O trabalho assume hoje um papel incontornável na vida de cada um, sendo o acontecimento em que uma pessoa manifesta mais concretamente o seu sentido de pertença a uma comunidade e o espírito de cumprimento de uma missão
POR LOURENÇO GUIMARÃES BARBOSA

O trabalho é um aspeto grandioso e absolutamente relevante na vida de cada um. O trabalho, não no seu sentido mais mercantilista e redutor, entendido como prestação de uma atividade em contrapartida de uma retribuição, mais sim na sua interpretação mais abrangente, como o lugar onde nos é possível expressar mais radicalmente as nossas aptidões técnicas, é seguramente algo de maravilhoso e verdadeiramente interessante na nossa vida.

Imagino uma vida sem este elemento. Cinzenta, enfadonha e monótona, sem qualquer progresso ou desenvolvimento. Uma existência reduzida a um leque de trivialidades vãs. O trabalho vem acrescentar cor à fita e atribuir um sentido de utilidade e elevação às nossas competências, permitindo que tiremos partido dos nossos talentos e inclinações pessoais. Qual experiência gratificante. Como dizia um mestre, “o trabalho é a forma expressiva da personalidade humana, é a sua expressão total”. É aqui que nos tornamos mais “eu”, nesta modalidade que encerra a possibilidade de nos exprimirmos, de podermos expandir o nosso ser numa realidade concreta que nos é sugerida.

Contrariamente, o sentido etimológico da palavra trabalho remete para uma perspetiva mais negativista sobre o tema. O termo “trabalho” – do latim “tripalium” (três paus) – estava anteriormente associado à ideia de tortura, tanto que o tripalium seria precisamente o nome do instrumento (formado por três estacas de madeira) que teria como fim aplicar um castigo a um trabalhador. Ainda no francês, “travail” está relacionado com a ideia de dor ou de esforço, de uma atividade árdua e exaustiva, a qual seria exclusiva de algumas classes sociais.

Diferentemente, o termo “lavor”, proveniente de “labor”, que deriva em “laborare”, resulta no verbo lavrar e remete para o trabalho na terra (a lavoura) o que implica já uma ideia mais positivista de uma ação transformadora (mais ainda reservada a determinados escalões sociais). A verdade é que, nos dias que correm, o conceito de trabalho evoluiu e é transversal a toda a sociedade, podendo ser entendido como a aplicação de determinadas faculdades, com dispêndio de tempo e de espaço, com vista a alcançar um determinado fim. Sendo certo que as duas componentes (positiva e negativa) se mantêm presentes nesta definição, na medida em que a dedicação a uma atividade implicará um maior ou menor esforço da parte do agente, e atrairá em si mesmo um conjunto de resultados valorativos.

Em todo o caso, o trabalho assume hoje um papel incontornável na vida de cada um, sendo o acontecimento em que uma pessoa manifesta mais concretamente o seu sentido de pertença a uma comunidade e o espírito de cumprimento de uma missão. Nele, abre-se a hipótese de o sujeito trabalhador contribuir com as suas habilidades para o bem da coletividade a que o seu trabalho está associado, pondo a sua técnica ao serviço dos interesses do grupo com vista a atingir um determinado objetivo.

Aqui, a dinâmica do trabalho implica igualmente uma componente de serviço, de estar ao serviço de, de dedicação a algo ou a alguém. É nesta vertente altruísta do trabalho, por assim dizer, que se joga a vocação a que cada um é chamado, a qual terá necessariamente em conta as necessidades e fins do grupo em que se insere.

Este binómio indivíduo/grupo é, a meu ver, determinante. A concretização de cada um no trabalho será tanto maior quanto maior for a sua influência e envolvimento na prossecução dos resultados do grupo. Por grupo, queira-se entender qualquer tipo de agremiação (empresa, família, associações ou outros). Ou seja, o valor intrínseco do trabalho deverá corresponder a uma contribuição para um bem comum e não a um resultado puramente individualista ou de cariz narcisista. É aqui que reside a questão. 

Na minha opinião, o trabalho não deverá traduzir-se num carreirismo furioso de fins egoístas com vista à concretização estrita de objetivos de valorização pessoal, caso em que os interesses do indivíduo se irão sobrepor necessariamente aos interesses do grupo. Este tipo de mentalidade (nociva) leva a que o objetivo último de atingir o máximo na carreira profissional, a qualquer custo, resulte numa “entronização” do trabalho, elevando-o a ídolo, absorvendo todo o tempo disponível e sobrepondo-se a quaisquer outros interesses e valores existentes. Neste cenário, com necessário sacrifício de outros elementos de satisfação e crescimento pessoal, como a disponibilidade para os familiares e amigos, o cultivo pela História e o interesse pela Cultura, o apreço pelas Artes e pela Literatura, o desenvolvimento de outros ofícios. O “Deus” trabalho ocupará o lugar primordial na vida do indivíduo, invertendo o sentido da sua missão logo que se verificar que o mesmo se encontra ao serviço do trabalho e não o inverso, i.e., que o trabalho se encontre ao serviço do(s) indivíduo(s).

É minha convicção de que o trabalho deverá corresponder a uma componente da nossa vocação, vocação essa que deverá estar ao serviço de um outro/terceiros. A beleza íntima do trabalho reside no facto de este ser uma expressão do Homem, e não uma sua dependência. Por sua vez, a grandeza e a glória do Homem dependem do fato de que o indivíduo se encontra intimamente relacionado com um outro. É na conjugação destes fatores que se joga a liberdade da pessoa humana no trabalho.

Lourenço Guimarães Barbosa

Advogado, casado e pai de 2 filhos, atualmente trabalha como Associado no escritório de advogados Vieira de Almeida & Associados.