuldade em ser implementados porque, de facto, a engrenagem não está oleada. Depois, no que respeita a aspectos mais substantivos, há um condicionamento muito grande, ou seja, julgo que o ministério tem tido alguma falta de espaço e talvez algum temor em ser pró-activo em medidas. Por um lado, porque tem uma máquina que não está estabilizada e, por outro, porque no plano político está tão pressionado com as questões orçamentais, que estas podem ser interpretadas como pressão sobre os custos para as empresas ou para as pessoas. Portanto o balanço que faria, em geral, é o de um certo impasse. No plano prático está-se a dar seguimento apenas ao que é o imperativo da transposição de directivas e procedimentos que são marcados pela batuta de Bruxelas. Mas, francamente não tenho visto uma apresentação de uma estratégia.

Qual foi a grande vitória da política ambiental portuguesa?
Talvez pelo facto de estar mais próximo do meu dia-a-dia, o ponto relevante que destaco são as várias medidas que foram tomadas no que respeita à questão da promoção do uso dos recursos endógenos de valor energético, as chamadas energias renováveis. Ter-se colocado uma ênfase no aproveitamento de recursos de valia energética do país é, obviamente, a meu ver, uma boa medida. Não só sob o ponto de vista de valorizar recursos que o país tem nessa matéria, como sob o ponto de vista económico, e mesmo de segurança, de abastecimento do país sob o ponto de vista energético e que é o nosso calcanhar de Aquiles. Há aspectos a afinar mas, de qualquer maneira, talvez seja o aspecto mais marcante, digamos em termos de pacote e de iniciativa, e mesmo seguindo a linha do que é a União Europeia e do movimento geral que houve na Europa sobre esta matéria, o governo português foi particularmente pró-activo, não se limitando apenas a transpor directivas e a pôr vírgulas e pontos finais.

E a grande derrota?
Quanto à derrota, é difícil nomeá-la, não só porque a política ambiental tem as costas largas, mas também devido à transversalidade que os temas ambientais têm. Eu diria que, lato sensu, o que considero como um enorme buraco foi a questão da organização de todo o tema das águas, nomeadamente da sua parte empresarial. Aliás, este governo também perdeu o timing de, logo no início, definir um modelo para as águas de Portugal e para o sector das águas, definindo claramente qual o papel que os privados viriam a ter. Julgo que realmente foi uma política e uma medida orientada de uma forma muito ideológica e sem nenhuma percepção realista do problema que se ia criar. Também no que respeita à independência energética, que não vamos ter, podia ter sido feito mais, quer com a produção hídrica, quer com a produção eólica com algum solar, sobretudo o solar térmico. Noutros domínios, nos quais também se poderia ter feito melhor em termos de aproveitamento de energias renováveis foi, por exemplo na parte da biomassa, da geotermia, domínio que nunca foi devidamente enfatizado. Houve aí um erro, a meu ver, no foco e na ênfase que se deu a todo o programa das renováveis. Há mais mundo para além da electricidade. Talvez porque produzir electricidade é mais chique do que produzir calor: a caloria é uma forma mais degradada de energia.

“Há mais mundo para além da electricidade. Talvez porque produzir electricidade é mais chique do que produzir calor: a caloria é uma forma mais degradada de energia”

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Face à conjuntura económica actual, que desafios mais prementes tem o país de resolver para ir ao encontro de um desenvolvimento suficientemente sustentável?
Em nenhum sítio do mundo se pode dizer que o trabalho está todo feito. Poder-se-á estar em situações mais favoráveis, mais críticas, mas é uma obra nunca acabada. Por outro lado, podemos dizer que num benchmark a nível mundial, Portugal está numa situação que até não é má, se olharmos para uma série de indicadores. Há obviamente o contexto actual, que é péssimo para aprofundar e até manter o ritmo de algumas coisas que se têm conseguido, no domínio da água, resíduos, protecção da zona costeira, da descarbonização lato sensu da economia, seja pela produção energética, seja pelo consumo. Mas, como referi, este mau ambiente económico é terrível, desde logo pressupondo que cabe essencialmente às empresas privadas e ao tecido económico ser o actor dos milhares de intervenções que tudo isto necessita. Obviamente que [o actual contexto] retira dinâmica à iniciativa empresarial e à tomada de medidas e de actividade que vão no sentido da promoção da sustentabilidade e esse é o principal obstáculo neste momento. E assistimos a um abrandamento em investimentos porque, mesmo que sejam financiados pela UE, falta depois a parte do co-financiamento do Estado para os realizar. As empresas estão mais preocupadas em salvarem o mês do que propriamente meterem-se em novas “cavalarias”. Os bancos não financiam projectos e isso trava claramente também a actividade. E esse é o problema base. No que respeita aos Planos Directores Municipais (PDM), é uma questão base que acarreta distorções e custos em todos os domínios. A maior parte dos PDM são antigos, há novos conceitos de organização do território, como dotar as cidades de mais inteligência, por exemplo. Este é, sem dúvida, um dos temas críticos a rever e a ajustar.

A transição para uma economia verde é já considerada como uma prioridade global. Mas, efectivamente, que passos foram já dados para que esta seja alcançável e não somente desejável?
Considero que têm sido dados passos concretos. Muitas vezes as pessoas têm leituras extremadas sobre estes temas. Existem coisas que foram feitas, outras há que faltam fazer e outras ainda que se continuam a fazer e que são ao avesso da mais elementar racionalidade. Há situações que são inconcebíveis e há muito a corrigir e a ajustar em função de novos standards de exigência sobre os mais variados temas, desde o transporte de produtos até às questões mais gerais que temos vindo a falar. A máquina precisa de ser afinada, racionalizada e, nesse plano, julgo que no contexto em que vivemos, a necessidade aguça o engenho. Talvez não seja o momento de as câmaras ou os órgãos da administração central se deslumbrarem e fazerem mais uma grande obra, mas sim o de olharem para os sistemas, para os procedimentos e racionalizarem as infra-estruturas.

E que áreas se apresentam mais promissoras para as empresas portuguesas poderem dar o seu contributo para a denominada “economia verde”?
Em primeiro lugar, penso que para conseguirmos resultados para uma economia mais verde, têm que ser dados estímulos económicos para haver motivação e interesse por essa área empresarial, ou seja, não acredito que consigamos resultados pelo mero ato do diploma e do ato administrativo. Desde logo contamos com um quadro regulamentário que é caótico, depois com uma fiscalização que é ineficiente e com algo que nos está na massa do sangue, como a nossa indisciplina enquanto cidadãos. Acredito muito pouco na eficiência do determinismo legislativo. Portanto considero que, em termos políticos, devia ser de esperar que houvesse uma reengenharia que levasse, pelas medidas de mercado, as empresas e os agentes económicos a interessarem-se pelos temas da economia verde. O que implica ter políticas fiscais, de penalidades e de estímulos, que encaminhem as pessoas para o caminho desejável e menos pela ênfase do martelo legislativo. Essa deverá ser, a meu ver, a grande orientação política e conceptual, que é pôr mais o mercado a orientar as opções no sentido de promover a economia verde. O que implica revisitar toda a fiscalidade que existe e que se dirige a estes assuntos, da energia, da água, dos resíduos, do ordenamento do território, da qualidade da construção, da mobilidade, etc.

Sabemos que para garantir a sustentabilidade do planeta, as indústrias e os consumidores têm de mudar os seus padrões de produção e consumo. O que funciona melhor: regulamentação, mercado ou educação/sensibilização?
As três questões são necessárias, mas em primeiro lugar mercado, em segundo lugar mercado e em terceiro lugar mercado. Depois, regulamentação alguma, até porque, em última análise, o mercado também não é matéria etérea, ou seja, o mercado também se formata com base em decisões políticas e enquadramento legal. E este também não existe fora de um determinado enquadramento legal, que tem de ser pensado na perspectiva de dar os sinais que são compatíveis com o racional do funcionamento dos mercados e do sentido que nós desejamos das políticas. Portanto, enquadramento legal sim, é necessário e incontornável, mas no sentido de fazer funcionar o mercado. E depois informar as pessoas. E, sem prescindir da importância de as educar, devo dizer que, francamente, não tenho muitas ilusões sobre isso.

Como convencer as empresas que existe um verdadeiro “business case” nesta também denominada “nova revolução industrial”?
É criar, como dizem os espanhóis, o entorno, a envolvente de regras e de enquadramento, que motive a actividade empresarial a orientar-se para esse domínio. Se tivermos decisões que tornam o enquadramento daquele sector atractivo, há um afluxo de empresas a aderir, a fazer painéis, projectos, ou seja, tudo o que se gera em torno de um sector ao qual foram dados sinais que era para mexer e que chamou a atenção das pessoas. Se têm sinais ao contrário, têm uma fuga desse sector e as pessoas vão tentar a vida num outro qualquer. E isso é assim! Estimular ou querer que haja iniciativa empresarial na dita família da economia verde é criar condições de entorno para o sector, que sensibilizem e que motivem o interesse da actividade empresarial. E isso é feito, como já mencionado, com uma legislação friendly de enquadramento, com sinais em termos de fiscalidade, de apoios e penalidades. As pessoas ou vêem negócio num determinado domínio ou então não vão para lá.

Estão os investidores e altos quadros das empresas nacionais devidamente despertos e capacitados para a necessidade de incluir a sustentabilidade nas suas tomadas de decisão estratégicas ou o “ambiente” continua a ser encarado como uma questão secundária?
Não, não olham como uma questão secundária. Eu diria que nas empresas não existem propriamente os santos e os demónios. Essencialmente, o tecido empresarial e os decisores empresariais optam pelas boas oportunidades de negócio, portanto respondem aos estímulos que lhes são dados pelo enquadramento legislativo e pelos estímulos dos mercados. Para haver interesse e mobilização dos decisores empresariais, tem de haver condições justas e interessantes a apontar, no sentido de que vale a pena, sob o ponto de vista empresarial e de negócios, ter boas práticas. É óbvio que há coisas que já são intrínsecas ao racional da boa gestão empresarial. Se consigo fazer este copo gastando mil calorias, em vez de gastar três mil, ganha você e ganha o país. É obrigatório que se crie o tal ambiente friendly para atrair a atenção, capitais, esforço e energia intelectual para desenvolver esses negócios.

“Estimular ou querer que haja iniciativa empresarial na dita família da economia verde é criar condições de entorno para o sector, que sensibilizem e que motivem o interesse da actividade empresarial”

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É possível elencar os princípios desafios ambientais, a nível global, a médio prazo (2020) e antecipar quais os principais riscos e oportunidades para as empresas?
Claramente que esse desígnio dos “20-20-20” está em causa, até pelo ambiente económico que se vive ao nível da Europa, mas com pesos diferentes. Um dos 20 – diminuir em 20% as emissões – quiçá até pode ser atingido, mas não pelas melhores razões. Simplesmente porque não existe um mecanismo de mercado estruturado de modo a que este se torne um motor das empresas para actuarem no sentido da redução das emissões. Portanto, podemos lá chegar, podemos emagrecer de gordos para magrinhos porque temos uma doença e vamos ficar tísicos, mas não é propriamente pelas boas razões.

No que respeita aos 20% em termos de eficiência energética, é reconhecido que estamos muito longe. Se não temos o estímulo pelo preço, o tal enquadramento que cria oportunidade para o mercado, não vamos ter resultados. No sector eléctrico temos esse problema, porque decidimos entre as várias tecnologias de produzir electricidade. E um dos custos que temos que considerar, para fazer este tipo de balanços, é precisamente o custo de CO2. Portanto em termos de eficiência estamos longe. Agora foram aprovadas novas medidas para tentar fazer um forcing, que são mais pragmáticas, têm estímulos, abrem uso de linhas de financiamento comunitário, apesar de terem também aquelas determinísticas, as quais duvido que funcionem.

Restam os 20% das renováveis. Entretanto, como não foram tomadas medidas pela UE, o que vai acontecer é que alguns países vão ficar claramente com mais de 20% de renováveis, como nós, e outros vão ficar aquém, porque não se trabalhou mais intensamente em reforçar interligações de redes de electricidade. Podia ter-se encontrado mecanismos de mercado e mecanismos de compensação. No fundo, aqui estão sempre em causa as questões de mercado, seja no CO2, seja no estimular eficiência energética, seja no alterar do mix de produção de tecnologias poluentes para tecnologias mais friendly.

Quem é Nuno Ribeiro da Silva?
É licenciado em Engenharia e Economia e Mestre em Economia Política e Planeamento Energético pela Universidade Técnica de Lisboa, sendo Professor Catedrático Convidado pela Universidade Técnica de Lisboa. É Presidente da ENDESA GENERACIÓN PORTUGAL, S.A. e Presidente do Conselho Estratégico para o Ambiente da AIP (Associação Industrial Portuguesa) e vice-Presidente da Direção da AIP. É Membro do Conselho Estratégico para a Ciência, Tecnologia e Inovação. Foi Assessor do Secretário de Estado do Ambiente (1985-1986), Secretário de Estado da Energia (1986-1991), Secretário de Estado da Juventude / Presidência do Conselho de Ministros (1991-1993) e Deputado à Assembleia da República (1992-1996).

Editora Executiva