Ao olharem para os esforços gigantescos exigidos para solucionar problemas globais, os investidores institucionais tendem a pensar em grande, de forma diferente e historicamente. E, se tudo correr bem, serão estes esforços a redefinir a forma como encaramos o financiamento com propósitos sociais – de forma lenta, mas gradual
© Stanford Social innovation Review
Adaptado por HELENA OLIVEIRA

O ABP, o segundo maior fundo de pensões europeu, com mais de 380 mil milhões de euros sob sua gestão, anunciou o ano passado que iria aumentar a sua alocação em investimentos de elevada sustentabilidade (aqueles que têm como objectivo criar um valor social e ambiental positivo e mensurável) para um valor de 58 mil milhões de euros em 2020, face a 29 mil milhões em 2015. Por seu turno, o fundo de pensões holandês PFZW pretende igualmente alocar 12 por cento do seu portefólio total em soluções de energias renováveis, água, segurança alimentar e cuidados de saúde. Até 2020, este valor atingirá os 25 mil milhões de euros, com cinco mil milhões “a mais” comparativamente a 2014. Adicionalmente, companhias de seguros como a Axa e a Zurich, e bancos como o BNP Paribas, o J.P. Morgan e o Barclays comprometeram-se a investir até 5 mil milhões de euros do seu capital próprio em programas de investimento com impacto ao mesmo tempo que desenvolvem soluções para os seus clientes.

Estes exemplos demonstram que os investidores institucionais estão a acelerar o seu ritmo de investimento no que muitos vêem como excelentes oportunidades para gerar impacto positivo na nossa sociedade global, no ambiente e na economia. E estão a investir quantidades substanciais de dinheiro na redução das emissões de carbono e na melhoria das cadeias de fornecimento globais, a desenvolver estruturas hierarquizadas de capital e parcerias público-privadas, a construir “cadeias de fornecimento digitais” nos negócios e nos serviços financeiros.

E estes esforços não só contribuirão para solucionar alguns dos maiores desafios dos tempos em que vivemos, como poderão transformar também a prática corrente do investimento com impacto, tal como aconteceu com o investimento socialmente responsável há cerca de uma década. Ao olharem para os esforços gigantescos exigidos para solucionar problemas globais, os investidores institucionais tendem a pensar em grande, de forma diferente e historicamente. E, se tudo correr bem, serão estes esforços a redefinir a forma como encaramos o financiamento com propósitos sociais – de forma lenta, mas gradual.

Pensar em grande

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Em 2015, a Global Impact Investing Network (GIIN) e o J.P. Morgan reportaram investimentos com impacto num valor total que ronda os 60 mil milhões de dólares – face a 48 mil milhões de dólares em 2014. Esta comprovação do crescimento constante do mercado de investimento de impacto é encorajadora. Mas, comparativamente ao capital necessário para estimular o desenvolvimento sustentável em todo o planeta, não é mais do que uma gota no oceano.

Os desafios sociais, ambientais e económicos em causa foram definidos ao longo de 2015 em eventos de natureza variada. Em Julho, os líderes mundiais reuniram-se em Adis Abeba para a III Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento para discutir os mais prementes assuntos nesta área. Seguiu-se o lançamento dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em Nova Iorque, em Setembro e, no final do ano, o Acordo sobre o Clima em Paris. A implementação dos resultados definidos nestes objectivos exigirá triliões de dólares em investimentos adicionais e anualmente.

Tanto a Agenda de Acção de Adis Ababa como o Acordo sobre o Clima de Paris necessitam de investimentos na ordem dos 13,5 triliões de dólares nos próximos 15 anos. E a Conferência da ONU sobre o Comércio e Desenvolvimento estimou, em 2014, que o estreitamento do fosso dos ODS nos países em desenvolvimento exigiria financiamento adicional – ou seja, para além dos investimentos já comprometidos – de cerca de 2,5 triliões de dólares anuais entre 2015 e 2030.

Na medida em que os doadores multilaterais e bilaterais fornecem, por ano, apenas 140 mil milhões de dólares em ajudas – de base e outras – ao desenvolvimento, este financiamento “extra” só poderá provir do sector privado. Desta forma, os governos e outros doadores principais estão a voltar-se para os investidores institucionais, de que são exemplo os fundos de pensões, as companhias de seguros e as empresas líderes mundiais em gestão de activos, para conseguirem estreitar esse fosso persistente.

Pensar diferente

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Os fundos de pensões, companhias de seguros, fundações e gestores de activos líderes na Europa e nos Estados Unidos estão, assim, a “estimular” o envelope do investimento responsável. Enquanto signatários dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), estão também a implementar estratégias ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) bem desenvolvidas, tais como a utilização do poder voto e do compromisso, em conjunto com a exclusão de investimentos que sejam substancialmente controversos.

Adicionalmente, os novos compromissos incluem o investimento em activos como, por exemplo, o imobiliário sustentável, os quais geram, intencionalmente, retornos financeiros positivos e ESG. Os compromissos integram também o investimento no Global Real Estate Sustainability Benchmark (GRESB) ou no mercado de títulos climáticos [climate bond market] cujo valor ascende já aos 600 mil milhões de dólares.

Por outro lado, os investidores institucionais estão também crescentemente interessados em investir directamente nas infra-estruturas para as energias renováveis, na gestão de resíduos sólidos, no tratamento de águas, no mercado imobiliário, em financiamento de pequenas e médias empresas e na microfinança – o que se traduz numa mudança da alocação de capital em iniciativas de nicho como os negócios sociais, a agricultura familiar ou em projectos isolados nos países em desenvolvimento, para instrumentos e modelos de negócios que possam ter maior escala.

É importante sublinhar que os investidores institucionais estão a alterar as suas abordagens e a desenvolver novos produtos financeiros que correspondam à lógica de investimento institucional, a qual consiste em: permanecer dentro dos limites da responsabilidade fiduciária, a dimensão dos investimentos, o historial do gestor de investimento e as regras e normas definidas pelas autoridades de supervisão.

Exemplos de novos produtos incluem as obrigações ou títulos “verdes” com base em critérios desenvolvidos pela Climate Bond Initiative; títulos emitidos pela International Finance Facility for Immunisation (IFFIM), os quais já possibilitaram a oferta de vacinas a 400 milhões de crianças nos países em desenvolvimento e ainda o denominado Climate Investor One, que tem como objectivo acelerar as energias renováveis nos mercados emergentes.

Apesar dos investidores institucionais não utilizarem o termo “investimento com (ou de) impacto” para descrever estes esforços, a verdade é que estão ao ir ao encontro dos três principais critérios que o definem: a intenção de criar um impacto positivo [social ou ambiental], a avaliação do seu output e resultados e a geração de retornos financeiros à taxa de mercado.

Os críticos têm, contudo, apontado que o investimento de impacto corre o risco de se tornar na “nova roupa do imperador”, na medida em que, e na sua essência, significa desenvolver, estimular e proteger os valores sociais, ambientais e económicos que fazem do nosso mundo um local melhor para se viver, e que os retornos financeiros são importantes mas não constituem a essência do investimento com impacto. Todavia, tal não impede os investidores institucionais de desenvolverem a sua própria agenda e, de forma gradual, irem transformando o mercado de investimento de impacto.

Pensar historicamente

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OS PRI vieram substituir os investimentos social ou eticamente responsáveis tradicionais e popularizaram a noção de ESG [Environmental, Social and Governance]. Mais importante ainda é o facto de terem captado e promovido a ideia de que investir socialmente significa concentrar-se, em primeiro lugar, na boa governança. Apesar dos objectivos ambientais e sociais serem igualmente importantes, aparecem apenas em “segundo lugar” e depois de uma gestão, supervisão e controlo da empresa adequados.

Ao mudar o enfoque da ética para a governança, a ideia dos investimentos responsáveis tornou-se, subitamente, aceitável para os investidores institucionais – e mais concretamente depois de várias pesquisas terem demonstrado que um enfoque na governança resultava num desempenho financeiro claramente superior. Assim, não é difícil imaginar de que forma os investidores institucionais conseguiram aplicar, de forma similar, a lógica do investimento institucional a este campo emergente e aumentar a relevância do investimento com impacto para uma comunidade mais alargada de investidores. E, ao fazerem-no, contribuírem também para solucionar alguns dos mais prementes e pertinentes desafios sociais e ambientais dos nossos tempos.

O futuro

O maior desafio enfrentado pelos investidores na actualidade é encontrar negócios e projectos que sejam “dignos de investimento”, sendo que o dinheiro constitui, raramente, o problema. Nos mercados emergentes e nos países em desenvolvimento, são numerosos os projectos disponíveis em áreas como a energia solar, eólica e hídrica, a conversão de resíduos em energia e a habitação social. Todavia e na sua maioria, estes projectos ou não têm a dimensão desejada ou não correspondem ao perfil adequado de retorno ajustado ao risco para serem qualificados como investimentos institucionais. E é aqui que reside uma oportunidade para os investidores de impacto “tradicionais” – em colaboração cm organizações financeiras internacionais, bancos de desenvolvimento, fundações de grande dimensão com enfoque na transformação do mercado e governos – para desenvolverem projectos que contribuam para a realização dos ODS e de outros objectivos.

Acordos financeiros novos e “mistos” que juntem investidores com perfis diferentes de retorno ajustados ao risco poderão motivar uma infusão em larga escala de capital institucional concentrada na resolução dos maiores desafios que o planeta enfrenta. A actual comunidade de investimento com impacto pode também funcionar como uma observadora crítica dos investidores institucionais quando estes decidirem desenvolver projectos de larga escala e, consequentemente, criarem resultados sociais e ambientais para as comunidades que deverão beneficiar desses mesmos investimentos. O que requer uma colaboração estreita entre os governos, os responsáveis pelo desenvolvimento dos projectos, os consultores e os financiadores, em conjunto com um ajustamento criterioso dos riscos existentes ao longo das várias fases de desenvolvimento.

Não levará muito tempo até que a comunidade de investidores institucionais se transforme numa força no interior do investimento com impacto. Para além de possuir o poder e os recursos necessários para contribuir para o mesmo, tem também as condições necessárias para transformar o mercado do investimento de impacto através de uma forma de pensar diferente, mais ambiciosa e de aplicar lições aprendidas no passado. Mas apesar de este desenvolvimento ser bem-vindo no que respeita à oportunidade de se construir um mundo melhor, há contudo que permanecer em estado de alerta para potenciais inconvenientes. A comunidade tradicional de investimento de impacto pode ajudar os investidores institucionais a criarem oportunidades para o desenvolvimento, mas manter, em simultâneo, “o olho” em cima dos potenciais riscos sociais, económicos e ambientais que lhe estão associados.

NOTA: Artigo escrito por Harry Hummel, professor de Ética, Organizações e Sociedade, na Maastricht University e professor de Empreendedorismo Social na Utrecht University e por Rodolfo Fracassi, director da MainStreets Partners em Londres, uma empresa independente com enfoque no investimento de impacto.

Adaptado, com permissão, de “The Institutional Impact Investing Revolution”. © Stanford Social Innovation Review 2016

Helena Oliveira

Editora Executiva