“Está provado que a comparação com o mundo à nossa volta nos impele para novos patamares de exigência e qualidade”. Quem o afirma é a mais recente Provedora de Ética da EDP, comentando o posicionamento da empresa, pelo 8º ano consecutivo, no ranking das empresas mais éticas do mundo, promovido pelo Ethisphere® Institute. Manuela Silva pretende não só continuar o caminho de valorização da ética que a multinacional portuguesa tem vindo a trilhar, como também implementar um conjunto de novos objectivos que quer ver associados ao seu mandato, o qual teve início em Janeiro deste ano. Assegurando que “a ética exige qualidade humana superior”, tem também a humildade de afirmar que “este é um trabalho contínuo”, o qual tem de ser “mantido e intensificado”
POR HELENA OLIVEIRA

Manuela Silva é a mais recente Provedora de Ética da EDP, exercendo esta função num contexto global particularmente disruptivo e de célere evolução. Em entrevista ao VER, levanta um pouco do véu dos planos que tem para este cargo, nomeadamente o aperfeiçoamento do “edifício ético” da empresa e a incorporação dareflexão ética no dia-a-dia dos negócios”. Tendo sido eleita, pelo 8º ano consecutivo, como uma “das empresas mais éticas do mundo” no reconhecido ranking do Ethisphere® Institute, a EDP sabe que a reputação e o compromisso com padrões éticos exigentes constituem elementos preciosos na definição do seu “valor” como empresa, não só para os mercados, mas para todos os seus stakeholders. Algo que não assusta Manuela Silva, que considera este índice como um estímulo para aumentar a exigência e a qualidade das políticas de ética organizacional que persegue. Defendendo igualmente que “a formação é indiscutivelmente um instrumento decisivo para fomentar a cultura ética”, Manuela Silva alerta para o facto de que “‘educar em ética’ é fundamental na construção de organizações que visam a excelência”.

A EDP tem já um longo caminho percorrido e (re)conhecido na gestão da ética. Foi recentemente nomeada como Provedora de Ética da EDP, a terceira pessoa da EDP com este cargo, que substitui o Eng.º Figueiredo Soares, a quem fizemos também uma entrevista para o Portal VER. Também entrevistámos já o Eng. Martins da Costa, que se mantém como administrador do pelouro.

Qual é, neste novo contexto, o principal desafio/objectivo da EDP?

É verdade que a EDP tem, desde há muitos anos, construído um caminho tendente a valorizar de forma relevante a ética como fundamento da gestão que prossegue.  Neste novo ciclo da Provedoria de Ética, elegemos como objectivo principal promover a vivência dos Princípios Éticos da companhia no dia-a-dia dos negócios com vista a fortalecer a cultura ética do Grupo.

Este objectivo é definido tendo presente um contexto global muito complexo e exigente, para a sociedade em geral, e para a EDP em particular, com o qual temos que lidar: a revolução digital; a alteração do mix geracional nas empresas; as mudanças profundas no mundo laboral; as alterações dos modelos de negócio no sector da energia; entre outras. Este contexto tão “disruptivo” e de evolução tão rápida, tem profundas implicações na ética empresarial, obrigando-nos a reformular, modernizar e a agir de modo diferente face ao passado, nomeadamente reforçando o papel das lideranças na construção da cultura ética que melhor traduz os nossos valores.

Para concretizar este objectivo, tem já definido, nestes quatro primeiros meses, algumas linhas de orientação ou iniciativas concretas que possa partilhar?

Para concretizar o objectivo mais geral enunciado – que depois se desdobra em vários sub-objectivos – consideramos que é necessário actuar em dois eixos que norteiam o nosso Programa de Ética 2019/ 2021:

  • um primeiro eixo de aperfeiçoamento e modernização do nosso “edifício ético formal”, e que passa pela revisão de Códigos de Ética e de Conduta, pelo reforço da avaliação do risco ético dos negócios, pelo desenho e implementação de um modelo de formação e de comunicação sobre a temática da ética, entre outras medidas;
  • um outro eixo com o qual pretendemos conseguir uma maior “incorporação” da reflexão ética no dia-a-dia dos negócios, estudando e definindo medidas que mitiguem os potenciais riscos éticos que se identifiquem e tornando o raciocínio ético uma das componentes obrigatórias do processo de decisão.

Para cada um destes eixos definimos iniciativas concretas, e é esse plano que nos propomos levar à prática neste triénio, e que já estamos a iniciar.

Que apoio tem para levar à prática estes desafios? Como se interliga a sua área com as diferentes áreas de negócio ou departamentos?

A Provedoria de Ética suporta-se desde logo num Gabinete de Apoio ao Provedor de Ética, que é uma unidade operativa que trabalha com a Provedora na construção do Programa de Ética e na coordenação da sua implementação.

Por outro lado, estamos a promover um maior envolvimento no Programa de Ética das várias unidades de negócio e do centro corporativo da EDP, através da criação de equipas temáticas que, para além de concorrerem com “esforço”, deverão também, por esta via, sentir melhor toda a problemática para que a ética nos convoca, permitindo assim a sua maior “incorporação” nas suas actividades, que, como referi, é uma das nossas aspirações maiores.

São ainda fundamentais no nosso trabalho as várias parcerias com “centros de saber” e  de reflexão sobre o tema” ética”, em que hoje se destacam a Universidade Católica do Porto e a AESE Business School, e também, como sabemos, a equipa do próprio Portal VER. É nossa intenção intensificar estas colaborações com entidades que nos podem complementar em saber e networking, que sabemos serem fundamentais para o êxito dos nossos objectivos.

Muitas empresas tem um departamento de compliance e o desempenho ético é gerido a partir deste departamento. Sabemos que na EDP estas áreas estão autonomizadas. Como se interligam, se é que têm/devem estar interligadas?

A EDP optou pela separação da gestão destas duas áreas, ainda que haja de facto algumas “fronteiras” e até “zonas de secância”entre elas. Contudo, o entendimento, que pessoalmente subscrevo – de que a ética comporta reflexões que se relacionam com a aplicação dos valores, como o “como e porquê se fazem os negócios”, com o julgamento individual, com a promoção de boa conduta – é distinto da forma como a área de compliance aborda a actuação na empresa, em que não há zonas cinzentas e o foco é o cumprimento da lei e a definição de regras concretas a seguir em cada situação. O que procuramos na EDP é assegurar que as zonas de intersecção entre ética e compliance estão controladas e permitem actuações consistentes, não contraditórias e sim complementares, de ambos os lados.

No âmbito do programa de sensibilização e formação que tem vindo a ser concretizado há alguns anos, a EDP focou-se no denominado “Tone at the middle”, dirigida aos gestores intermédios. Como avalia a pertinência e resultados destas acções?

Estas acções de formação respondem a uma convicção de que os lideres, em qualquer nível em que exerçam as suas responsabilidades, são decisivos na construção da cultura empresarial, de que a cultura ética faz parte integrante, e que, por isso, formar em ética esta população é mandatório. E é esse caminho que a EDP tem feito desde há vários anos. Os surveys de desempenho ético que a EDP realiza anualmente mostram que este esforço formativo tem tido resultados positivos, havendo uma boa resposta deste grupo de líderes às questões que permitem avaliar o grau de maturidade da cultura ética na companhia. Contudo, existe a consciência que este trabalho deve ser contínuo, e que por isso tem que ser mantido e mesmo intensificado.

A EDP definiu uma Política de Gestão Sustentável da Cadeia de Fornecimento onde são, entre outros, estabelecidos objectivos no âmbito da gestão do risco e na qual os fornecedores têm também um papel principal, visto serem considerados como parte da “empresa alargada”. Para tal, a EDP disponibilizou o denominado projecto “éticaedp | fornecedores” em 2016. Em que consiste este projecto e como o descreve em termos de resultados?

Através deste projecto – que inclui formação em formatos presencial e e-learning – procura-se alargar a todos colaboradores dos nossos prestadores de serviços, a disseminação dos Princípios e Compromissos éticos da EDP, da mesma forma como são aplicados juntos dos trabalhadores da própria empresa. Tendo em conta o elevado grau de terciarização com que hoje a EDP leva a cabo os seus negócios, este esforço de envolver todos os que actuam em nome da EDP com os nossos valores e as nossas práticas, é decisivo para garantir uma imagem consistente e respeitada junto do mercado e da sociedade em geral. Os nossos parceiros têm aceite muito bem este desafio e os resultados concretos – que na verdade se traduzem na ausência de más condutas dos seus colaboradores junto do mercado e quando estão ao serviço da EDP – são bastante positivos.

A EDP é a única empresa portuguesa que há oito anos consecutivos faz parte das “World´Most Ethical Companies”. Que benefícios recolhem por fazer parte desse grupo restrito de empresas?  

Acreditamos que um dos benefícios é, desde logo, a transmissão de uma imagem de credibilidade empresarial junto dos mercados, estando ao lado de grandes empresas que são reconhecidas também há muitos anos e num mundo global, pela sua elevada qualificação em matéria de ética. Sabemos que hoje o tema da reputação e do compromisso com padrões éticos exigentes são requisitos muito importantes para a determinação do “valor” das empresas, que vai claramente para além da análise através do lucro. Também acreditamos que a participação neste “ranking” nos pressiona internamente, todos os anos, para sermos melhores: está provado que a comparação com o mundo à nossa volta nos impele para novos patamares de exigência e qualidade, e este índice é um dos nossos importantes “desafiadores” em termos organizacionais!

Ainda num contexto global, muito complexo e exigente, como referiu anteriormente, qual ou quais considera ser os assuntos que mais impacto terão não só na EDP, mas nas empresas em geral, sobretudo portuguesas, caso não se acautele a necessária gestão do desempenho ético corporativo?

As grandes transformações que estão a ocorrer na sociedade, muito pressionadas pelos impactos (ou devemos dizer riscos?) da profunda revolução tecnológica a que já hoje assistimos, implicam, creio, que a gestão das empresas seja encarada numa lógica em que o foco não pode ser apenas o lucro, mas sim, em simultâneo, a criação de valor “bom” e a sua partilha com a sociedade. Isto significa que a incorporação do pensamento ético na definição de políticas e na operacionalização das relações com todas as partes interessadas – com os trabalhadores, os clientes, os parceiros, os accionistas, etc. – é cada vez mais indispensável, sob pena de as empresas não serem valorizadas e respeitadas e de perderem sustentabilidade. Portanto, não é apenas uma questão de atender a um ou outro tema com mais impacto, mas sim de construir modelos de gestão em que a ética seja a peça central, seja o “coração” do sistema de gestão. Para que o desempenho possa ser completo e harmonioso e esteja ao serviço de todas as partes interessadas.

Para pensar, concretizar e incluir a reflexão generalizada nestes temas, como referiu anteriormente, ou seja, para conseguir uma maior “incorporação” da ética na vivência diária dos negócios e das equipas, faz diferença o perfil das pessoas que trabalham na empresa, ou é indiferente?

Creio que de facto, faz diferença o perfil.

Que perfil considera que será o mais adequado para uma pessoa poder “cuidar”, efectivamente, da ética numa organização?

É importante que as pessoas se pautem por padrões éticos individuais sólidos, em vertentes como a integridade, a transparência, o respeito pelos outros. E que, enquanto membros da organização, tenham a capacidade para assumir os compromissos definidos, de um modo sincero e dedicado. Se forem lideres, têm que ser capazes de promover a cultura ética de modo pró-activo e sem hesitações. E, em geral, têm que ser capazes de estar sempre a aprender e a partilhar conhecimento com os outros. A ética exige qualidade humana superior!

No estudo europeu do IBE “Ethics at Work” de 2018, verifica-se que em Portugal há muitas empresas, mais concretamente 60% e a par com as europeias, que possuem “normas escritas de conduta ética empresarial”. No entanto, apenas um terço possui um “meio de reportar incumprimentos”, valor abaixo da média europeia, o que é um risco para as empresas. Isto não acontece com a EDP, que tem um Relatório do Provedor de Ética anual, desde 2013, onde partilha o número, tipo e origem, entre outros, de incumprimentos (aliás reclamações, como lhe chamam), mas também as iniciativas implementadas ao longo do ano. Qual a relevância e utilidade deste documento, seja para aumentar a transparência, seja do ponto de vista pedagógico?

O reconhecimento dos problemas é sempre o melhor caminho para os resolver e para encontrar as soluções para os evitar no futuro. Daí que dispor de um documento que explicita os problemas que ocorreram, bem como as iniciativas implementadas para promover um clima de boa conduta constitui, de facto, uma manifestação de transparência e concorre para melhores práticas na organização, funcionando também como exemplo.

Para terminar, da sua recente experiência neste papel, que conselho poderá dar a outras empresas que, apesar de terem códigos de ética, ainda não têm um “edifício ético formal”? 

O Código de Ética é um elemento importantíssimo e central num qualquer Programa de Ética. Contudo, é fundamental que ele seja “vivido”, que esteja “próximo” de toda a organização, que seja um verdadeiro quadro de referência para a conduta das pessoas na empresa. Uma boa forma de conseguir isto é assegurando programas de formação e de comunicação contínuos em torno do Código, e em que ele próprio seja um suporte da formação. A formação é indiscutivelmente um instrumento decisivo para fomentar a cultura ética nas organizações, por isso é necessário utilizá-la sem limites. Recordando as palavras do Papa Francisco no seu livro “Formar – Exigência e Paixão”, “educar é uma das artes mais apaixonantes da existência”. E “educar em ética” é fundamental na construção de organizações que visam a excelência!

Editora Executiva