Em entrevista ao Folha do Domingo, o presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, que analisa alguns dos principais projectos da associação, defende a criação de um “ciclo virtuoso” que permita um “maior desenvolvimento económico”
POR SAMUEL MENDONÇA

João Pedro Tavares, 56 anos, casado e pai de quatro filhos, é licenciado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico e pós-graduado em Gestão Financeira pela Universidade Católica Portuguesa. Foi consultor durante 30 anos, tendo liderado uma empresa de consultadoria na área de serviços financeiros.

Tem defendido que importa criar valor e não apenas lucro, distribuindo esse valor de forma justa. O primeiro objectivo de uma empresa não é a maximização de lucro?

Essa não é a finalidade da empresa. A empresa tem de cumprir uma missão, ter uma visão com valores. Muitas delas não têm, mas a maioria devia ter. E a finalidade da empresa é criar valor. O lucro é uma pequena parcela desse valor. A empresa tem que criar valor económico, social, ambiental, cultural, pessoal e comunitário, valor para a sociedade. Ou seja, as próprias pessoas também têm de sentir essa criação de valor. A empresa de per si tem de ser uma fonte de criação de riqueza para a sociedade como um todo, para a comunidade como um todo.

A empresa, ao criar valor, deve distribuí-lo entre os principais stakeholders: os accionistas e os stakeholders internos e externos. Entre os internos temos os trabalhadores e outras pessoas que se queiram considerar como os accionistas, por exemplo. Entre os externos temos os fornecedores, os clientes e a própria sociedade como um todo. E, portanto, a empresa tem que criar valor para todos e tem que o distribuir de uma forma que seja justa. Portanto, a missão não é apenas e só criar lucro. O lucro é uma componente absolutamente indispensável para a sustentabilidade da empresa, mas esta não o pode criar comprometendo o longo prazo, as regras da concorrência, a ética, esta pegada social que ela cria. Imagine que a empresa, para criar lucro, explorava ao limite os seus colaboradores ou enganava os seus clientes ou não pagava aos seus fornecedores. Portanto, a finalidade é criar valor. O lucro é uma parte do valor económico que a empresa tem que criar, mas nunca deve deixar de ter uma visão de médio e longo prazo. Obviamente, tem que ter resultados a curto prazo, mas tem que sustentar um conjunto de variáveis muito mais amplo.

E é isso que faz com que o desafio seja maior. Ao propormos esta economia com valores, aquilo que estamos a propor são desafios maiores. Não estamos a «descafeinar», a adulterar, a perverter a realidade. Pelo contrário, estamos a ser mais exigentes porque, para além da exigência toda que já existe, estamos a ir mais além.

Mas quando apela à criação de valor para todos para que seja distribuído de uma forma justa, o que está a dizer, concretamente, é que os empresários e os accionistas devem renunciar a parte dos lucros para os outros trabalhadores?

Não. Não se trata de renunciar, mas devem ser justos na forma como se remuneram a si mesmos, na forma como investem os resultados da empresa e na forma como remuneram os outros e como criam esse valor. E, portanto, é óbvio que este é um sistema que deve estar em equilíbrio e deve considerar variáveis muito mais amplas. O que nós estamos a dizer não é que os accionistas são os últimos de todos os stakeholders. Há-de haver momentos em que serão os primeiros, mas há-de haver outros em que não serão. Depende do ciclo económico, da realidade da empresa, daquilo que é pedido, se é preciso mais investimentos, depende de muitas variáveis.

O que nós estamos a dizer é que os accionistas devem ter amplitude de visão, seja temporal, seja naquilo que são as fronteiras do impacto da própria empresa. Têm que contribuir para uma economia de impacto, uma economia de valor e uma economia de resultados. Não significa que vão ter que abdicar dos resultados. Ao fazer parte da ACEGE, nós queremos assumir a posição dos empresários e gestores, muitos deles líderes empresariais, outros accionistas. Aquilo que lhes estamos a dizer é: sejam exigentes na vossa forma de estar. Não estamos a dizer: renunciem a tudo. Nós queremos é que, com tudo isto, seja criado mais valor. E nós temos a certeza que a aplicação de um modelo virtuoso para todos vai criar mais valor. Nós conseguimos comprovar que se tiverem empregados felizes, eles serão mais produtivos. Isto cria valor económico. Mas eu não vou criar condições para que eles sejam mais felizes só para serem mais produtivos. Não, não é por causa disso.

Mas acha que há um problema de eficiência laboral, de produtividade nas empresas portuguesas?

Há. Há um desafio enorme de produtividade. A economia portuguesa e as empresas portuguesas, para serem mais competitivas, precisam de fazer crescer a produtividade. Mas isso é um dado económico. E é preciso equilibrar todas as variáveis em conjunto. Eu sou competitivo face à minha componente de custos global, em que a massa salarial engloba uma dessas variáveis. Se, por ventura, vou fazer um aumento, por exemplo, da componente da massa salarial, é óbvio que tenho de tomar em consideração se isso me torna menos competitivo. E se isso me torna menos competitivo e se, por ventura, põe em causa a riqueza que a empresa gera, ela pode tornar-se insustentável. Portanto, há uma tensão. Este é um sistema que vive em tensão.

O que acontece é que as pessoas valorizam outras componentes que não apenas o salário. Valorizam, por exemplo, o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, sentirem que a empresa contribui para o seu desenvolvimento pessoal, que a empresa as respeita, que tem um código de ética e de conduta, no qual elas se revêem, que são parte de um todo muito maior, que a empresa se comporta de uma forma justa e aberta que cria valor para todos os stakeholders, que têm uma palavra a dizer. Há tantas coisas que podem fazer parte de um pacote de valor muito mais amplo do que apenas e só o salário.

Entende então que a redistribuição da riqueza não contribui directamente para o aumento da produtividade?

Pode contribuir em alguma coisa, mas não lhe estou a dizer que só com isso se consegue tudo o resto. O que estou a dizer é que o sistema tem que ser um sistema em equilíbrio. E, ao estar em equilíbrio, tem que evoluir de uma forma inovadora, mas tomando em consideração um conjunto amplo de variáveis.

© Samuel Mendonça / Folha do Domingo

Entramos agora num outro plano que tem a ver com uma bandeira da ACEGE: o amor como critério de gestão. Um orador num dos encontros da ACEGE disse que esse critério não pode impedir a rentabilidade máxima da empresa, ou seja, que não pode impedir as empresas de ganhar tanto como outras que não o utilizem porque no dia em que isso acontecer, o critério morre. O amor como critério de gestão é uma mais-valia ou um entrave ao crescimento económico e à competitividade?

Não, não é um entrave. É um novo desafio. E ao introduzir um novo desafio nós estamos a introduzir uma nova tensão. O que nós, enquanto ACEGE, dizemos é que queremos inspirar os líderes empresariais a viver o amor e a verdade (porque não basta viver o amor de per si) como critérios de gestão para, com isso, transformar a sociedade. Desde logo, transformando os líderes empresariais ao experimentarem que, pelo facto de viverem dessa maneira, não comprometem os seus resultados.

O segundo aspecto é que nessa afirmação que me fez estão a misturar-se dois critérios. Nós não estamos a dizer que o amor é um critério financeiro. Nós estamos a dizer que a introdução de variáveis não económicas e não financeiras não vai tornar o modelo pior, mas vai torná-lo maior e melhor. E é nisso que acreditamos. Ou seja, estamos a falar da introdução de um critério de gestão e quando estamos a falar de gestão estamos a falar de liderança de pessoas, de critério de decisão, de comportamento perante terceiros, de compromissos assumidos, de relações de confiança.

Nós acreditamos que um bom líder vai ter pessoas mais felizes e pessoas mais felizes vão contribuir com níveis de produtividade e de compromisso superiores e, com isso, criar mais valor. Vou dar-lhe um exemplo: quando eu tenho um colega que vem ter comigo e me diz “recebi uma oferta de emprego de mais de 50% do que eu ganho aqui, mas, porque me revejo na liderança, nos critérios da empresa, na ética, nos valores, na missão, na visão e na cultura que aqui existe, eu não me vou embora”. A minha pergunta é: como é que calcula o valor de tudo isso? É 50% do salário dele. Eu iria perder um colaborador que iria ganhar mais 50% se não tivesse esse critério. Ele perderia valor de alguma maneira e eu também. No entanto, ele não me veio pedir para fazer um ajuste salarial. Portanto, a introdução de todos estes critérios cria um ciclo virtuoso que permite um maior desenvolvimento económico também. Porquê? Porque eu estou a partir do desenvolvimento da pessoa para a fazer evoluir, crescer, comprometer-se, ser mais feliz, ser mais produtiva.

Portanto, o amor como critério de gestão, não obstante não ser um critério financeiro, tem um valor económico?

Tem um valor colateral económico. Quando eu tenho um cliente que reconhece as minhas práticas de ética, de respeito mútuo, de defesa da dignidade das pessoas, do cumprimento dos meus compromissos fiscais, da minha forma de estar na sociedade e, com isso, eu crio relações de maior confiança, ele provavelmente está disposto a pagar um preço diferente por todos esses aspectos.

Os papas têm apelado a uma economia social de mercado em vez de uma economia de mercado. Concorda?

Sim, concordo, porque o papa não está a rejeitar tudo o que diz respeito ao capital. Eu posso fazer um uso virtuoso e não um uso vicioso do capital. A economia de mercado é uma economia na qual cresci enquanto consultor e na qual vejo factores positivos muito significativos. Quando o papa introduz economia social de mercado está a introduzir uma variável que cria tensão. Muitas vezes, a economia de mercado apresenta resultados de curto prazo. Quando introduzo o factor social tenho que estar preparado para que os resultados não sejam de curto prazo, mas de médio e longo prazo. Portanto, a introdução de variáveis que criam tensão entre elas não faz com que o modelo seja pior. Faz com que o modelo seja melhor.

Quando estou num ambiente e numa indústria onde os meus competidores não pagam impostos, são corruptos, pagam abaixo do limiar de pobreza, como é que eu compito com eles? Pois, é aí que surgem as dificuldades e aí eu vou ter que perceber até onde é que eu estou disposto a ir e o que é que eu estou disposto a fazer, mas não posso abdicar dos princípios e dos valores. E se eu não consigo ser competitivo em determinada indústria tenho de buscar outras alternativas. É muito bonito tudo o que eu estou a dizer, mas depois no terreno e na realidade do dia-a-dia é que surgem as dificuldades, as tensões. São estas realidades do dia-a-dia que nos criam as maiores dificuldades. E é por causa disto que surgem grupos de reflexão como o ‘Cristo na Empresa’. São grupos onde as pessoas se entreajudam porque partem das suas realidades de vida, das suas dificuldades do dia-a-dia, para aplicar em casos práticos e perceberem como é que podem resolver os seus problemas.

As empresas associadas da ACEGE são familiarmente responsáveis?

Nós temos múltiplos desafios enquanto ACEGE para cumprir aquela componente da nossa missão que fala em transformar a sociedade, em inspirar os líderes a viver o amor e a verdade como critério de gestão para, com isso, transformar a sociedade. E, relativamente ao nosso compromisso para transformar a sociedade, criámos o ‘Fundo Bem Comum’, que é um fundo de capital de risco para recolocar pessoas desempregadas, com mais de 40 anos, no mundo do trabalho, e promovemos o compromisso de pagamentos pontuais. Pretendemos que as nossas empresas cumpram esse compromisso. Sabemos que nem todas cumprem. Temos dados que nos dizem que as empresas ACEGE são mais cumpridoras do que a média do mercado, mas não diz que são todas absolutamente cumpridoras. É um trabalho que leva muito tempo, é uma mudança de cultura, de mentalidade, de uma forma de estar muito instituída, muito enraizada, muito arreigada.

Temos também a iniciativa do equilíbrio família-trabalho. Temos um certificado que damos às empresas familiarmente responsáveis, mediante o qual elas respondem a um inquérito muito amplo, que inclui as melhores práticas, onde são feitas recomendações e sugestões. Temos um conjunto de empresas já certificadas e queremos que um grupo crescente de empresas seja certificado. Ainda recentemente foi certificado um escritório de advogados, o que significa que há uma mudança de mentalidade, porque nesta área da advocacia as empresas não eram consideradas familiarmente responsáveis. Portanto, esta nova mentalidade está a introduzir-se.

E ambientalmente responsáveis, são?

Esse é um aspecto que o papa Francisco tem focado significativamente, mas o que nós pretendemos é que as empresas sejam eticamente responsáveis. E a ética, antes de ser colectiva e corporativa, é pessoal. Isto significa que os líderes empresariais têm que viver essa ética que não pode ser uma para a família, outra para a empresa e outra para a sociedade. Essa ética é identificada, os princípios são os mesmos e, portanto, aquilo que nós recomendamos é que os líderes empresariais tenham comportamentos éticos e responsáveis. Antes de falarmos em responsabilidade social corporativa, ambiental corporativa, económica corporativa, cultural corporativa ou outra que for, nós temos que falar em responsabilidade pessoal. E o papa Francisco diz que a corrupção é a maior das chagas da liderança empresarial. Portanto, nós pretendemos, através da promoção de um código de ética de amplitude universal, que a pessoa tenha uma e única ética. E essa ética é a mesma para uma empresa, para a vida familiar, para um clube de futebol ou para a sociedade. Eu não vou ter comportamentos diferentes porque a lei me obriga ou porque ninguém vê. Não devo. Devo sentir-me pessoalmente responsável por esse património e dar o exemplo.

© Samuel Mendonça / Folha do Domingo

O fundo de investimento para os desempregados que impacto tem tido?

É um fundo de várias instituições financeiras e de um grupo empresarial que foi um fundo de capital de risco de 2,5 milhões de euros e que, infelizmente, face aos critérios definidos em 2011 – a possibilidade de receber candidaturas de empreendedores com mais de 40 anos no desemprego –, recebemos 700 candidaturas e quatro projectos. Portanto, ficámos absolutamente aquém daquilo que era esperado. No entanto, dentro dessas empresas houve algumas que receberam este capital e com isso revigoraram a sua acção, estão activas e são empresas sustentáveis, o que também são boas notícias.

Mas porque é que isso aconteceu?

Porque nós fizemos um caminho absolutamente inovador e nunca feito em Portugal. Fomos aprendendo à medida que caminhávamos e fomos percebendo que o «menu» é uma coisa e o «prato» é outra, que as realidades são diferentes. E nós tínhamos que aprender no dia-a-dia que, provavelmente, devíamos mudar os critérios e introduzir algumas alterações. Portanto, há cerca de dois anos essas alterações foram introduzidas de duas maneiras: por um lado, passámos a permitir um acompanhamento a todos os investimentos feitos. E então percebemos que, para lá das ideias de negócio, há que capacitar as equipas e há que as acompanhar nas suas decisões e na sua forma de actuar. E isso passou a ser feito. Há agora uma assessoria que é dada a essas empresas.

Por outro lado, passámos a seleccionar projectos que estavam noutras fases de desenvolvimento e não projectos early-stage  [que se preparam para levantar financiamento de capital de risco] de startups  [empresas em início de actividade com elevado potencial de crescimento], mas projectos de empreendedores sociais que estavam noutras fases de desenvolvimento. Então passámos a valorizar significativamente esta componente social. A componente de impacto social – para além da criação de emprego e para além da sustentabilidade do projecto – foi considerada também. E, com isso, alargámos a mais quatro empresas e já temos mais outras quatro em análise. Não recebemos tantas candidaturas, mas recebemos projectos já muito mais sólidos e muito mais orientados para a finalidade do fundo.

Quantos grupos ‘Cristo na Empresa’ existem?

Existem 33 grupos, com 332 associados espalhados por todo o país, e três grupos de jovens. Todos os grupos são acompanhados por um padre e decorrem em horário laboral e contexto profissional. A ACEGE tem 1.146 associados e a mobilização destas mais de 300 pessoas é algo que é muito significativo.

Esses grupos de jovens que refere dizem respeito ao projecto ‘ACEGE NexT’?

Exatamente, com 99 associados.

O projeto ‘ACEGE NexT’ onde é que opera? No meio universitário?

‘ACEGE NexT’ é o grupo de profissionais da ACEGE com menos de 35 anos, pessoas que já estão no mercado de trabalho. E o tipo de desafios que são colocados a estas pessoas são absolutamente distintos dos que são colocados a muitos dos restantes membros da ACEGE. Porque têm menos de 35 anos, têm dinâmicas diferentes para endereçar respostas a problemas específicos que dizem respeito a eles próprios. E este é um desafio global para a ACEGE porque a associação tem que dar resposta aos jovens, mas também tem que ter uma ‘ACEGE Sénior’ para dar a resposta àqueles que se reformaram, terminando a sua vida profissional…

…E esse é um projecto que está em cima da mesa?

É algo que vai ter que ocorrer porque são pessoas com enormíssima validade, valias, capacidades, competências e experiências. Só temos a beneficiar se criarmos esta multiplicidade de gerações que se cruzem. Elas têm que se entrecruzar. É muito importante que isto aconteça. E depois também temos que atender – e aqui não vou explicitar porque gostaria de pensar que é um grupo transitório – aos desempregados. É outro desafio que temos. Porque se comprometeu a uma maior proximidade com os associados, a ACEGE vai ter de dar respostas direccionadas a cada um e não apenas respostas genéricas. E é nisso que estamos a trabalhar.

Foi por isso que promoveram em 2017 aquele estudo para conhecer as inquietações dos jovens em relação ao mundo do trabalho?

Exactamente, foi com esse objectivo. Em 2025, 75% dos trabalhadores activos vão ser millennials  [nascidos depois do ano 2000] e estes são uma geração que valoriza aspectos absolutamente distintos daqueles que são valorizados por muitos dos líderes empresariais. Portanto, eles vão ter que atender a essa diversidade. Hoje em dia estão no mercado de trabalho quatro gerações e tem que se atender à diversidade e à realidade de cada uma. Portanto, o equilíbrio da vida profissional e familiar é uma das componentes que nós temos que endereçar.

© Samuel Mendonça / Folha do Domingo

E em termos do ‘Compromisso Pagamento Pontual’, quais têm sido os resultados e quantas empresas aderentes? Estamos a falar, sobretudo, das PME?

Já temos 1.085 aderentes, sendo que destes 1.047 são empresas e IPSS. Temos ainda duas associações profissionais associadas e aderiram também 25 câmaras municipais. Curiosamente, dentro de todo o tecido empresarial, é a administração local quem paga mais a horas e a administração central quem paga menos a horas.

As empresas têm vindo a piorar os prazos de pagamento. Tem vindo a ocorrer duas coisas: por um lado, há uma diminuição nos atrasos de pagamento. Quando começámos com o ‘Compromisso Pagamento Pontual’ havia uma grande franja de empresas que pagava com 30, 60 ou 90 dias de atraso. Hoje em dia, a grande maioria das empresas que se atrasa atrasa-se em 30 dias e não mais do que isso. Ou seja, o capital em dívida diminuiu substancialmente. No entanto, o número de empresas a pagar com atraso aumentou ligeiramente e, portanto, piorou a esse nível. Sabemos que as empresas do universo ACEGE estão melhor cotadas do que as da média do mercado. Agora se me pergunta se isso é satisfatório, não, não é. Temos de continuar a insistir, a publicar boas histórias, a exortar os empresários e gestores a pagarem a horas, até porque nós, supostamente, estamos a viver um período de crise. Uma coisa é não pagar a horas porque há problemas de tesouraria, outro é não pagar a horas por outro motivo.

Por outro lado, quando tenho um interveniente na cadeia de valor como a administração local que paga a horas, tenho de tirar um bom partido disso e esse efeito tem que se ver em toda a cadeia de valor. Há muitos dados aqui para trabalhar o tema que tem de ser melhor trabalhado. Não nos satisfaz crescer no número de empresas que assina o ‘Compromisso de Pagamento Pontual’, mas que o número de empresas que cumpre os seus compromissos perante terceiros – e este também é um aspecto de ética fundamental para criar relações de confiança – seja um número crescente. As empresas que pagam a horas em Portugal são apenas 20% da totalidade das empresas. Apenas 6% das empresas grandes pagam a horas. Portanto, está a ver o impacto económico que estas realidades têm.

Não tem sido possível cativar as grandes empresas para este projecto?

Temos várias grandes empresas que aderiram ao programa, mas o que importa é garantir que há uma dinâmica. Porque sempre que há informação que permita partilhar estes dados e fixar novos objectivos, eu creio que as grandes empresas vão ter que aderir e vão acabar por fazê-lo. O que nós pretendemos é, numa primeira fase, dar uma maior consciência aos líderes empresariais, a seguir queremos que eles se comprometam e em terceiro queremos que não seja um mero compromisso, mas que eles adiram, de facto, a uma nova cultura na gestão, que é o respeito pelos outros. Aqui também o amor é o critério de gestão perante terceiros. O amor como critério de gestão também é um valor que se tem de colocar perante terceiros, perante os meus fornecedores, perante os meus clientes. Eu tenho de cumprir com os meus compromissos perante terceiros.

Assumiu esta responsabilidade, este serviço em 2016 e terminará em 2019. Gostava de continuar?

Eu não faço por gosto. Foi-me pedido que, nesta missão, servisse a ACEGE, os associados e a sociedade. Portanto, faço-o com sentido de missão. Se vou continuar ou não, é algo que vou ter que discernir. Não o vou fazer sozinho, vou fazê-lo em conjunto com outras pessoas. Portanto, só depois disso é que poderei decidir. Mas neste momento não tenho absolutamente nada que me diga que vá seguir ou que não vá seguir. O que eu gostava era que todo um conjunto de pessoas que se dedica à ACEGE na sua liderança – como sejam a direcção e os órgãos sociais – deixasse uma marca de valor para a sociedade em espírito de serviço. E é isso que estamos a fazer. Não é um exercício de poder, é uma missão de serviço.

Publicado originalmente na Folha de Domingo a 21 de Julho de 2018. Republicado com permissão.

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