Em primeiro lugar, o «meio-dia» deveria indicar precisamente a passagem meridiana do Sol, significando tantas horas de luz antes como depois das 12:00. Temos hoje, dia 27 de Outubro, que em Lisboa o sol nasce às 7:58, com o ocaso às 18:42. As contas são simples: 4 horas e 2 minutos de sol acima do horizonte de «manhã», 6 horas e 42 minutos de «tarde», o que situa o meio-dia solar às 13:20. Mesmo depois do acerto de sábado para domingo, ainda vamos andar com o sol adiantado
POR PEDRO COTRIM
Está muito escuro e a manhã tarda-se. As crianças não se querem levantar da cama e os early birds têm uma grande sessão de escuridão matinal. É a astronomia, mas é sobretudo um decreto: a Hora de Verão dispõe nestes dias do final de Outubro as alvoradas mais tardias do ano inteiro. Mas amanhece mais tarde que no Solstício? Amanhece, sim, e ainda bem que no fim-de-semana repomos alguma verdade solar na nossa vida; se não mudássemos a hora, no dia 1 de Janeiro iria amanhecer às nove, uma circunstância perfeitamente adaptada a Estocolmo ou Copenhaga.
Quem não vive nos trópicos habituou-se a entrar em contas com o Sol. As jornadas não podem coincidir com a claridade, pois no Verão trabalharíamos quase sem parar e no Inverno retornaríamos cedo a casa. E, na verdade, dava muito jeito que cada cidade tivesse a sua hora legal, decidida num qualquer conselho autárquico. Já sucedeu efectivamente durante muitos anos pela sua utilidade, sendo que os marinheiros, após dias de navegação em alto mar, chegavam às cidades e a primeira pergunta após a saudação era «Que horas são aqui?» Era bom e era prático para quem nunca de lá saía, era tortuoso e melindroso para quem precisasse de tratar de assuntos noutros locais. Hoje em dia seria impensável e até podemos pensar numa história de ficção científica utópica (ou distópica) em que cada um manda na sua hora. Depois só tem de fazer aterrar os aviões em segurança e garantir que não fez batota em transacções internacionais. Um viva portanto ao Meridiano de Greenwich.
Quem quiser saber mais sobre o tema tem o Longitude Act, Gemma Frisius, Christiaan Huygens e o relojoeiro John Harrison. Perceberá claramente que a hora precisa de decreto. A hora legal é este arranjo global que se mantém sempre em discussão e que sobe de tom quando muda a hora. E, na realidade, é tudo muito simples, mas muito complicado.
Em primeiro lugar, o «meio-dia» deveria indicar precisamente a passagem meridiana do Sol, significando tantas horas de luz antes como depois das 12:00. Temos hoje, dia 27 de Outubro, que em Lisboa o sol nasce às 7:58, com o ocaso às 18:42. As contas são simples: 4 horas e 2 minutos de sol acima do horizonte «de manhã», 6 horas e 42 minutos «de tarde». Meio-dia solar às 13:20. Mesmo com o acerto de sábado para domingo, ainda vamos andar com o sol adiantado.
Esta conta não se resolveria com uma hora portuguesa que fosse diferente da hora de Greenwich, da UTC ou da GMT (são diferentes, e a UTC, mais rigorosa, é a hora de Inverno legal em Greenwich: não muda nunca). E Portugal é um país pequeno, com pequena largura este-oeste. Em Espanha, GMT +1, há um exemplo substancial e tomem-se Barcelona e Vigo para o caso. Apesar de a capital da Catalunha estar ligeiramente mais a sul que a cidade galega, a diferença é muito pequena para o que se segue:
No final de Junho, o dia nasce às 6:20 em Barcelona e às 7:00 e Vigo. Na Catalunha o ocaso é às 21:30, na Galiza às 22:20, onde anoitece verdadeiramente (fim do crepúsculo náutico) bem depois da meia-noite. Uma tremenda diferença e bem podemos afiançar que os nossos irmãos galegos vivem um Verão com um sol absolutamente traiçoeiro, com um meio-dia real que ocorre depois das 14:30.
«Ah, mas Portugal é um país estreitinho». É verdade, e a diferença leste-oeste não chega aos 15 minutos. «Pois, é pouco, mas e se o país fosse realmente Lisboa e o resto paisagem, o que felizmente não sucede? Como o Mónaco ou Singapura, que não passam do Terreiro do Paço?»
A resposta é-nos dada por Kepler e garante-nos que um relógio sempre acertado com o sol é uma impossibilidade: por as órbitas serem elipses, o dia não tem exactamente a mesma duração durante o ano, na medida em que é uma rotação completa da Terra em relação ao Sol. Há diferenças muito ligeiras que ocasionam a equação do tempo:
É menos complicada do que parece e significa, em termos práticos, que se quiséssemos um relógio perfeitamente adequado ao Sol teríamos segundos de duração diferente ao longo do ano. Significa igualmente que o dia em que anoitece mais cedo não é o do Solstício, mas o dia 6 ou 7 de Dezembro, e que a partir de 21 de Dezembro continua a amanhecer mais tarde até aos primeiros dias de Janeiro. O mesmo sucede em Junho, com o amanhecer mais precoce por volta do dia 13 e com o grande e majestoso ocaso tardio do ano a ocorrer por volta do afélio, no dia 4 de Julho.
É tudo isto. Acresce-se o facto de a Terra não ser uma esfera perfeita, de haver precessão dos equinócios, de a elipse da órbita não ser exactamente igual todos os anos, do efeito de maré da Lua, das interacções gravíticas com outros vizinhos do Sistema Solar, da própria deslocação do Sol em torno do eixo da galáxia e ainda de outros mais. Quem quiser um horário solar rigoroso com um relógio de segundos sempre iguais terá de viver numa cave.
Agora as nossas cabeças e os nossos hábitos: gostamos de claridade, e mesmo a criatura mais noctívaga não passou certamente uma temporada de Inverno na Escandinávia. Não é o frio que se entranha nos ossos, é o escuro. Em Estocolmo podemos dizer «três da noite» em Dezembro. Faz confusão, não faz? O reverso são aqueles dias sem vera noite, as afamadas «noites brancas» de Junho e Julho. Mas importa-nos aqui o nosso torrão. E o que temos no torrão é isto:
– Com ou sem mudança de hora, no Verão amanhece muito cedo; poucos de nós se levantarão com noite escura, pelo que o dia mais estendido à tarde não faz muita diferença;
– No Inverno precisamos de manter o tal UTC, pois de contrário só teríamos dia depois das nove numa parte do ano; anoitecer na consoada apenas às 18:30 também seria confuso;
– A mudança de hora ocorre duas vezes por ano; a ciência divide-se sobre os efeitos, havendo garantias nos dois sentidos de manter a mudança ou de a interromper;
– Os hábitos de passeio e compras reflectem a luz: há mais rua com dias mais longos, há mais espaços fechados em dias escuros ou de mau tempo. O que já foi estudado indica o mesmo fenómeno nos países em que ocorre mudança de hora;
– A produtividade é diferente de um indivíduo para outro. Há quem funcione melhor de manhãzinha, quem se sinta desperto à tarde e quem seja um verdadeiro expresso da meia-noite. O tema irá continuar a ser debatido e não parece haver consenso internacional em relação a esta mudança bianual;
– Há países em zonas temperadas a manter a hora ao longo do ano, como a Rússia, a Índia e o Japão;
– Há países em zonas tropicais onde já se efectuou a mudança de hora, como o Brasil, a Colômbia ou o Sudão.
O que é preciso reter: se deixamos de fazer os acertos do relógio com as estações, iremos adoptar a Hora de Inverno. Implica que no Verão anoiteça mais cedo do que sucede, mas um ocaso de Junho às 20:00 não faz confusão a ninguém. Adoptar a Hora de Verão o ano inteiro é absurdo, pois o grande desfasamento solar implicaria que amanhecesse de modo muito tardio durante uma boa parte do ano.
Das duas, uma: mudamos a hora ou mudamos a decisão que mantemos agora. Sabemos que a mudança nos custa sempre, mas que muitas vezes nos agrada bem o que passa a suceder.
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A imagem de capa foi gentilmente cedida por Marco Meniero, que continua a maravilhar-nos com os seus registos. Este foi obtido perto de Roma na terça-feira, numa ocasião sempre espantosa: um eclipse do Sol, ainda que parcial.

Pedro Cotrim
Editor