Crescemos com a ideia de que a criatividade é inata e que ou a temos ou não temos. Mas os avanços na neurociência demonstram que o poder da neuroplasticidade – ou a capacidade que o cérebro tem para se mudar a si próprio – tem influência na nossa capacidade criativa. Da Stanford Social Innovation Review, um excerto de um livro que analisa as potencialidades da nossa mente para fazer da criatividade um passaporte para a nossa própria inovação
Traduzido e adaptado por HELENA OLIVEIRA
© Stanford Social Innovation Review
A agilidade do cérebro e a neuroplasticidade são atributos que nos fazem ser mais adaptáveis e resilientes e que nos ajudam a lidar com a incerteza neste mundo em contínua mudança. Na medida em que as crises geopolíticas e psicossociais estão a ter um impacto sem precedentes em nós e nas nossas crianças, estamos, insensatamente, a criar um futuro distópico e liderado por pessoas que não estão suficientemente equipadas para o fazer da melhor maneira.
De todos os elementos que integram a agilidade do cérebro, incluindo o domínio das nossas emoções, a compreensão da relação entre cérebro e corpo, a confiança na nossa intuição, o tomar decisões para o bem social, o mantermo-nos motivados para atingirmos os nossos objectivos e reestruturar a criatividade para nos permitir criar o futuro no qual nos sentimos bem, é a criatividade que maiores dividendos consegue retirar do poder da neuroplasticidade (a capacidade que o cérebro tem de se mudar a si próprio) para tornar a inovação social mais eficaz e que tem um impacto positivo em populações de cérebros e não só no nosso.
A mudança começa em nós. Uma compreensão da forma como o cérebro funciona, passando do inconsciente para o consciente no que respeita a aspectos do nosso comportamento que podem constituir barreiras ao sucesso; preparando-o para dar conta e agarrar oportunidades que, de outra maneira, passariam desapercebidas; transformando a “ausência” de pensamento em abundância e manifestando os resultados do mundo real que desejamos para nós e para as gerações futuras conduz a um efeito cascata de saúde, riqueza (seja qual for a sua forma) e bem-estar. E é aqui que a ciência encontra a espiritualidade – uma combinação que pode trazer benefícios para todos nós.
A minha pesquisa com o objectivo de reenquadrar a definição de criatividade, com base na neurociência, teve início em 2013 numa conversa que tive na Staford d. school, um hub de inovação, colaboração e criatividade, tendo como missão ajudar as pessoas a transformarem-se em inovadores, todos os dias e em qualquer lugar. E espero que gostem de explorar o vosso cérebro com este excerto do meu novo livro The Source: The Secrets of the Universe, the Science of the Brain.- Tara Swart
Criar a vida que desejamos exige visão, e não só a visão necessária para imaginar a realidade que realmente queremos, mas também para reconhecer as potenciais oportunidades que nos rodeiam a toda a hora e que nos poderão ajudar a traçar o caminho para o nosso futuro. Neste sentido, a criatividade não está relacionada com a visão que temos de sermos bons em arte ou com o facto de termos muitas ideias, mas sim com a capacidade de configurarmos o nosso cérebro através do que lhe é exposto por nós mesmos e de conceber o nosso futuro através de uma escolha pró-activa. Os exemplos são muitos: desde celebridades que se reinventaram a si mesmas, redesenhando as suas identidades – como Miley Cyrus, Mark Wahlberg, Angelina Jolie, Rihanna, Kim Kardashian, Justin Timberlake ou Arnold Schwarzenegger – até a pessoas icónicas que mudaram o mundo, como Abraham Lincoln, Nelson Mandela, Gandhi, Marie Curie, Madre Teresa, Martin Luther King ou Emmeline Pankhurst.
A criatividade é liberdade. Permite-nos direccionar todo o poder do nosso cérebro para criar a vida que imaginámos para nós mesmos. Um cérebro criativo é o que consegue colocar ideias a uso mediante formas inesperadas, utilizando combinações contrastantes de pensamentos para dar origem a novos. Este é o novo (e, ao mesmo tempo, antigo) superpoder da mente humana: reinventar, imaginar, melhorar e repensar. Quando pensamos com a totalidade do nosso cérebro, e devotamos o nosso poder criativo a uma situação ou problema, encontramos possibilidades onde outros vêem limitações. Como um medalhado olímpico de vela uma vez disse: “quando a maioria das pessoas está na praia e olha para o horizonte, vêem-no como o fim. Eu vejo um início”. A criatividade confere-nos o poder da interpretação.
Para sermos criativos é igualmente necessário desenvolver um certo nível de confiança no nosso direito de nos expressarmos, valorizando as nossas próprias ideias e interpretações. Quando tal é explicado às pessoas, a resposta é muitas vezes a mesma: “mas eu não sou criativo”. O que é frustrante e triste. Fomos ensinados a pensar na criatividade como algo muito estreitamente definido, muitas das vezes como algo ligado a um talento natural para a arte. É assumido, como um “cérebro lógico”, que ou se tem uma predisposição “criativa” ou não se tem. O mesmo acontece quando nos dizem na escola que não somos criativos porque não temos jeito para desenhar. E o que acontece é que existe uma geração de pessoas que acredita neste mito.
A neurociência está a explorar actualmente o que é que caracteriza as mentes criativas. Investigadores em Harvard identificaram recentemente um padrão de conectividade cerebral que está associado à geração de ideias. No estudo em causa, e ligados a um scanner cerebral, foi pedido aos participantes que idealizassem novas utilizações para objectos do quotidiano, tais como uma meia, um sabonete ou o papel que embrulha as pastilhas elásticas. Algumas pessoas acharam difícil o pedido e acabaram por dar respostas óbvias, como cobrir os pés ou fazer bolas de sabão. Os pensadores com elevada originalidade, pelo contrário, demonstraram uma forte conectividade entre três redes do cérebro (deixar a mente fluir, pensamento concentrado e atenção selectiva) e responderam com ideias fora da caixa, como um sistema de filtragem de água, um selo para cartas e um cabo de antena.
Acabar com os filtros negativos
Deixar a mente fluir, ter um pensamento concentrado e uma atenção selectiva são actividades que podem ser fortalecidas com a prática. Conferir tempo e espaço para pensar sem distracções pode conduzir a novas ideias e perspectivas. E este é o benefício de se deixar, activamente, a mente a vaguear. Ao trazer conscientemente os nossos desejos, esperanças e sonhos para a “frente” da nossa mente, o cérebro será capaz de detectar, mais eficazmente, novas oportunidades que conduzirão aos resultados que desejamos. A isto chamamos “pensamento concentrado”, o qual pode ser atingido através de quadros de acção e visualização. Adicionalmente, temos também a tendência para filtrar os pensamentos que não se coadunam com o nosso propósito imediato, considerando-os “estranhos”, mas ao nos libertarmos para termos um conjunto mais abrangente de pensamentos, permitimos que exista acção. E é por isso que temos de refinar a nossa atenção selectiva e as nossas competências filtradas. Por que não concorrermos àquela oferta de emprego ou ter aquele encontro sugerido pelos amigos? Por que não dar início àquele hobby que andamos a adiar há anos? Ou seguirmos aquela ideia para um projecto que nos vem à cabeça quando estamos a tentar concentrarmo-nos noutra coisa qualquer: escreva-a e regresse a ela. Pergunte a si mesmo se aquele pensamento que está a tentar evitar não poderá transformar-se numa ideia frutuosa. E lembre-se de pensar a partir de uma perspectiva de abundância e não de escassez.
Existe também uma prática denominada “protótipo rápido” que sugere que geremos o maior número de ideias possível, relegando as que não funcionam para uma lista de “tentar novamente no futuro ou num cenário diferente”.
Dar permissão para uma mente aberta
A autora do artigo conta a história de uma das suas mais criativas amigas que construiu uma marca a partir do zero e que está sempre a inovar e a pensar em novos esquemas. E o mesmo se passa com o marido. Quando lhe perguntou qual era o seu segredo, ela respondeu simplesmente: “não existe nada parecido com uma má ideia cá em casa”. E explicou que tanto ela como o marido conferem permissão, um ao outro e aos seus filhos, para explorar as suas ideias sem as “fechar à chave”. As boas ideias erguem-se naturalmente e destacam-se. Desfazer-se delas antes de se ter uma hipótese de as considerar é contraproducente.
Assim que dermos permissão a nós mesmos para estarmos abertos a novas ideias e possibilidades, a criatividade recompensa-nos, permitindo-nos descobrir oportunidades em locais improváveis. O que significa que sabemos quando dar uma hipótese ou quando é necessário questionar ou perseguir alguma coisa. Ajuda-nos a fortalecer a nossa intuição e a dar-nos a flexibilidade para reconhecer possibilidades que, de outra forma, desdenharíamos.
O escritor Kurt Vonnegut escreveu um dia: “Temos de saltar continuamente do penhasco e ganhar asas enquanto descemos”. E isto ilustra a natureza essencial da criatividade: é a desenvoltura para encontrarmos o nosso caminho em situações ou desafios difíceis e começarmos a voar. E quem é que não deseja distinguir-se desta forma?
Se continua a sentir-se céptico relativamente às suas capacidades criativas, olhe à sua volta. Criou o seu lar. Criou a sua carreira. Criou possivelmente um relacionamento e até alguns filhos. Você é o responsável pela criação das suas refeições, de tópicos de conversação, de uma atmosfera agradável quando tem visitas, do seu jardim, das suas amizades… a lista pode continuar, até chegarmos a um dos mais criativos hobbies que poderá ter.
E se acredita que não tem exemplos suficientes, tente algo novo. Quais são as suas noções preconcebidas sobre quão criativo é e de que forma? Todos somos inerentemente criativos e é tempo de soltar o seu poder intrínseco para procurar a sua auto-expressão radical ou a vida que realmente deseja.
Nota: O presente artigo é escrito pela autora do livro The Source: The Secrets of the Universe, the Science of the Brain,Tara Swart.
Traduzido com permissão de “The neuroscience of creativy”. © Stanford Social Innovation Review 2020

Helena Oliveira
Editora Executiva