Não há dúvida que Portugal, no estado actual da vida económica, social e política, necessita de alterações profundas (reformas, dizem) para poder sair da grave situação em que se encontra.  Mas precisa também de se dar ao respeito e de líderes que se dêem ao respeito, estejam na “reforma” ou não
*Gonçalo Lobo Xavier

Tenho a sorte de praticamente sempre ter vivido em democracia. Faço parte de uma geração que não teve os constrangimentos que os pais tiveram e que, só por isso, se pode considerar privilegiada. Essa distinção tem muitas razões, tantas que não caberiam aqui, mas sobretudo, entendo eu, por sermos uma geração sem complexos do ponto de vista político, sejam eles de direita ou de esquerda. Passámos ao lado dessas questões, precisamente porque era natural ser de esquerda ou de direita, era livre, em linguagem democrática. Não digo que antes de 74 isto não devesse ser natural. Digo que era mais difícil ser natural.

Muito temos, pois, de agradecer aos que lutaram pela alteração do regime, aos que defenderam um Portugal moderno, desenvolvido e europeu. Julgo que, apesar de muitos insistirem que os agradecimentos ainda são poucos e que “há quem queira branquear a história”, em 2013, a cultura vigente é de reconhecimento aos responsáveis pelo processo de transição democrática de 1974 em diante e que, vistas as coisas, o processo correu bem. Desde sempre, mas sobretudo depois de 74, as “reformas” estão presentes em todo o discurso político.

Sempre se falou na reforma do Estado. A reforma do ensino e da educação é um tema que tem tanto para dizer que tem dado centenas de artigos de opinião.

Quase todos falam das reformas no sistema fiscal do país. Quem nunca ouviu palestras sobre as reformas a operar na Saúde? E o que dizer da quantidade de palestrantes que tem opinião sobre a reforma da segurança social?

Enfim, as “reformas” fazem parte do discurso de quem quer ser inovador, disruptivo e eventualmente, quer evidenciar as diferenças nos discursos e medidas que se apresentam a debate.

As reformas necessárias são tantas que o grande problema até tem sido as constantes reformas que responsáveis mais ou menos esclarecidos nos querem impor, e que nem sempre são úteis para a vida do país.

“Referir o acto bárbaro do assassinato do Sr. D. Carlos, Rei de Portugal, como algo que poderia hipoteticamente acontecer ao actual Presidente da República é de uma irresponsabilidade gritante” .
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Não há dúvida que Portugal, no estado actual da vida económica, social e política, necessita de alterações profundas (reformas, dizem eles) para poder sair da grave situação em que se encontra. Mas precisa também de se dar ao respeito e de líderes que se dêem ao respeito, estejam na “reforma” ou não.

Sou dos que entendo que o respeito pelos mais velhos e mais experientes faz parte da nossa matriz enquanto povo e enquanto nação. Portugal sempre respeitou a sua história e os seus maiores e nessa linha, até penso que há uma enorme falta de aproveitamento dos mais velhos que, apesar de já estarem reformados, ainda podem (e devem) contribuir, se assim entenderem e quiserem, para actividades específicas de desenvolvimento da sociedade e criação de valor, com o seu conhecimento, experiência e vontade. Vem este tema a propósito das recentes declarações (ou devo dizer ameaças) do Dr. Mário Soares.

Referir o acto bárbaro do assassinato do Sr. D. Carlos, Rei de Portugal, como algo que poderia hipoteticamente acontecer ao actual Presidente da República, é de um péssimo gosto e de uma irresponsabilidade gritante. Trazer à memória de todos um acontecimento trágico na história de Portugal para invocar o aparecimento presumível de outro, não me parece próprio de quem diz respeitar a democracia, a soberania e a vontade do povo.

Respeitemos a história, o passado dos homens, a sua dignidade e a sua reforma. Mas não deixemos de dizer a quem já passou pela história que o tempo e o modo são outros e que isso também é cultura democrática. Está-se a prestar um mau serviço ao país e à democracia com o extremar de posições e com a falta de dignidade de alguns. E nesses casos, não há reforma que nos valha!

Coordenador do Núcleo ACEGE Coimbra