O crescimento galopante do desemprego, dos impostos indirectos (como o IVA) e do consumo do Estado. Uma concorrência empresarial “distorcida e uma maior incerteza na estabilização da economia”. São estas as maiores causas e consequências do aumento da economia paralela em Portugal, uma das faces visíveis da actual crise. Equivalendo a cerca de 25% do PIB em 2010, estes valores que fogem ao fisco estão acima da média da OCDE. Mas a nível mundial, 1,8 mil milhões de pessoas (sobre)vivem de actividades não registadas, gerando dez biliões de dólares, o que faria da economia paralela, se considerada fosse, a segunda maior, logo a seguir à dos EUA
POR GABRIELA COSTA

Quase 43 mil milhões de Euros. É este o montante que a economia paralela poderá render, por ano, em Portugal. De acordo com os resultados do Índice da Economia Não Registada, estudo coordenado por Nuno Gonçalves, associado do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) da Faculdade de Economia do Porto, e que foi divulgado a 16 de Janeiro, em conferência de Imprensa, significa isto que, por cada cem Euros transaccionados de forma legal, foram transaccionados cerca de 25 Euros na economia paralela, já que estes 42,7 mil milhões equivalem a 24,8 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2010.

Este valor, que não passa pelo fisco e que deriva quer da produção ilegal, em actividades não autorizadas, quer da produção subterrânea (fuga ao impostos) ou da produção informal (os chamados biscates), mas também das actividades de produção para auto-consumo e das que não são incluídas nas estatísticas nacionais, representa um crescimento de mil milhões de Euros em relação a 2009, quando a economia paralela representava 24,2 por cento do PIB.

Cada vez mais por debaixo da mesa
O estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto conclui, pois, que a dimensão da economia paralela portuguesa é hoje superior à da média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), que não chega aos vinte por cento (ver Caixa).

Face à primeira edição deste Índice, apresentada em 2009, a economia não registada cresceu 2,5 por cento, tendo hoje um peso de quase um quarto do PIB nacional, como referido. Em relação aos 172,7 mil milhões de euros do PIB em 2010, a economia paralela representou 42,7 mil milhões de euros.

Em 2011, a economia paralela deve mesmo atingir os 25 por cento do PIB, antevêem os investigadores do estudo, considerando que “os factores que a fizeram crescer em 2010 se agravaram no ano passado”. Como sublinhou, em declarações à imprensa, Óscar Afonso, vice-presidente do OBEGEF, “só agora é que vamos começar a trabalhar os dados de 2011, mas é de esperar que cresça um bocadinho mais, especialmente tendo em conta que entre 2010/2011 não se alterou nada ao nível de uma maior fiscalização ou de um melhor funcionamento da justiça portuguesa”.

O estudo inicial, que abrange o período entre 1970 e 2009, concluíra que, em termos agregados, se verificou um crescimento do peso da economia paralela no PIB na ordem dos 9,6 por cento, ao longo dessas quatro décadas (atingindo-se então um montante transaccionado que equivalia a 24,2 por cento do mesmo).

Ao longo destas décadas, o comportamento da economia não registada foi variável, com uma ligeira descida a registar-se entre o final da década de setenta e o início da de oitenta, seguida de uma tendência de subida até meados dos anos noventa. Nesta década deu-se uma estabilização do valor alcançado pela economia paralela – correspondente a cerca de vinte por cento do PIB e só a partir de 2007, a curva retomou um sentido ascendente que evoluiu de 2008 (com 22,5%) para 2009 (24,2%).

Esta evolução evidencia um crescimento brusco do conjunto de transacções económicas que não são tidas em conta no apuramento do PIB, particularmente visível depois de Portugal ter começado a sofrer as consequências da crie económica mundial: a equipa de investigação já então liderada por Nuno Gonçalves concluiu que o desenvolvimento da economia paralela no nosso País estava estabilizado desde 1994, mas disparou com a crise, registando o seu maior pico de crescimento entre 2008 para 2009 – quase dois por cento -, quando atingiu 24,2% do PIB nacional.

Este Índice avalia ainda, pela primeira vez, a evolução da economia paralela em termos sectoriais, revelando que esta reforçou o seu peso na agricultura e serviços, mas baixou na indústria. Para o especialista, na agricultura este agravamento “não é muito relevante e pode ter a ver com auto-consumo” e por outro lado, “o país está mais desindustrializado”, o que fez cair a actividade nesta área económica. Preocupante é, para Óscar Afonso, a economia subterrânea, que diz respeito à fuga aos impostos e “que tem valores muito mais significativos do que a produção informal, Nuno Gonçalves corrobora: “é um mito que é o tal biscate que constitui o grosso da economia paralela, mas em proporção ao PIB, é mais a fuga aos impostos, disse, na mesma entrevista.

Causas…
Mas o que tem estimulado, em concreto, o crescimento da economia paralela? Diversos motivos mas, desde logo, “o aumento dos impostos indirectos (como o IVA), o aumento do peso do Estado na economia e o aumento da taxa de desemprego”, como declarou em entrevista ao Jornal Público, Óscar Afonso. Em particular, os impostos são “um dos factores que mais contribuem para o fenómeno”, adianta Nuno Gonçalves.

Mas ao crescimento destes três factores, somam-se ainda, ao nível do mercado de trabalho, uma ligação entre a subida da taxa de desemprego e a economia não registada directamente devido a duas realidades inegáveis: os trabalhos não declarados que os cidadãos desempregados acumulam com o subsídio de desemprego; e os rendimentos extra não declarados que muitas pessoas que trabalham na economia oficial admitem ter.

A falta de solidez nos métodos existentes para estimar a economia não registada, assim como a falta de qualidade nos dados disponíveis, tornam difícil a investigação nesta área .
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O agudizar da crise não é, de todo, alheio à apetência dos portugueses, principalmente, pela economia subterrânea. Nesta matéria, um dos perigos eminentes, na actual conjuntura, é a subida do IVA para 23 por cento na restauração negocio que se está a tornar cada vez mais rentável sem factura.

Já no estudo inicial levado a cabo pelo OBEGEF se concluíra, precisamente, que o comportamento da economia paralela está relacionado com a carga fiscal e parafiscal (contribuições para a Segurança Social), o desemprego e o nível de apoios (subsídios e incentivos) às famílias e empresas.

Além da relação entre os impostos e o peso da economia paralela no PIB, o Índice de 2009 demonstrou que um elevado número de apoios às empresas e famílias pode contribuir para reforçar esta economia “à margem”. O excesso de regulamentação que frequentemente acompanha a concessão destes benefícios pode estar na origem do problema, alertam os investigadores.

…E consequências
Os novos aumentos de impostos podem levar a economia paralela a aumentar o seu peso no PIB nacional, defendem os autores do Índice da Economia Não Registada. Na análise relativa ao ano passado, a equipa de investigação conclui que este problema “se poderá agravar, se não forem tomadas outras medidas, como o reforço contra a fraude fiscal”.

Os impactos da economia paralela para o desenvolvimento económico do país são vários, a começar pela distorção da concorrência entre as empresas, defendem os dois especialistas: afinal “umas pagam impostos e outras não pagam”.

Para além disso, estas actividades não registadas fazem com que os agregados macroeconómicos estejam “todos mal medidos, ou subavaliados. Se não estão bem medidos e tomamos decisões com base neles, podemos estar a tomar decisões erradas”, sugere Óscar Afonso. Mais grave, continua, a economia paralela implica uma diminuição da receita fiscal e “menos receita fiscal significa menos receita para outras coisas ou sobrecarga para aqueles que já cumprem as suas obrigações”.

Finalmente, e como sumariza Nuno Gonçalves, há outros impactos a considerar, já que, se as actividades paralelas, não estão englobadas no PIB nacional, “o PIB medido é menor do que é na realidade. Acontece que estamos a ser pressionados pelas agências de rating que nos dizem que o rácio de dívida sobre o PIB é muito elevado, que não vamos conseguir pagar a dívida nem ter crescimento económico. Ora, se o PIB fosse maior, o rácio da dívida era menor. Não tínhamos 83% de dívida” conclui.

Efeitos na economia oficial por avaliar
A economia paralela é um fenómeno “que tem assumido uma crescente importância para o meio académico e para as entidades responsáveis pela política económica”, defendem os autores, na conclusão do estudo. Ainda assim, trata-se de uma matéria em que “não existe consenso na definição, nos procedimentos de estimação e na aceitação dos seus efeitos na economia oficial (e vice-versa): a falta de solidez na teoria, na evidência empírica e nos métodos existentes para estimar a economia não registada, assim como a falta de qualidade nos dados disponíveis, tornam difícil a investigação nesta área da economia”.

Com o objectivo de dar um contributo para um melhor conhecimento da economia paralela e dos seus efeitos na economia oficial em Portugal, recorrendo-se para tanto ao uso de modelos MIMIC (Mutiple Indicators Multiple Causes), o estudo conduzido pelo Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia do Porto retirou, dos resultados empíricos obtidos, as seguintes conclusões:
i) O peso da ENR no PIB oficial em Portugal evoluiu desde 9.3por cento, em 1970, até 24.2por cento, em 2009.

ii) As actividades do estado, reflectidas no peso dos impostos directos e das contribuições para a segurança social no PIB, e nos benefícios transferidos para as empresas e famílias são as causas que maior peso têm na formação e crescimento da ENR. Daqui pode ser deduzido que a redução tanto na carga de impostos como na intervenção do Estado na economia ajudam a diminuir o peso da ENR no PIB oficial.

iii) A taxa de desemprego é outra variável que assume um peso importante na explicação da ENR em Portugal. O coeficiente associado a esta variável assume predominantemente o sinal negativo, evidenciando a preferência dos indivíduos desempregados em ter um emprego na economia oficial de forma a estarem cobertos pelos benefícios da segurança social. Parece pois poder concluir-se que, em Portugal, os indivíduos que desenvolvem actividades na ENR têm preferência por manter uma actividade na economia oficial.

iv) Por sectores de actividade, a ENR como percentagem do PIB regista no 1º trimestre de 2009 o valor de 0.6por cento no sector agrícola, 5.5por cento na indústria e 16.6por cento nos serviços. Como percentagem do PIB oficial os resultados evidenciam que a ENR na agricultura e serviços aumenta no período 1998-2009, enquanto na indústria diminui.

v) A aplicação do modelo MIMIC no estudo da ENR por sectores demonstrou-se mais volátil e menos íntegra que no estudo agregado, sugerindo que mais investigação é necessária para o desenvolvimento do estudo da ENR por sectores.

vi) Em Portugal, a ENR apresenta uma influência positiva e estatisticamente significativa no crescimento do PIB oficial. Para o período 1975-2009, estima-se que quando a ENR per capita aumenta 10 por cento o PIB per capita aumenta em média 3.3 por cento. Os resultados sugerem que o crescimento da ENR cria recursos adicionais que são reinvestidos na economia oficial. Apesar deste efeito positivo, o aumento da ENR deverá originar uma deterioração das receitas fiscais e um aumento da desigualdade em termos de tributação de rendimentos, de concorrência na economia e das condições de trabalho.

Face “à indubitável existência” de economias não registadas em todos os países do mundo, “às deficiências” dos trabalhos existentes e “ao impacto na tomada de decisões” de política económica, é “claramente necessária mais investigação nesta área”, concluem os autores do estudo.

No seu entender, numa primeira fase é necessário desenvolver uma metodologia capaz de ultrapassar as limitações do modelo MIMIC e de atender à complexidade e mutação da economia paralela e, posteriormente, estabelecer uma teoria “de base universalmente aceite”. Perante a investigação agora concluída, a equipa defende a necessidade de, em investigações futuras, aperfeiçoar e desenvolver o estudo desagregado da economia paralela, quer em termos sectoriais quer por regiões, bem como estudar a relação de causalidade entre esta economia não registada e o PIB oficial, aprofundando o estudo da relação entre o crescimento económico do país e este fenómeno tão português, apesar de universal.

Geração D, de Desenrascanço
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Em todo o mundo, 1, 8 mil milhões de pessoas trabalham sem ter contabilidade organizada, passar recibos ou pagar impostos. Embora não existam estudos conclusivos sobre a economia paralela, os países que integram a OCDE atingem a este nível, em termos médios, entre os dezasseis e os dezoito por cento.

Portugal fica apenas atrás da Grécia e da Itália, no que a taxas de economia paralela mais elevadas diz respeito, perto dos valores registados pela vizinha Espanha. Como comenta à imprensa Nuno Gonçalves, autor do estudo dedicado à economia não registada no nosso país, “somos os mais pobres entre os ricos e os mais ricos entre os pobres”. Portugal regista economia paralela menor, em comparação com os países africanos, asiáticos e da América Latina, mas tem, nesta área, “uma dimensão bem superior” à média da OCDE e ao que acontece nos países do Centro e Norte da Europa, na América do Norte e no Japão.

Como escreveu recentemente Robert Neuwirth, escritor e jornalista de investigação, na revista Foreign Policy, num artigo intitulado The Shadow Superpower, aquele a que chama sistema D (D de débrouillards, ou de desenrascados, isto é, dos negociantes das ex-colónias francesas que apenas trocavam por dinheiro vivo ou outros bens os produtos que vendiam, fugindo às teias burocráticas do mundo globalizado um movimento que, entretanto, se estendeu a todos ao países do mundo) “está em crescimento acelerado, aproveitando a crise e o falhanço da regulação do comércio mundial”.

Por mais condenável que seja, a economia paralela tem permitido potenciar pequenos negócios, assegurando a sobrevivência de milhares de pessoas – “o seu crescimento permite “abrir o mercado àqueles para quem este estaria tradicionalmente fechado” – e, até, gerando ideias empreendedoras: na opinião pouco consensual do cronista, “tudo o que se passa na economia não registada é fruto de inteligência, auto-organização e solidariedade”, e este sistema “será crucial no desenvolvimento das cidades do século XXI”.

O valor do sistema D rondará actualmente os dez biliões de dólares (como calculara o economista Friedrich Schneider, a partir de estimativas do Banco Mundial) pelo que, e como esclarece Neuwirth, no artigo que resume o seu novo livro, Stealth of Nations: The Global Rise of the Informal Economy, “se este sistema fosse uma nação independente, uma espécie de nova USSR (United Street Sellers Republic), seria a segunda maior economia do mundo”.

Ora, considerando que o ritmo de crescimento da economia paralela não irá abrandar, muito pelo contário, a OCDE prevê já que, em 2020, dois terços dos trabalhadores farão parte do Sistema D.