Esta é a convicção de Jonah Lehrer que, no seu mais recente livro, apresenta a nova ciência da criatividade. Para o autor que agregou os mais recentes avanços científicos nesta área à história e à sociologia, não existem musas inspiradoras, “tipos criativos” ou bênçãos divinas. Existem, sim, processos de pensamento distintos que todos podemos cultivar para sermos mais criativos. Mais do que nunca, o mundo está precisar de novos Steve Jobses, Picassos, Shakespeares & Ca….
POR HELENA OLIVEIRA

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“Arthur Fry trabalhava como engenheiro na 3M, na divisão de produtos de papel. No Inverno de 1974, Fry tinha uma reunião marcada com Sheldon Silver, um engenheiro que trabalhava com adesivos. Silver tinha desenvolvido uma cola extremamente fraca, que mal conseguia colar uma folha de papel à outra. Tal como toda a gente presente na sala de reuniões, Fry ouviu pacientemente a apresentação de Silver, sem conseguir encontrar qualquer tipo de aplicação prática para o componente. Afinal de contas, que benefício poderia trazer uma cola que não colava?

No Domingo a seguir, a cola que não colava voltou à mente de Fry, apesar de tal ter acontecido num contexto improvável. Fry pertencia ao coro da sua Igreja e gostava de colocar pequenos pedaços de papel no hinário para marcar as canções que era suposto cantar. Mas e infelizmente, era comum os papeis caírem, o que obrigava Fry a estar constantemente ‘perdido’ à procura da página certa no livro dos cânticos. E este parecia ser um problema sem solução, do tipo de transtornos comuns com os quais somos forçados a viver. Mas e enquanto ouvia um sermão particularmente entediante, Fry teve uma epifania. Percebeu, de forma repentina, como é que poderia dar uso à cola fraca apresentada por Silver: esta poderia ser aplicada ao papel para criar um marcador de livros reutilizável. Como o adesivo tinha uma cola com pouca força, poderia colar papel, mas ser removido sem o rasgar. A revelação que teve lugar durante uma missa iria dar origem a um dos produtos para escritório mais utilizado de sempre: os Post-it!”

A história acima contada é um dos exemplos obrigatórios quando se fala de criatividade e inovação. E é uma, entre muitas, das que constam no novo livro de Jonah Lehrer, jornalista da revista Wired, colunista no The Wall Street Journal e autor dos best-sellers “How We Decide” e “Proust was a Neuroscientist”. A sua última incursão nas lides da escrita, intitulada “Imagine: How Creativity Works”, tem como mote a nova ciência da criatividade, na qual é desmistificada a ideia de que esta é um “dom” possuído por um pequeno clube de sortudos, da existência de musas inspiradoras ou de “poderes mais elevados”. Ao invés, Lehrer demonstra que a criatividade mais não é do que um conjunto de processos mentais distintivos, os quais são passíveis de ser aprendidos por todos. O autor revela ainda a importância de se pensar como uma criança ou de sonhar acordado, obrigando seguidamente o leitor a “sair da sua própria cabeça” para demonstrar como é possível tornar os nossos ciclos de amizades mais estimulantes, as nossas empresas mais produtivas e as nossas escolas mais eficazes. Ficaremos a conhecer os hábitos de escrita de Bob Dylan e os vícios dos poetas. Tomaremos conhecimento do empregado de bar que pensa como um químico e de um surfista autista que inventou uma manobra inteiramente nova neste desporto. Ou como a Inglaterra isabelina (a era de ouro britânica entre 1558-1603) despertou uma verdadeira explosão criativa ou ainda de como a Pixar concebeu o seu espaço de trabalho para extrair ao máximo o talento dos seus colaboradores. Estas são pelo menos, as cerejas apresentadas no site do autor relativamente ao seu novo livro. O VER foi à procura do resto do bolo.

Impulso criativo está embutido no sistema operativo mental
“A mente humana possui o impulso criativo embutido no seu sistema operativo, fortemente ligado ao mais essencial dos seus códigos programados. Em qualquer momento, o nosso cérebro começa, automaticamente, a formar novas associações, tal como, de forma contínua, estabelece a conexão de um x quotidiano com um inesperado y”. Ao que parece, esta é a tal boa notícia que nos faz esquecer a inveja das pessoas do “tipo criativo”, os iluminados, os abençoados ou sobredotados que colocam a sua imaginação ao serviço dos que os rodeiam.

De acordo com Lehrer, a criatividade nada tem a ver com magia e não existem “tipos criativos”. A criatividade não é um traço cravado nos nossos genes ou um presente vindo dos anjos. É uma competência que, tal como as demais, pode ser aprendida e desenvolvida. E, apesar da ciência da criatividade ser uma área ainda pouco explorada, existem já algumas evidências que demonstram que, ao contrário do que se pensava, a imaginação não é uma coisa única, separada de outros tipos de processos cognitivos. De acordo com as últimas investigações na área, utilizamos “criatividade” como um conceito genérico que inclui um conjunto de ferramentas cognitivas, sendo que cada uma delas se aplica a um tipo específico de problemas e que incentivam à acção mediante uma forma em particular.

No fundo, e como afirmava o denominado génio criativo Steve Jobs, que merece lugar de destaque no livro de Lehrer (e nos exemplos dos “tipos criativos”), a criatividade “é o simples acto de juntar coisas”. Apesar de pensarmos que os inventores têm uma lâmpada especial que se acende e dá origem à grande ideia, o que o fundador da Apple queria dizer é que mesmo os conceitos mais rebuscados são, na esmagadora maioria das vezes, novas combinações de coisas que já existem. E, sob a batuta de Steve Jobs, a Apple não inventou o MP3 ou os tablets – a empresa limitou-se a torná-los melhores, adicionando pormenores de design e tecnologia que estavam ausentes nesta categoria de produtos.

Mas e como alerta o autor, não é só a Apple que espelha este conceito, visível na história da inovação. Os Irmãos Wright transferiram a sua experiência de fabricantes de bicicletas para a invenção do que viria a ser o avião: o seu primeiro aparelho voador controlado, em muitos aspectos, não era muito mais do que uma bicicleta com asas. E Johannes Gutenberg transformou o conhecimento que tinha de prensar uvas para fazer vinho numa máquina de impressão capaz de produzir palavras em massa. O mesmo aconteceu com os fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin: o seu famoso algoritmo de busca foi alcançado através da aplicação do método de classificação utilizado nos artigos académicos (mais citações é igual a maior influência) para a expansão da Internet.

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A maioria das empresas inovadoras, escreve Lehrer, encoraja os seus colaboradores a desenvolver diversos tipos de redes de relacionamentos, cujo principal objectivo é a interacção com colegas de áreas totalmente não relacionadas entre si, uma das “receitas” aconselhadas para estimular a criatividade. A Google é anfitriã de uma conferência interna denominada Crazy Search Ideas – uma espécie de feira de ciências para pessoas crescidas com centenas de posters de todas as áreas, possíveis e imaginárias. A 3M é conhecida por promover a rotatividade dos seus engenheiros no que respeita aos muitos departamentos da empresa e Steve jobs acreditava piamente que os melhores inventores eram aqueles que procuravam “experiências diversificadas” recolhendo inúmeros pontos que, mais tarde, se interligariam.

Em vez de se apostar numa especialização, é preferível e muito mais produtivo, estudar coisas diferentes e que em nada têm a ver com as funções principais que se desenvolve – Jobs estudou caligrafia e isso fez toda a diferença quando criou o primeiro Macintosh, o primeiro com fontes (tipos de letra) múltiplas – ou simplesmente ir sair com amigos com preferências completamente diferentes das que estamos habituados.

As soluções para problemas aparentemente irresolúveis e que surgem repentinamente e quando menos esperamos na nossa mente são apelidadas de “reestruturações mentais”, na medida em que a resposta para o problema em causa só surge depois de alguém colocar uma questão completamente nova e nunca anteriormente formulada. O que é mais surpreendente é o facto de, muitas vezes, a nossa própria experiência funcionar como uma barreira inibidora deste tipo de reestruturações. E também é por isso que não é só importante “importar” novas ideias para a nossa área de especialidade, como também tentar resolver problemas de outras áreas com as quais nada temos a ver. O estatuto de “outsider” e a capacidade de colocar questões ingénuas – como uma criança – constituem vantagens poderosas.

Para Lehrer, a capacidade de atacar problemas como um principiante, despojarmo-nos de qualquer ideia pré-concebida e abandonar o medo de falhar são três ingredientes indispensáveis para estimular a criatividade.

As eras que propiciam ideias geniais
É uma outra ideia bem expressa no novo livro de Lehrer. Denominada pelo autor como “as eras do excesso de génios”, constituem períodos da História em que o florescimento súbito e em quantidade de ideias geniais as categoriza como tal.

No capítulo dedicado a estes tempos prolíferos em boas ideias, Lehrer começa por afirmar que a maioria do crescimento económico tem uma fonte muito simples: novas ideias. E se é a criatividade que gera riqueza, como é possível aumentarmos o ritmo da inovação? “É possível inspirar mais Picassos e Steve Jobses?”, questiona. Para o autor, a resposta a esta pergunta está escondida nos livros de História. Começando por dar o exemplo da época isabelina, que “deu à luz” a genialidade de Shakespeare ou de Francis Bacon (entre muitos outros, )Lehrer cita um trabalho, com já vários anos, de David Banks, um reconhecido professor de estatística que escreveu um pequeno paper sobre o problema de excesso de génios, no qual argumentava que os génios humanos não se disseminam aleatoriamente no tempo e no espaço mas, ao invés, tendem a aparecer em “clusters restritos”.

No seu paper, Banks cita o exemplo de Atenas no período entre 440 e 380 a.C., berço, na altura, de um número surpreendente de génios, incluindo Platão, Sócrates, Tucídedes, Heródoto, Eurípides ou Aristófenes. Estes pensadores inventaram, no essencial, a civilização ocidental, com a particularidade de todos terem vivido no mesmo local e na mesma época. Ou, se tomarmos como exemplo a cidade de Florença, entre 1440 e 1490 que, em apenas meio século e menos de 70 mil habitantes, deu a conhecer um número impressionante de artistas imortais, como Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, Botticelli ou Donatello.

Todavia, e numa nota muito sóbria no final do paper académico, o estatístico conclui, depois de abandonar as explicações históricas usuais, como a existência de paz ou de prosperidade, que o fenómeno do “clube de génios” permanece um mistério. E é aí que Lehrer discorda.

Para o autor, o segredo reside na presença de meta-ideias particulares, que estimulam e suportam a disseminação de outras ideias. Propostas pela primeira vez pelo economista Paul Romer, as meta-ideias incluem conceitos como o sistema de patentes, as bibliotecas públicas ou a educação universal. E Lehrer vai ainda mais longe argumentando que, ao olharmos para os diversos períodos históricos “geradores” de pessoas muito criativas, é possível chegarmos a um modelo para a criatividade no século XXI.

Lehrer apresenta como primeiro padrão o benefício da “mistura” humana. Ou seja, o facto de “clusters de talento” passados terem tido lugar em grandes centros de transacções comerciais, que permitiam uma ampla troca de ideias proveniente de diversos tipos de pessoas. Nos nossos dias, a urbanização populacional é um bom indicador desta mistura, sendo que a mesma lógica é aplicável: as pesquisas indicam que, no total da população, o aumento de 1% no número de imigrantes com graus de licenciatura académica conduz a um crescimento na produção de patentes que pode variar entre os 9% e os 18%.

Um outro tema recorrente é a importância da educação. Todas estas culturas prósperas em talento foram pioneiras na forma de ensinar e de aprender. A Florença medieval assistiu ao crescimento do modelo “mestre-aprendiz”, que permitia aos jovens artistas aprenderem com os veteranos. A Inglaterra isabelina levou a cabo um esforço concertado para educar os homens pertencentes às classes médias, motivo pelo qual William Shakespeare (filho de um homem que confecionava luvas e que não sabia assinar o seu nome) acabou por ter aulas de latim. “Precisamos de replicar o engenho destas épocas e encorajar a experimentação ‘galopante’ no setor da educação”, afirma, citando ainda T.S. Elliot, quando este afirmava que “as grandes eras não produziram talentos em demasia. Perderam foi menos”.

A finalizar, a última meta-ideia envolve o desenvolvimento de instituições que encorajem a tomada de risco. Shakespeare teve sorte em contar com o apoio real para a escrita das suas tragédias, enquanto a Florença renascentista beneficiou da boa vontade dos Medici, que apoiavam as novas formas artísticas, tal como a utilização da perspectiva na pintura. Muitas destas manifestações falharam – Shakespeare foi autor de muitas peças verdadeiramente más – mas tolerar este tipo de fracassos é a única forma de se escrever um Hamlet.

Lehrer analisa assim, e a título de exemplo, a criação de génios na América do século XXI. Eles existem e em grande quantidade. Só que para o autor, os actuais génios americanos são atletas, simplesmente porque são tratados de forma diferente dos demais.  São encorajados enquanto são novos, existem mecanismos para cultivar o seu talento desportivo e às equipas profissionais é dada a oportunidade de correrem riscos.

E, numa altura em que é absolutamente urgente criar mais génios criativos, seria útil aprender e reflectir sobre as sociedades produtoras de Shakespeares, Platãos e afins. E aprender a tirar o máximo partido da criatividade que, afinal, existe em todos nós.

A jornada da criatividade
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“Qualquer jornada criativa começa pela identificação de um problema. E inicia-se com um sentimento de frustração; com uma dor de cabeça provocada por não se conseguir encontrar uma solução. Podemos trabalhar arduamente, mas acabamos por bater contra uma parede. Não temos qualquer ideia sobre o que devemos fazer a seguir. Quando se conta a história de uma invenção ou progresso, passamos por cima dos fracassos, saltando directamente para o seu final feliz. O perigo desta chegada demasiada rápida ao final feliz reside no facto de a frustração fazer parte integrante do processo criativo. Antes de encontrarmos a resposta, antes ainda de sabermos a pergunta, temos que mergulhar no desapontamento. Convencermo-nos de que a solução está para além do nosso alcance. Temos que lutar contra o problema e perder. Porque, na verdade, só quando paramos de a procurar é que a resposta surge. E mesmo quando se materializa, vem aos poucos, como peças de um puzzle que precisam de encaixar…” (siga o resto da história clicando aqui…)

E aplique as seguintes dicas para estimular a sua criatividade:

A nível pessoal:

  • Tome um duche longo. Jogue ping-pong. Relaxe. As melhores ideias emergem, geralmente, quando as deixamos de procurar.
  • Diversifique a sua rede social. Fale com pessoas que pensem de forma diferente da sua.
  • Transforme-se num “outsider”. Não tenha medo de trabalhar em problemas com os quais não se sinta familiarizado.

Na empresa:

  • Desista dos brainstormings: promova o debate e as divergências
  • Falhe redondamente e depressa. Tal como Bob Dylan canta numa das suas músicas, “não existe sucesso como o fracasso”.
  • Maximize as interações horizontais.

Por último, “beba uns copos”, com moderação, é claro. Ao deixar a sua mente “livre”, é mais provável que as associações surjam e que a resposta ao problema se comece a desenhar.

Editora Executiva