Quem nunca trabalhou com líderes ou chefes egocêntricos, manipuladores, emocionalmente frios, entre outras características “malévolas”, não sabe a sorte que tem. Apesar de este tipo de personalidades ter sido amplamente estudado nos últimos 20 anos, o tema é cada vez mais actual, principalmente numa altura em que bons líderes são mais do que necessários para responder ao ambiente laboral da actualidade e a todas as suas disrupções. Reconhecer traços comportamentais como o narcisismo, a psicopatia e o maquiavelismo – os quais correspondem à “tríade das trevas” – é significativamente importante para qualquer que seja a organização, na medida em que os mesmos podem pôr em risco a sua liderança eficaz e levá-la, em casos extremos, à sua própria extinção
POR HELENA OLIVEIRA

 “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”
[John Dalberg-Acton, historiador britânico]  

Quando se escreve sobre liderança ou se debate sobre “o que faz um bom líder”, geralmente o foco assenta nas características e comportamentos ideais para que a mesma seja eficaz, com propósito e “amiga” dos trabalhadores. Hoje em dia, e com as mudanças a que têm estado sujeitas as empresas, o papel do líder parece ser cada vez mais complexo, bem como a relação com os empregados, na medida em que o poder destes últimos parece ter aumentado causando, em muitos casos, uma enorme fricção entre ambas as partes. 

As teorias de liderança centram-se geralmente em características individuais como o carisma, a influência e a ética de trabalho mas, e de acordo com os especialistas que a estudam, os principais motores do desempenho da liderança são as decisões do líder. Uma vez que os líderes são responsáveis pelo bem-estar das suas organizações, as decisões que tomam – boas ou más – trazem consequências. Ou e em suma, resultados organizacionais positivos são a consequência de boas decisões de liderança; resultados organizacionais negativos são o produto de más decisões.

Numa altura em que o mundo laboral enfrenta um conjunto de disrupções que marcarão uma nova era, não nos podemos esquecer que o denominado “lado negro da liderança” continua a existir e que líderes ou candidatos a cargos de maior responsabilidade podem ser destrutivos e minarem não só os relacionamentos com os seus subordinados, como arruinarem a própria cultura organizacional e, nos casos mais graves, levarem a organização a um precipício que poderá dar origem à sua queda final.  

O psicólogo organizacional Robert Hogan, que desenvolveu a teoria sócio-analítica e estabeleceu a ligação entre personalidade e eficácia organizacional em várias áreas aponta, em conjunto com outros analistas, alguns traços negativos de personalidade como preditores do descarrilamento da liderança. De acordo com a sua experiência, existem vários traços de personalidade que estão relacionados com o fracasso do líder, mas os três que mais consistentes são na generalidade dos estudos são o narcisismo, a psicopatia e o maquiavelismo, baptizados como a “Tríade das Trevas” ou a “Tríade Negra”. 

Ou seja, os principais traços de personalidade que estão associados à liderança destrutiva têm como base os comportamentos exibidos por líderes narcisistas, psicopatas, propensos ao que é considerado como maquiavélico, e onde a arrogância é companhia constante. Estes traços tendem a impedir o desenvolvimento e melhoria dos líderes e podem também prejudicar a reputação da organização e/ou resultar em perdas financeiras para a mesma, existindo já organizações que utilizam testes de selecção que permitem identificar estes traços em específico e “eliminar” os indivíduos que os exibem estas características, assegurando que não estão preparados para posições de liderança.

Numa altura em que bons líderes são mais necessários do que nunca, saber interpretar estas características e aprender a lidar com deles, nem que seja apenas como um mecanismo de defesa, é fulcral. 

A tríade do mal

Apesar de as suas origens serem diferentes, as personalidades que integram esta denominada “Tríade das Trevas” partilham um conjunto de características comuns. Em graus variáveis, estas três personalidades implicam um carácter socialmente malévolo com tendências comportamentais para a autopromoção, a frieza emocional, a duplicidade e agressividade, traços que são exactamente o oposto do que se deseja num líder na actualidade (na verdade, ao longo da História, e em vários domínios, estes tipos de personalidade foram admirados e procurados nos líderes, muitos deles bem-sucedidos nas suas conquistas). 

Em particular ao longo das duas últimas décadas, estes traços “negros” têm suscitado um interesse significativo por parte da comunidade académica e dos círculos empresariais porque podem ser utilizados para prever diversos resultados “malévolos” associados à vida pessoal e organizacional (de que é exemplo o recente paper publicado já em 2023, por Cameron Borgholthaus et al. intitulado “CEO dark personality”. Em particular, a investigação sobre a personalidade negra dos CEOs tem proliferado nos últimos anos, uma vez que tanto académicos como profissionais têm vindo a analisar de que formas os líderes que possuem traços “negros” podem originar efeitos particularmente nocivos nas organizações. 

Adicionalmente, os valores, experiências e personalidades dos executivos desempenham um papel importante nos processos de decisão organizacional e na forma como afectam as suas escolhas estratégicas. E essa é uma das razões principais subjacente à investigação crescente dedicada a examinar o papel que a personalidade do CEO desempenha na tomada de decisões firmes e no desempenho organizacional, a qual tem gerado um interesse considerável entre os investigadores de liderança estratégica. O interesse académico na personalidade do CEO provavelmente aumentou também porque os CEOs servem frequentemente como a face pública de uma empresa e são aqueles que têm maior influência nos resultados da mesma. Os CEOs não só são responsáveis pelas decisões estratégicas de alto nível que têm impacto no crescimento e desempenho de uma organização, como também são obrigados a definir o “tom” da cultura de uma organização, comunicar com as diferentes partes interessadas e avaliar tanto o ambiente geral como o trabalho de outros membros da equipa executiva.

Inicialmente conceptualizada como a Tríade das Trevas da Personalidade (i.e, maquiavélico, narcisismo e psicopatia), estudos realizados nos últimos 20 anos identificaram diversos traços obscuros, tais como o sadismo (a felicidade que tem origem nos infortúnios dos outros), rancor (vontade de causar danos na tentativa de prejudicar outros), ganância (uma tendência insaciável de “aquisição”pessoal sem se preocupar com o bem comum) e orientação para o domínio social (desejo de superioridade e privilégios sobre outros membros da sociedade). 

Assim, o narcisismo, o maquiavelismo e a psicopatia emergem como os principais traços de personalidade que podem pôr em risco a liderança eficaz de uma organização. 

Os indivíduos narcisistas tendem a ser arrogantes, egocêntricos e hostis. Exibem um elevado grau de amor-próprio, acreditando que são especiais e que têm direito a elogios e admiração. Tendem igualmente a ver os outros como inferiores a si próprios, sendo muitas vezes insensíveis e perniciosos e constituem o tipo mais comum de personalidade “negra”. Embora o comportamento narcisista possa ser irritante e perturbador, é normalmente mais tolerável face aos restantes dois traços “negros” que compõem esta tríade. Apesar de serem muito conservadoras (quem não conhece pessoas narcisistas?), as estimativas apontam para que pouco mais de 6% da população mundial exiba traços narcísicos.  

Os psicopatas funcionais (e não-criminosos) são particularmente inquietantes, com os psicólogos a estimar que as características que os definem afectem cerca de 4% por cento da população em geral. Os psicopatas não têm qualquer hesitação em explorar os outros em seu próprio benefício. Obstinadamente anti-sociais e funcionais, têm geralmente pouca empatia para com os outros, estando sempre mais preocupados em obter o que “é seu” através de qualquer meio. Os psicopatas são rápidos a desviar as culpas para cima dos ombros de outrem, sem sentirem qualquer remorso por isso. Com as suas tendências impulsivas, são propensos a dizer mentiras sem qualquer razão em particular. No local de trabalho, e nos primeiros tempos, um psicopata pode parecer encantador. Mas não levará muito tempo até que os que lidam com ele  começarem a questionar as suas motivações ou a tornarem-se vítimas do seu comportamento destrutivo. Embora possam ser mais difíceis de identificar do que os narcisistas com a sua gabarolice incessante, o comportamento “em flagrante” dos psicopatas tende a desmascará-los no final. 

Por último, a personalidade maquiavélica é a mais predominantes desta “tríade das trevas”, estimando-se que cerca de 16 % da população exiba as suas características. Como é fácil perceber, o termo tem origem no nome do famoso estadista, filósofo e historiador italiano renascentista Nicolo Macchiavelli, que acreditava que os fins podiam justificar meios imorais. Menos irritantes do que os narcisistas, menos abrasivos do que os psicopatas funcionais, os maquiavélicos são mais subtis na prossecução das suas agendas. Avançam independentemente de quaisquer considerações éticas e, tal como os leões, podem parecer benevolentes, observando as suas presas de longe, até que as atacam. Ou seja, são pacientes e peritos em jogar o “jogo longo”, sendo igualmente os campeões da manipulação. E é a sua furtividade, paciência e manipulação subtil que contribuem para esta personalidade negra particularmente perigosa. Comparado com as mentiras desnecessárias de um psicopata, é mais provável que se ouça o maquiavélico do grupo a contar pequenas mentiras triviais, mas que são estrategicamente concebidas para promover a sua agenda futura. 

Para um conjunto de psicólogos que estudam este tipo de personalidades – e apesar de não existirem consensos generalizados entre os seus pares – os narcisistas são irritantemente egocêntricos, mas geralmente inócuos. Os psicopatas são menos óbvios no seu mau comportamento, mas as suas transgressões podem ser bastante graves. Os maquiavélicos são menos inofensivos do que os narcisistas, e as suas acções nefastas são provavelmente menos severas do que as dos psicopatas. No entanto, a longo prazo, um maquiavélico é capaz de uma traição inesperada para beneficiar a sua agenda pessoal.

Em suma, as pessoas que apresentam estes tipos de personalidade têm uma enorme dificuldade ou mesmo incapacidade de compreender os sentimentos dos outros, bem como de ver o mundo através de qualquer perspectiva que não a sua própria. Não têm aquilo que denominamos como “consciência” e não experimentam sentimentos de culpa quando se comportam de forma imoral. Consideram-se sempre superiores aos demais, sentindo prazer em manipular ou controlar as pessoas. Ao mesmo tempo, precisam de se sentir respeitados e admirados e gostam de ser o centro das atenções. 

Vários estudos demonstram também que pessoas com traços narcisistas e psicopatas têm um forte desejo de domínio e são desproporcionalmente comuns em posições de liderança. E a verdade é que existem muitas provas – e exemplos – de que as pessoas com personalidades pertencentes à tríade negra são atraídas para o mundo empresarial e político.

Por outro lado, e na medida em que pessoas “dominantes” parecem ser competentes (mesmo que não o sejam), não só desejam alcançar posições de liderança, como também têm uma maior probabilidade de surgir como líderes ou de serem promovidos a tal. Ou seja, existe igualmente um amplo suporte empírico no que respeita à relação positiva entre traços de personalidade “sombrios” e a emergência dos líderes. Através de uma boa autopromoção, assumindo riscos, navegando na política ou emergindo em tempos de crise, estas personalidades têm uma enorme probabilidade de se destacarem acima de outros potenciais candidatos e, portanto, posicionam-se mais fácil e eficazmente para futuras oportunidades de liderança.

Assim sendo e porque estas personalidades, mesmo as que são bem-sucedidas em dado momento, são extremamente tóxicas e podem envenenar toda uma equipa ou toda uma a organização, há que estar atento e não se deixar apanhar nas suas malhas manipuladoras e potencialmente perigosas.

Editora Executiva